A história da Bruxaria
A
história da Bruxaria
Ao
contrário do que se pensa, o cristianismo não foi imediatamente
adotado pelo povo europeu ao ser declarado religião oficial do
Império Romano. Esta conversão dos Romanos ao catolicismo teve
motivos políticos, e não teve grande penetração fora dos centros
urbanos. A grande massa da população permaneceu fiel a seus deuses
antigos. Os cultos antigos, então, receberam a denominação
pejorativa de "pagãos" ("pagani", plural de
paganu, ' morador do campo'), por ter como foco de resistência à
nova religião o povo dos campos, longe das cidades e das zonas de
comércio e ensino.
Os
missionários cristãos, com o tempo, passaram a ter mais aceitação
nas cidades, mas continuavam sendo repelidos no campo, nas montanhas
e nas regiões distantes, verdadeiros enclaves da Antiga Religião.
Houve ainda uma tentativa de reativar o paganismo e o culto aos
Deuses antigos como religião oficial do Império Romano. Esta última
esperança deveu-se ao Imperador Juliano (conhecido como "O
Apóstata"), que reinou no século IV EC. Mas, como sabemos,
essa tentativa não foi frutífera, derrubada pela própria
conjuntura da época, onde já se pressentia o poder de manipulação,
domínio e intriga do cristianismo, evidenciado nos séculos
seguintes. Um dos ardis utilizados pelos cristãos era o de
apropriar-se de festividades pagãs como comemorações religiosas de
sua própria religião. Assim, por exemplo, o festival do solstício
de inverno, onde se comemorava o nascimento do Deus-Sol,
transformou-se no Natal cristão. Também o festival de Samhain,
comemorado em intenção dos mortos, recebeu o nome de Dia de Todos
os Santos, logo seguido pelo dia de Finados. A despeito destas
tentativas, as tradições pagãs continuaram mantendo sua força.
A
partir de um decreto do papa Gregório, os cristãos também se
apossaram dos locais sagrados da Antiga Religião e, derrubando os
templos ali existentes, erigiram suas igrejas. Os Deuses de cada
santuário foram transformados em santos e santas (um exemplo é
Santa Brígida, da Irlanda, na verdade a Deusa Bhríd, protetora do
fogo e dos partos). Quando os cristãos deram-se conta da importância
da Deusa-Mãe para as pessoas, aumentaram a proeminência da Virgem
Maria no culto cristão. Mitos e práticas pagãs foram,
sistematicamente, absorvidas, distorcidas e transformadas em ritos
cristãos. Esculturas de temas pagãos foram incluídos em igrejas e
capelas . O maior exemplo de sincretismo entre costumes pagãos e
cristãos é o cristianismo irlandês, que ainda hoje conserva
hábitos célticos mesclados a liturgias cristãs.
Os
padres tinham a seu favor o tempo, o poder e a força. Os pagãos
tinham que lutar sozinhos contra a profanação de seus templos,
crenças e costumes. Desta maneira, o povo simples dos campos foi
acostumando-se à nova religião, e, gradualmente, foi sendo
convertido. Mas os sacerdotes restantes da Antiga Religião não se
renderam à nova ordem. Juntamente com pessoas ainda fiéis às
antigas crenças, mantiveram o culto ao Deus de Chifres e à Deusa
Mãe. As crenças pagãs, enfatizando a adoração aos Deuses e a
realização dos festivais de fertilidade, foram amalgamando-se à
magia popular, criando a Bruxaria Européia. A magia popular
consistia em um conjunto de feitiços feitos com o uso de ervas,
bonecos e diversos outros meios. Estes feitiços tinham como objetivo
a cura, a boa sorte, atrair amores, e fins menos nobres,como a morte
de algum inimigo. São práticas desenvolvidas a partir do que
restara da magia simpática pré-histórica, unidas ao conhecimento
xamânico dos povos bárbaros.
Os
teólogos cristãos passaram então a sustentar que a Bruxaria não
existia. Assim, pretendiam terminar com a credibilidade dos bruxos e
anular sua influência. Foi um período de relativa paz para a Arte.
Mas logo os cristãos perceberam que seus esforços para exterminar
completamente o paganismo não haviam dado resultado. Fizeram então
mais uma tentativa: transformaram o Deus de Chifres na personificação
do Mal, do Antideus, do Inimigo. A natureza dos Deuses pagãos é
completamente diferente da do todo-poderoso "senhor de bondade"
dos cristãos. Nossos Deuses são quase "humanos", pois têm
características tanto 'boas' quanto 'más'. A teologia cristã já
pressupunha a existência de um antagonista a seu Jeová (o 'Satan'
hebraico do Antigo Testamento e o 'diabolos' do Novo): um Inimigo.
Ele ainda não possuía forma definida e, quando era representado, o
era em forma de serpente, como a que persuadiu Adão a comer a fruta
da Árvore da Sabedoria. Dando a seu Satã a forma do Deus de Chifres
(notadamente de deuses agropastoris como Pã e Sileno, dotados de
cascos de bode e pequenos cornos), os cristãos conseguiram iniciar
um clima de terror e medo em relação aos praticantes da Antiga
Religião, o que os forçou a praticarem seus ritos em segredo.
Mas
a era mais triste da Arte ainda estava por vir. A Era das Fogueiras A
situação da Igreja até o século XIII era caótica. Facções
adversárias lutavam entre si, cada uma degladiando-se em favor de um
dogma. Nos numerosos concílios realizados, ora uma das facções
impunham sua visão, ora outra. Isso favorecia um desmoralizante
'entra-e-sai' de dogmas, o que desacreditava a Igreja. Algumas destas
facções também criticavam a corrupção e o jogo de poder dentro
da classe sacerdotal, e levantavam dúvidas sobre o poder espiritual
do papado. Foi então criado um instrumento de repressão: o Tribunal
de Santa Inquisição. Consistia em um corpo investigatório
ignorante, brutal e preconceituoso, dirigido pela ordem dos
Dominicanos. Sua função primordial era a de acabar com as facções
que se opunham à Igreja (denominadas 'heréticas'), através do
extermínio sistemático de seus membros. Exemplos destas facções
'heréticas' eram os cátaros, os gnósticos e os templários. Com o
tempo, os cristãos perceberam outro uso para seu Tribunal. Ainda
persistiam cultos aos Deuses Antigos, e, graças à transformação
do Deus de Chifres no Demônio Cristãos, eram acusados de delitos
absurdos, como o canibalismo, a destruição de lavouras (acusar de
tal crime uma Religião dedicada à manutenção da fertilidade das
colheitas é, no mínimo, ridículo) e muitos outros. Foi então
proclamada, em 1484, a Bula contra os Bruxos, pelo Papa Inocêncio
VIII. Neste documento, ele relacionava os crimes atribuídos aos
bruxos e dava plenos poderes à Inquisição para prender, torturar e
punir todos aqueles que fossem suspeitos do 'crime de feitiçaria'.
Em 1486 foi publicado o Malleus Malleficarum ('Martelo dos
Feiticeiros'), escrito pelos dominicanos Kramer e Sprenger. O livro,
absurdo e misógino, era um manual de reconhecimento e caça aos
bruxos, e, principalmente, às bruxas (o livro trazia afirmações
surpreendentes, como : "quando uma mulher pensa sozinha, pensa
em malefícios"). A partir daí, a Igreja abandonou
completamente a postura de ignorar a Bruxaria: pelo contrário, não
acreditar na sua existência era considerada a maior das heresias.
Iniciou-se então um período de duzentos anos de terror, conhecido
entre os bruxos como "Era das Fogueiras". Mas os bruxos (e
também os hereges e inocentes: doentes mentais, homossexuais,
pessoas invejadas por poderosos, mulheres velhas e/ou solitárias)
não pereciam só em fogueiras: eram também enforcados e esmagados
sob pedras. Isso quando não pereciam nas torturas, as quais são tão
cruéis e sádicas que não merecem nem ser mencionadas. A Inquisição
tornou-se uma válvula de escape para as neuroses da época: em época
de forte repressão sexual, condenavam-se mulheres jovens, que eram
despidas em frente a um grupo de 'investigadores', tinham todo seu
corpo revistado diversas vezes, à procura de uma suposta 'marca do
diabo', e, por fim, eram açoitadas, marcadas a ferro e violentadas.
Terminavam condenadas e executadas como bruxas. Seu crime: serem
mulheres jovens, belas e invejadas. Anciãs que moravam sozinhas,
geralmente em companhia de alguns animais, como gatos (daí a lenda
da ligação dos gatos com as bruxas), eram alvo de desconfiança e
logo declaradas 'feiticeiras', e, assim, assassinadas.
A
maioria das vítimas dos tribunais de Inquisição não eram
verdadeiros praticantes da Arte, mas muitos bruxos pereceram na mão
dos cristãos. Aproximadamente nove milhões de crimes como este
foram cometidos durante a Inquisição, ironicamente em nome de uma
religião que se dizia 'de amor'. Nunca uma religião demonstrou
tanta necessidade de exterminar seus antagonistas como o
cristianismo. A perseguição aos bruxos não resumiu-se apenas ao
países católicos: espalhou-se pela Europa protestante. Os
protestantes não se guiavam pelo Malleus Malleficarum, mas davam
razão à sua paranóia através do uso de uma citação do Antigo
Testamento: "não deixarás que nenhum bruxo viva". Na Era
das Fogueiras, os praticantes da Antiga Religião adotaram o único
comportamento que lhes possibilitaria a sobrevivência: "foram
para o subterrâneo", ou seja, mantiveram o máximo de discrição
e segredo possível. A sabedoria pagã só era passada por tradição
oral, e somente entre membros da mesma família ou vizinhos da mesma
aldeia. Como técnica de proteção, os próprios bruxos ajudaram a
desacreditar sua imagem, sustentando que a Bruxaria não passava de
lenda, ou disseminando idéias de bruxos como figuras cômicas e
caricatas, dignas de pena e riso. Por volta do final do século XVII,
a perseguição aos bruxos foi diminuindo gradativamente, estando
virtualmente extinta no século XVIII. A Bruxaria parecia,
finalmente, ter morrido. Mas os grupos de bruxos ("covens")
resistiam, escondidos nas sombras. Algo que surgiu nos primórdios da
humanidade não morreria assim tão facilmente.