Principios Gerais do Envultamento
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Técnicas de Projeção Astral e Exercicíos para a Espiritualidade
O ENVULTAMENTO
Em
regra o verbo francês envoûter (do latim vultus, efígie, retrato)
se refere ao ato de usar figuras tridimensionais chamadas dagyde (do
grego para efígie ou boneca) ou planas (desenhos ou fotografias) que
imitam a pessoa a suplicar, beneficiar, proteger ou manipular de
forma que passe a nutrir laços afetivos com outrem ou deixe de
compartilha-los. Como bem observou Aleister Crowley, “não é
suficiente pretender que a imagem de cera seja a pessoa que você
quer enfeitiçar. É necessário estabelecer uma conexão real e ser
capaz disso”1. Daí o uso generalizado de pedaços de roupa,
cabelo, etc. No livro The Golden Bough, o antropólogo J. G. Frazer
enuncia o princípio da mímica — que isto produz isto, ou que um
efeito se assemelha à sua causa — como um dos dois princípios do
pensamento mágico. O outro chamou de “a lei de contato ou
contágio”, segundo a qual “coisas que alguma vez tiveram contato
entre si continuam a agir umas sobre as outras a distância, mesmo
depois de interrompido o contato físico”. Para Frazer,
freqüentemente os dois princípios se combinam e são chamados de
Mágica de Simpatia — a crença de “que coisas agem umas sobre as
outras, à distância, através de uma simpatia secreta”.2
Teoricamente
tudo que for feito ao fetiche deve refletir no ser vivo representado,
sendo a eficácia constatada por acontecimentos simultâneos ou
futuros que estabeleçam a relação de causa e efeito. Por exemplo,
certo relato passado de boca em boca conta que, em 1968, no Haiti, um
jovem foi surrado por um policial e resolveu vingar-se levando um
retrato de seu agressor a um velho mágico. Este realizou passes
sobre o objeto e vaticinou: “O que você fizer à foto acontecerá
ao seu dono”3. Trêmulo, o jovem haitiano furou o olho esquerdo do
retrato com a ponta de uma faca. No mesmo dia e aparentemente na
mesma hora, o policial furou o próprio olho esquerdo com uma peça
de madeira pontuda.4
A
magia-negra é anti-social, oposta aos valores instituídos.
Portanto, nada mais natural do que usa-la na intenção de destruir
os representantes da ordem vigente. O poeta latino Quinto Horácio
Placo (65-8 a.C.) teria escrito sobre os malefícios da mítica
feiticeira Medeia, que picava com alfinetes pequenos bonecos de cera,
para causar desgraças às pessoas com eles identificadas. “Aliás,
a morte de Germânico teria sido causada por este tipo de magia”5.
Márcia Cristina sustenta que o uso de bonecos nesta prática nasceu
no Egito, a partir de uma derivação do rito para criar figuras
shabti 6 descrita no “Papiro de Turim, decifrado e publicado em
Paris em 1868”. Esta fonte menciona uma conspiração contra um
faraó na qual “pretendia-se a morte do rei com a incineração,
pura e simples, de pequeninos bonecos de cera virgem, feitos à forma
e semelhança de cada elemento da corte”7. Em sua incursão na
História, a mesma autora descobriu que, em 1447, a mulher do Duque
de Gloucester foi acusada de haver colocado fogo lento perto de uma
efígie do rei Henrique VI, para que este sofresse horrível morte.
Em face de sua posição social, a mulher escapou à pena capital,
mas seus dois cúmplices, Roger Brolingbroke e um suposto feiticeiro,
foram condenados8. Em 1900 a figura do presidente McKinley, crivada
de alfinetes, foi queimada nas escadas da embaixada norte-americana,
em Londres.
Peca
contra o princípio do pecado quem pretende dar bom uso àquilo que
deveria ser essencialmente mau! No tratado De Enti Sprirituali o
médico-alquimista Paracelso assegura que “quando a imagem de um
ladrão for golpeada, este será forçado a voltar ao lugar onde
roubou por mais longe que tenha ido”9. Inclusive, na antiga França,
“se as autoridades não conseguiam encontrar um criminoso,
executavam-no em efígie, declarando-o legalmente morto”10. No
romance gráfico brasileiro A Vingança do Vodu! (Rio de Janeiro,
1980) a personagem Lia deixa-se desvirginar por um homem, iludida por
sua falsa promessa de casamento. Grávida e solitária, sofre aborto
natural. Finalmente, quando a negra “bruxa do pântano” lhe
ensina a trabalhar com dagyde a vitima torna-se algoz, trazendo
desgraça e morte a todos os seus inimigos11. Noutro romance gráfico,
Feitiço, o personagem Dr. Mago exorciza uma jovem mulher que se
contorce em convulsões e destrói o “centro de macumba”
pertencente ao mago-negro Kaluk, o qual havia realizado o “trabalho”
por encomenda de um homem rejeitado. “O boneco da moça foi feito e
espetado por longos alfinetes”12. Dessa forma, tanto na ficção
quanto na realidade, o envultamento destinado à tortura e morte foi
freqüentemente citado como instrumento de vingança daqueles que se
sentem profundamente contrariados ou injustiçados pela malícia
humana. Por outro lado, o notório potencial benéfico da ‘engenharia
reversa’ é praticamente desconhecido e nunca foi muito explorado.
Imagens
também teriam sido utilizadas para provocar amor e um livro de magia
chamado Picatrix ensina como fazer uma mulher apaixonar-se por um
homem:
"Faz-se
a imagem de cada um deles com pó de pedra, misturado com goma e,
depois, colocam-se as imagens, frente a frente, em um vaso com sete
brotos; queima-se o vaso no forno, a seguir acende-se o fogo na
lareira e põe-se um pedaço de gelo no fogo; quando o gelo derrete,
tira-se o vaso e a feitiçaria está completa. O fogo derretendo o
gelo representaria o amor aquecendo os corações do homem e da
mulher."13
Se
a ação sobre uma imagem pode atingir o homem negativamente porque a
própria representação não poderia, ao contrário, absorver o
efeito deletério destinado ao seu modelo, livrando-o do castigo do
vício e do peso da idade? É isto que acontece no clássico de Oscar
Wide, O Retrato de Dorian Gray. Segundo Kurt Kloetzel as pinturas
rupestres da idade da pedra “não eram feitas por mera recreação,
nem devem ser vistas como ensaios de expressão artística”14. As
cenas de caça abundante e graúda, entre outros motivos, serviriam
de “alegorias através das quais o homem buscava dominar a
realidade, dela extraindo aquilo que mais prezava: alimento farto,
fecundidade”15. Com o tempo formaram-se grandes religiões que
aglutinaram as funções de cura e benção, incluindo o ofício do
casamento, criando ritos próprios, mas deixando o monopólio das
variantes negativamente valoradas (vingança, manipulação) aos
antigos feiticeiros. Daí o debate teológico sobre se os elementos
da eucaristia (hóstia e vinho) são realmente o corpo e o sangue de
Cristo ou apenas uma representação que obedece ao princípio da
imitação; se a cerimônia que imita a última Ceia representa-a ou
só a comemora.
Sobre
trabalhos e feitiços no Brasil:
Um
número de feitiços para o mal substitui um ser vivo (o homem) por
outro com objetivo de simular sua morte. A famosa simpatia que manda
escrever o nome da pessoa odiada num papel e costurá-lo dentro da
boca de um sapo pode derivar do costume dos índios carijós que
amarravam o sapo numa árvore invocando o mal a alguém para que o
animal morresse, apodrecesse, e, conseqüentemente, a pessoa
também16. Se bem que em 1932, na França, o jornalista William
Seabrook encontrou uma boneca de bruxa, crivada de alfinetes e
borrada com sangue de sapo. Junto à boneca havia uma Bíblia com um
crucifixo invertido, no qual um sapo havia sido crucificado com a
cabeça para baixo17. Seguindo o mesmo princípio, há quem se valha
de gatos, galinhas e até cadáveres humanos... Enquanto fazia
pesquisa de campo para o livro Arte e Sociedade nos Cemitérios
Brasileiros, Clarival do Prado Valladares fez uma descoberta
desconcertante:
"O
achado mais estranho nessas pesquisas ocorreu no velho cemitério, de
cripta, no antigo Convento de São Francisco, de Vila Velha de
Alagoas, hoje Deodoro. O cemitério em desuso, com entrada de alçapão
pela Capela do Sacramento, consta de uma cripta de cerca de 4 X 6 m
em correspondência às dimensões da capela, com carneiros
construídos nas paredes laterais e lajes de campas. Sua coberta tem
a altura máxima de 2,5 m. Fizemos a documentação fotográfica com
um refletor que providencialmente nos serviu para o exame detalhado
das inumeráveis inscrições de nomes de pessoas e datas recentes,
até de 1965, em letras de imprensa e de uma mesma caligrafia,
enchendo totalmente o forro abobadal da cripta. De maneira alguma
aquelas inscrições, feitas a fumo de velas, contra o reboco,
poderiam corresponder aos nomes dos sepultados. Praticamente todas as
datas já estavam fora do seu uso, e nem há sinais nem notícias de
sepultamento nestes últimos decênios. Encontramos urnas de restos
mortais trasladados, violadas, com os ossos, cabelos e fragmentos de
vestes, espalhados sobre um batente."
"As
freiras que dirigem o educandário instalado no antigo convento
franciscano de Deodoro nada sabem informar porque é uma ocorrência
antes da presença delas. Em nossa interpretação trata-se de
prática de feitiçaria, com uma caligrafia idêntica para várias
inscrições, cujos nomes não parecem ser de mortos, mas de
indiciados do fetichismo. Nada mais podemos indicar sobre esses
achados, ignorados pelas pessoas locais, senão a evidência das
fotografias."
''No
velho Cemitério de N. S. do Rosário (1875), das ruínas de Iguaçu
Velha, além da prática de macumba em torno do Cruzeiro, que tem
ação votiva e de apelo nas viscitudes dos crentes, há os restos de
um luxuoso e impotente jazigo de cerca de cinco metros de altura
construído em base de alvenaria revestida de laje de mármore,
pedestal e nicho em colunatas de mármore. Próximo deste jazigo
encontram-se os restos da base de uma capela-jazigo cuja entrada foi
fechada por parede de alvenaria e na qual, posteriormente, se fez uma
abertura de 40 X 50 cm. Examinando o interior desta capela-jazigo,
com o foco de uma lanterna, encontramos uma quantidade espantosa de
objetos de uso pessoal (roupas, cartas, retratos, vidros, terços,
etc.) e todas as paredes preenchidas com nomes e datas de pessoas
riscadas a carvão, grafite, tinta, e também a fumo de vela. Há uma
certa semelhança entre esta observação e aquela outra de Deodoro,
de Alagoas. Nossa cautela está em diferenciar a prática ingênua da
macumba, em termos de ação votiva e de apelo, com esta outra de
caráter de feitiçaria demonológica capaz de atingir a
criminalidade do vandalismo, do sacrifício e do infanticídio que
não é tão desconhecido do próprio noticiário dos jornais
brasileiros."18
Existe
um jogo de empurra na cultura afro-brasileira para identificar os
responsáveis pela prática ou apologia à violação de sepulturas
(ato tipificado no art. 210 do Código Penal), mas é de conhecimento
geral que a encruzilhada, a mata e o cemitério são locais
privilegiados para os afiliados às linhas de Exu. É por isso que os
ritos que pedem para um morto levar consigo a vida de um desafeto
aparecem em obras genéricas sobre ‘macumba’:
"Para
matar alguém: Pegue um boneco de pano ou de cera e o batize em uma
cachoeira com o nome da pessoa a ser atingida. Vá ao cemitério,
segure o boneco com a mão esquerda e vá espetando alfinetes e
agulhas virgens no boneco. A cada parte do boneco que for espetada,
deve-se dizer: Com este alfinete estou atingindo fulano na perna, na
cabeça e assim por diante. Depois de espetar todas as partes do
corpo, enfie uma agulha no coração do boneco e diga as mesmas
palavras. A seguir, enterre o boneco aos pés de um defunto fresco e
peça a este que o leve com ele."19
Os
ossos da atriz Daniella Peres, assassinada em 28 de dezembro de 1992,
foram transferidos pela família para um lugar não revelado depois
que foi constatada a violação de seu túmulo, no Cemitério São
João Batista, em Botafogo. De acordo com a novelista Glória Perez,
mãe da vítima, o túmulo foi aberto na semana do Natal, e, dentro
dele, havia flores do cruzeiro. Ao lado, foram encontrados dois
bonecos amarrados e espetados com alfinetes. Na lápide, uma
inscrição indicava o número 28/99, a data do assassinado da atriz.
As pontas do par de sapatilhas que enfeita o túmulo também foram
serradas.20 (A julgar pelo par de bonecos, era provavelmente um
feitiço para separar um casal pelo assassinato da mulher rival, a
exemplo do fim trágico que teve a ocupante do túmulo). Ora, a
prática da macumba nos cemitérios urbanos depende em grande parte
da vigilância e da zeladoria.
No
cemitério S. João Batista busca-se, na maioria das vezes, áreas
menos vigiadas de túmulos velhos, abandonados, e os próprios
zeladores pensam que os praticantes pernoitam escondidos porque,
somente de manhã, é que se descobrem pelo cheiro da cachaça ou o
lume das velas as composições de despachos e serviços. Mas será
que um praticante regular seria capaz de quebrar a regra para fazer
algo realmente grandioso? Creio que não.
Nos
terreiros de quimbanda pode-se encomendar feitiços ou desfaze-los,
mas ‘macumbeiros’ não violam túmulos. Estatisticamente este
tipo de coisa não acontece (da mesma forma que, estatisticamente,
andar de avião é seguro) porque há miríades de fórmulas muito
mais amenas que mandam despachar o ebó na superfície ou produzir
uma ‘covinha da Barbie’ discreta, sem infringir a lei. –
“Obtenha uma amostra do cabelo da vítima, e coloque-a num pequeno
caixão. Enterre-o num cemitério. Em três dias a pessoa morrerá”.21
– Vale lembrar que também criamos e/ou importamos fórmulas
benéficas. Um feitiço mais poderoso, cujo objetivo é o fechamento
do corpo, é geralmente usado como contra-feitiço para a pretensa
vítima de magia. Diversos despachos para cortar olho-grande exigem
um par de pedras olho-de-boi que podem ou não ser furados com pregos
para que alguém ou toda a coletividade ao redor se torne incapaz de
enxergar pelos seus caminhos da inveja. Uma variante manda, entre
outras providencias, colocar o nome do suspeito dentro de uma
graviola e espetar quarenta e dois palitos espalhados pela fruta.
Noutra usa-se uma imagem e deve-se “espetar os alfinetes nos olhos
da boneca”.22 Uma manipulação (kibo-ngela) de origem angolana
manda extrair os olhos de um peixe vermelho cru, em cujo interior é
posto o nome da pessoa, escrito numa fita roxa. O corpo do peixe é
despachado na praia enquanto os olhos são enterrados no lodo e
regados com urina “chamando por Aluvaiá Mavunanguê”23. Como
nosso objetivo neste artigo é apenas a investigação do método,
despindo-o de seus adornos e contextos culturais, recomendo aos
interessados que leiam os livros Do Vodu à Macumba, de Márcia
Cristina (contém feitiços para o mal, para o bem, para questões de
amor, etc) e A Magia do Vodu, de Maria Helena Farelli (contém
trabalhos dos praticantes de Vodu de Nova Orleans).
Uma
boneca carregada de ódio pode matar?
Lemos
no tratado De Enti Spirituali, de Paracelso, que o espírito (ens
spirituale) é produzido (fabricat) pela vontade ou desejo, sendo
“tão forte quanto o grau que a vontade tenha alcançado”24. A
ação do espírito pode ser exercida de forma consciente ou
inconsciente, pois ele possui um certo grau de independência e livre
arbítrio. O mundo dos corpos difere do dos espíritos no qual
“existem os desejos, os ódios, as discórdias e toda uma série de
sentimentos semelhantes que atuam e se manifestam sem o consentimento
ou conhecimento do corpo”25. O espírito de cada corpo parece
substancial, visível, tangível e sensível para outros espíritos
com os quais pode dialogar, utilizando “uma linguagem especial com
a qual conversam livremente, sem nenhuma relação com os discursos
humanos”26. Mas o espírito gerado por nossas sensações e
meditações quotidianas não deve ser confundido com a alma (anima),
a razão (mens), nem com as “obras, efeitos ou conspirações”
dos maus demônios (cacodoemones)27.Contudo, como ele não é gerado
pela razão nem pela fé, mas pela vontade por intermédio do livre
arbítrio, “todos os que vivem de acordo com a sua vontade vivem no
espírito, assim como todos os que vivem de acordo com a razão o
fazem contra o espírito”. Quando dois se buscam e se unem num amor
ardente e aparentemente insólito, “seu afeto não nasce nem reside
no corpo, mas provém dos espíritos de ambos os corpos, unidos por
laços e afinidades superiores, ou então por tremendos ódios
recíprocos que também podem mantê-los estranhamente unidos”28. A
luta acontece quando, por uma vontade fixa, firme e intensa,
desejamos “um transtorno ou uma pena qualquer para um outro
indivíduo” ou ainda “quando dois espíritos lutam e se ferem
reciprocamente sem a vontade ou o conhecimento dos homens,
estimulados por sua inimizade mútua ou pela influência de outras
doenças”29.
"Se
desejarmos com toda nossa vontade (plena voluntas) o mal de outra
pessoa, esta vontade que está em nós acaba conseguindo uma
verdadeira criação no espírito, impelindo-o a lutar contra o da
pessoa que queremos ferir. Então, se este espírito é perverso —
mesmo que o corpo correspondente não o seja — acaba deixando nele
(no corpo) uma marca de pena ou sofrimento, de natureza espiritual em
sua origem, ainda que seja corporal em algumas de suas manifestações.
Quando os espíritos travam essas lutas, acaba vencendo aquele que
pôs mais ardor e veemência no combate. Segundo esta teoria, devem
compreender que em tais contendas se produzirão feridas e outras
doenças não-corporais. Por conseguinte, toda uma série de
padecimentos do corpo pode começar desta maneira, desenvolvendo-se
em seguida conforme a substância espiritual."30
Quando
os corpos se ferem numa luta nada acontece aos espíritos, “mas
quando os espíritos brigam entre si os corpos são afetados”31.
Por isso Paracelso define a entidade espiritual como uma potência
perfeita que tem a finalidade de conservar seu próprio corpo e
destruir o do inimigo ad corpus universum violandum.32 Quem possui
conhecimento da matéria e domina a técnica pode causar lesões
espirituais até produzir a morte da vítima ou transforma-la num
escravo. Segundo Paracelso os adeptos da nigromancia são capazes de
causar malefício utilizando bonecos.
"Se
minha vontade se encher de ódio contra alguém, precisará expressar
este sentimento de alguma maneira. E isto será feito justamente
através do corpo. Sem dúvida, se minha vontade for demasiadamente
violenta ou ardente, pode acontecer que meu desejo chegue a perfurar
e ferir o espírito da pessoa odiada. E também posso encerrá-lo à
força (compeliam) numa imagem que eu consiga fazer dele,
deformando-a e distorcendo-a a meu gosto, atingindo assim também a
intenção de atormentar meu inimigo.3334— Quando modelamos uma
imagem de cera, a enterramos e a cobrimos de pedras, projetando sobre
ela a vontade do espírito contra a pessoa representada (pela tal
imagem), essa pessoa será atacada pela ansiedade, principalmente, no
local onde foram acumuladas as pedras. E só se livrará da angústia
quando sua imagem for desenterrada. Da mesma forma, quando durante
essas provas uma das pernas da imagem se quebra, a pessoa
representada sofrerá a mesma lesão. Assim também acontecerá se
quisermos provocar feridas, picadas, e outras coisas semelhantes.35 —
Quando todo este trabalho da vontade estiver consumado pelo espírito
influenciador sobre o sujeito onde mora o espírito influenciado, ou
em sua figura ou imagem, o segundo terá se tornado prisioneiro do
primeiro, sendo obrigado a executar o que lhe seja ordenado."36
—
Quando
alguém modela uma figura parecida com a do homem que se quer
castigar, ou a desenha numa parede, golpeando-a com picadas ou
pancadas, tudo isso acontece na realidade. A vontade do espírito
transfere assim o sofrimento simbólico da figura para a pessoa real
que ela representa. Por isso concluímos que os espíritos combatem
entre si da mesma forma que os homens.
Ao
comentar a medicina simpática “que medicava membros de cera e
operava sobre o sangue dado pelas chagas para curar as próprias
chagas”, Eliphas Levi sugere que “a homeopatia é uma
reminiscência das teorias de Paracelso e uma volta às suas práticas
sábias”37. Antes de abraçar a teoria do retorno ou contra-ataque
automático e eleva-la ao cubo na moderna ‘lei tríplice’ é
importante lembrar que séculos depois da publicação das obras de
Paracelso os condenados por envultamento ainda recebiam pena de morte
pelo Santo Ofício. Um casal foi executado em St. Albans, em 1649,
acusados de queimar uma boneca que representava uma mulher. Uma
feiticeira inglesa, executada em 1618, brigara com o cunhado que,
depois, viajou. Ela foi acusada de fazer um modelo de cera do navio e
do capitão, com o qual teria causado o naufrágio da embarcação e
a morte do cunhado por afogamento. A tradição britânica atravessou
o Atlântico e liga-se a isso o fato de se relatar que nas paredes do
celeiro da casa de uma das feiticeiras de Salem terem sido
descobertos bonecos feitos de trapos e pêlos de porco, nos quais
estavam enfiados alfinetes sem cabeça. Na casa de outra, dizem que
havia pequenas bonecas de pano com enchimento de pêlos de bode, e
esta feiticeira teria sido obrigada a admitir ter torturado uma
vítima, molhando seu dedo com cuspe e acariciando uma das bonecas.38
Por
isso devemos interpretar com reserva e complacência as passagens
onde o médico-alquimista se expressa de forma fundamentadamente
temerosa ou dúbia. Quando Paracelso escreve aos padres que o
envultamento só atinge os “espíritos culpados”, assegura que
não pode acontecer “aos homens justos e honestos pelo simples
motivo de que seus espíritos se defendem e se protegem
energicamente” e afirma que não se trata de obra dos cacodoemones,
ele deseja preservar sua própria vida.39 (Tanto que o tratado De
Enti Spirituali foi publicado junto ao De Ente Dei que elogia
longamente a doutrina católica e trata do castigo divino como causa
de doenças). Apesar da impossibilidade de expressar-se de forma mais
clara e sincera sua tese do choque de retorno contém chaves ocultas
muito fáceis de compreender. O culposo lutador inconsciente ou
doloso mago-negro que castiga seu dagyde ainda não é um vampiro.
Ele causa malefícios sem valorar a vitima como alimento até cair
numa armadilha do destino. A disputa espiritual é como uma partida
de boxe onde o vencedor e o perdedor saem repletos de cicatrizes. Não
importa quem está com a razão. Ganhando ou perdendo, “aquele que
permanece impregnado de ódio” pode “atrair para si todo o mal
desejado aos outros” e contrair doenças que não podem ser curadas
por nenhum medicamento mundano.40 Esses hematomas incuráveis se
acumulam a cada briga, enfraquecendo o espírito agressor e
produzindo reflexos no corpo físico até que a morte se torna
inevitável. Neste caso é necessário tomar remédios específicos
para os males “que correspondem ao espírito”41. Esse filtro
proscrito, chamado “nephesh habashar” ou “anima carnis” –
ora velado sob a letra “M” – é o sangue repleto de vida
(Levítico 17:12-13). Beba-o e “o corpo será curado
imediatamente”.42
Principio
da similitude mínima:
“Quer
fazer mal a alguém? Vamos fazer uma boneca feita de cera, massa ou
chumbo ou pano, vamos prepará-la e ela vai matar ou prejudicar quem
a senhora queira”, falou o dono de uma loja vodu no Plaza de Aemas,
em Nova Orleans, à Maria Helena Farelli no início da década de 90.
Encantada pelos saquinhos de pó de amor, gotas de atração, óleo
do inferno, diabinho na garrafa e pelo “negro belíssimo” que os
estava vendendo, a brasileira enche sua sacola de produtos exóticos
e o interroga longamente sem revelar que ela própria é uma
especialista no assunto. Ele mostra bonecos feitos de pedra com goma,
feios e retorcidos, “fala e está sério como um monge negro”:
"Faz-se
uma imagem da pessoa que se quer matar com pó de pedra misturado com
goma, depois coloca-se a imagem junto ao deus vodu que se adora,
coloca-se a imagem dentro de um vaso e queima-se o vaso e o boneco no
forno. Depois retira-se o vaso já chamuscado e põe-se um pedaço de
gelo na intenção da pessoa. O gelo se derrete e a feitiçaria está
completa... Ela funciona melhor que uma bola enfeitiçada, mas se não
for feita no preceito dá choque de retomo em quem faz. Quando o
voduno espeta uma boneca com ódio ele está usando este sentimento
para transferir para a pessoa o que quer que aconteça. A vítima só
sente os efeitos do feitiço quando a imagem (boneca) está carregada
de ódio e é deliberada e não ocasionalmente maltratada... Trouxe
chumaço de cabelo da vítima, pedaços de unhas?"43
Maria
não tinha inimigos nem chumaço de cabelo de cobaias providenciais
na bolsa. A falta destes ingredientes pôs fim à negociação. Em
sua concepção a boneca é um suporte de bruxarias dirigidas. A
probabilidade de êxito do malefício é diretamente proporcional à
semelhança da representação com seu modelo. A imagem deve
necessariamente ser feita na intenção da vítima para que o alvo
seja certo, recebendo o mesmo nome e adicionando-se pedaços da
roupa, unhas, cabelos, etc., do suplicado em sua composição. Se o
bruxo puder incluir gotas de óleo ou vinho consagrado na missa ela
funcionará melhor. Márcia Cristina informa que “devem ser
ministrados ao vulto ou dagyde todos os sacramentos que a pessoa
tenha recebido: batismo, penitência, matrimônio. Depois disso,
procede-se à sua execração, espetando-se o boneco com alfinetes ou
cacos de vidro, e proferindo palavrões e ofensas à vítima”44.
Maria concorda que “a tradição vodu manda que se batize a efígie.
Que se consagre que se case, que se dê a eucaristia. Depois vem a
cerimônia de execração. Criava-se a figura de alfinetes, de
punhaladas, xinga-se, pragueja-se”. Neste momento “O bruxo vodu
lança mil injúrias contra a vítima”.45
Os
ritos de carregar são meios de concentrar a fúria do mago vodu,
mas, mesmo assim, a imagem passa a contar com uma vitalidade
demoníaca própria. Segundo Bernard Bromage, “uma imagem pode ser
carregada de ódio de várias maneiras: ‘oração’ invertida;
queima de incenso; sacrifício de sangue em sua proximidade; impacto
súbito de um veneno paralizador. Tudo isso pode contribuir para que
uma imagem, especialmente uma já associada à destruição, ganhe
uma negra e abundante vitalidade que pode destruir a si própria, no
consciente e subconsciente, sobretudo durante o sono”46. João do
Rio descreve um procedimento em que o bruxo estendia uma corda com um
nó sobre o boneco de cera, e dizia as seguintes palavras mágicas:
“Arator, Lepidator, Tentator, Soniator, Ductor, Comestos,
Devorator, Seductor!” Depois, praguejando, atirava a boneca ao
fogo, após cravar-lhe um punhal.47 Embora concordasse com Paracelso
quanto à ausência de influência demoníaca no envultamento,
Eliphas Levi entende que os praticantes tinham intenção de invocar
o diabo:
"Os
necromantes da Idade Média, ansiosos de agradar por sacrilégios
àquele que consideravam como seu senhor, misturavam esta cera com
óleo batismal e cinzas de hóstias queimadas. Padres apóstatas
sempre se encontravam para lhes dar os tesouros da Igreja. Formavam
com a cera maldita uma imagem tão parecida quanto possível com
aquele que queriam enfeitiçar; cobriam esta imagem com vestidos
iguais ao dele, davam-lhe os sacramentos que ele tinha recebido,
depois pronunciavam sobre a cabeça da imagem todas as maldições
que exprimiam o ódio do feiticeiro e cada dia infligiam a esta
figura maldita torturas imaginárias, para atingir e atormentar, por
simpatia, aquele ou aquela que a figura representava. O
enfeitiçamento é mais infalível se a pessoa puder obter cabelos,
sangue e, principalmente, um dente da pessoa enfeitiçada. É o que
deu lugar a este modo de falar proverbial: “Tendes um dente contra
mim”.48
O
antídoto ideal é sugerido pelo mesmo autor:
"Para
o enfeitiçamento pela figura de cera, é preciso fazer uma figura
mais perfeita, pôr da própria pessoa tudo o que puder dar, pôr-lhe
ao pescoço os sete talismãs, colocá-la no meio de um grande
pentáculo representando o pentagrama e esfregá-la levemente, todos
os dias, com uma mistura de óleo e bálsamo, depois de ter
pronunciado a conjuração dos quatro para desviar a influência dos
espíritos elementares. No fim de sete dias, será preciso queimar a
imagem no fogo consagrado, e podereis ter certeza de que a estatueta
fabricada pelo enfeitiçado perderá, no mesmo instante, toda a sua
virtude."49
Uma
escultura perfeita, impecável, é o que todos desejam seja para
ataque ou defesa. Porém, sempre foi dificílimo encontrar
feiticeiros com habilidade artística suficiente para esculpir
miniaturas humanas de qualidade. Daí o estabelecimento oficioso de
uma espécie de princípio da similitude mínima. É por isso que
encontramos a foto de uma “boneca de feitiço” feita de penas,
entranhas de animal e linha preta que certamente não se parece em
nada com o suplicado ao qual representa na página 58 do livro Do
Vodu à Macumba. Pelo mesmo motivo os brasileiros podem usar um par
de olhos-de-boi para substituir olhos humanos ou rabiscar apenas os
nomes dos suplicados na cripta do antigo Convento de São Francisco e
na capela-jazigo do velho Cemitério de N. S. do Rosário. “Pegue
um ovo podre e escreva nele o nome da pessoa nove vezes”, diz uma
fórmula para fazer com que uma persona non grata vá embora,
“Escreva, também, para onde quer que ela vá. À meia-noite atire
o ovo contra a porta da casa da vítima”.50
Envultamento
mediante hipnotismo:
Desde
o séc. XIX a fotografia tornou-se uma alternativa tecnológica para
os que rejeitam a similitude mínima, tendo como único ônus o
abandono do modelo tridimensional em favor do retorno à técnica
pré-histórica da representação de figuras planas. Neste caso,
convencionou-se que os instrumentos de suplício ideais são pregos
ou alfinetes de ferro enferrujado. (O sincretismo ou aglutinação
também incluiu a foto entre as amostras de unha, cabelo, etc., a
serem introduzidas no peito dos bonecos tridimensionais). No Brasil o
termo envoûtement foi aportuguesado para envultamento, aportando no
Rio de Janeiro já sobrecarregado de vetos morais e de uma profunda
carga de espiritismo europeu. Com as experiências sobre a
exteriorização da sensibilidade nos estados profundos da hipnose,
levadas a cabo a partir de 1891 pelo Coronel A. de Rochas, a
investigação psíquica passou a problematizar a possibilidade
científica do fenômeno. Para proceder por ordem, vamos narrar a
primeira experiência compilada por Papus, realizada no Laboratório
da Caridade, tal como foi publicada nos jornais diários do mês de
Agosto de 1902:
"Rochas
tentou transportar a sensibilidade de um paciente para uma placa
fotográfica. Colocou uma primeira placa em contato com um sujet não
adormecido: a fotografia do paciente, obtida em seguida, não
apresentou nenhuma relação com ele. Uma segunda, posta
anteriormente em contato com um paciente adormecido, ligeiramente
exteriorizado, deu uma prova apenas sensível por relação. Uma
terceira, enfim, que, antes de ser colocada no aparelho fotográfico,
havia sido fortemente carregada com a sensibilidade do sujet
adormecido, deu uma fotografia que representou os mais curiosos
caracteres. Toda vez que o operador tocava na imagem, o paciente
fotografado o sentia: Por fim, tomou aquele, um alfinete e arranhou
duas vezes a película da placa no lugar da mão. Neste momento, o
paciente desmaiou, em completa contratura. Quando voltou a si,
pode-se ver sobre a mão dois estigmas vermelhos sobre a epiderme,
correspondendo às duas arranhaduras da película fotográfica.
Rochas acabava de realizar tão completamente quanto possível, o
envultamento dos antigos. (La Justice — 2 de agosto)."51
Vejamos,
agora, os pormenores dados pelo próprio Coronel Rochas na
L’Initiation (vol. XVII, n.º 2, de Novembro de 1892). Os fatos que
se passaram em 2 de Agosto ocorreram com a mesma paciente na qual
pôde-se, algumas vezes, determinar o fenômeno de dermografia
(entumescimento da pele pela simples passagem de uma ponta romba).52
"A
maioria dos pacientes, quando se hipereteziam seus olhos por meio de
certas manobras, vê escapar-se dos animais, vegetais, cristais e
imãs, alguns clarões que poderiam ter uma relação direta com
essas irradiações. Foi o que constatou pela primeira vez, há cerca
de cinqüenta anos, por meio de numerosas experiências, um sábio
químico austríaco, o barão de Reichenbach. No homem, esses
eflúvios saem dos olhos, das narinas, das orelhas e da extremidade
dos dedos, enquanto que o resto do corpo é análogo a uma penugem
luminosa. Quando se exterioriza a sensibilidade de um paciente, o
“sujet” vidente vê este envoltório luminoso deixar a pele e
situar-se no ar justamente nos pontos onde se pode verificar
diretamente a sensibilidade do paciente por meio de contatos ou
picadas."
"Continuando
as manobras que produzem a exteriorização, vi, com o auxílio
destes diversos processos, que se formavam sucessivamente uma série
de camadas sensíveis muito delgadas, concêntricas, separadas por
zonas insensíveis, até vários metros do paciente. Estas camadas
distam umas das outras cerca de 5 a 6 centímetros e a primeira é
separada da pele, que fica insensível, apenas a metade desta
distância... "
"O
que eu considero perfeitamente estabelecido é que os líquidos, em
geral, não somente detêm o od, mas o dissolvem, isto é, que,
fazendo-se atravessar, por exemplo, um copo cheio de água por uma
das camadas sensíveis mais próximas do corpo, produz-se uma sombra
ódica, e as camadas seguintes desaparecem por detrás do copo até
chegarem a uma certa distância; além disto, a água do copo
torna-se inteiramente sensível e emite mesmo, ao cabo de um certo
tempo (provavelmente quando ela está saturada) vapores sensíveis
que se elevam verticalmente sobre a superfície do líquido. Enfim,
se se afasta o copo, a água que ele contém fica sensível até uma
certa distância; além da qual o laço que a une ao corpo do
paciente parece romper-se, depois de ir-se gradualmente
enfraquecendo."
"Até
este momento, o paciente percebe, sobre a parte de seu corpo mais
próxima do lugar em que se acha a água carregada de sensibilidade,
todos os toques que o magnetizador faz no líquido, se bem que a
região do espaço para onde se transportou o vaso não contenha,
fora deste recipiente, mais nenhuma parte sensível."
*
* *
"A
analogia que apresenta este fenômeno, com as histórias de pessoas
que se fazem morrer à distância, ferindo uma figura de cera
modelada à sua imagem, é evidente. Procurei ver se a cera não
gostaria, como a água, da propriedade de armazenar a sensibilidade e
reconheci que ela a possuía em alto grau, assim como outras
substâncias gordurosas, viscosas ou aveludadas como o cold-cream e o
veludo de lã. Uma estatueta confeccionada com cera de modelar e
sensibilizada, sendo colocada alguns instantes em face e a uma
pequena distância de um paciente, reproduzia neste as sensações
das picadas que eu fazia na cera; ora no alto do corpo, se eu picava
a figura na cabeça, ora na parte inferior, se eu a picava nos pés.
(Quer isto dizer que a picada era sentida de maneira mais ou menos
vaga nas regiões que haviam enviado mais diretamente seus eflúvios).
Entretanto, cheguei a localizar exatamente a sensação, colocando,
como os antigos feiticeiros, na cabeça de minha figurinha, uma mecha
de cabelos cortada da nuca do paciente durante seu sono hipnótico."
"Esta
foi a experiência da qual nosso colaborador na Cosmos foi testemunha
e mesmo autor; ele havia transportado a estatueta assim preparada
para trás das gavetas de uma escrivaninha, onde não a podíamos
ver, nem o paciente, nem eu. Despertei Mme. L... que, sem deixar seu
lugar, pôs-se a conversar com ele até o momento em que, voltando-se
bruscamente e levando a mão à parte posterior da cabeça,
perguntou, rindo, quem lhe puxava pelos cabelos; era no momento
preciso em que X. tinha, sem que eu visse, puxado pelos cabelos da
estatueta."
"Os
eflúvios, parecendo refratar-se de maneira análoga à luz, que
talvez os arraste em sua projeção, pensei que si se a projetasse,
com o auxílio de uma lente sobre uma camada viscosa, a imagem de uma
pessoa suficientemente exteriorizada, poderia chegar-se a localizar
exatamente as sensações transmitidas da imagem à pessoa. Uma placa
carregada de gelatino-bromuro e um aparelho fotográfico me
permitiram realizar facilmente a experiência que só teve êxito
completo quando eu tive o cuidado de carregar a placa de
sensibilidade do paciente antes de a colocar no aparelho. Mas,
operando assim, obtive um retrato tal, que se o magnetizador tocava
um ponto qualquer do rosto ou das mãos sobre a camada de
gelatino-bromuro, a paciente sentia a impressão no ponto exatamente
correspondente; e isto não só imediatamente depois da operação,
mas ainda três dias depois, quando o retrato foi fixado e colocado
perto da paciente. Esta parecia nada ter sentido durante a operação
de fixagem, feita longe dela, e sentia igualmente bem pouco quando se
tocava, em lugar da camada de gelatino-bromuro, a chapa de vidro que
lhe servia de suporte.
Querendo
levar a experiência o mais longe possível e aproveitando a presença
ali de um médico, piquei violentamente, sem prevenir e por duas
vezes, com um alfinete, a imagem da mão direita de Mme. L..., que
soltou um grito de dor e perdeu os sentidos por um instante. Quando
voltou a si, observamos sobre o dorso de sua mão duas raias
vermelhas sub cutâneas que ela não tinha antes, e que correspondiam
exatamente às duas arranhaduras que meu alfinete havia feito sobre a
camada gelatinosa."53
Numa
nova experiência com Mme. L o coronel Rochas descobriu que o clichê
era sensível apenas aos seus contatos, sendo que os do fotógrafo só
eram sentidos quando ele tocava o homem que tocava o clichê. Em 9 de
outubro, tendo sido tirada uma prova sobre papel, “a paciente
percebia sensações gerais agradáveis ou desagradáveis”54. Dois
dias depois toda sensibilidade havia desaparecido tanto no clichê
como na prova. Consta que o dr Luys reproduziu o fenômeno, tendo
conseguido obter a transmissão de sensibilidade a 35 metros alguns
instantes depois da “pose”. D’ Arsac repetiu a experiência da
placa fotográfica sensibilizada e contestou a conclusão de Rochas
em artigo no jornal Paris-Bruxelles de 12 de outubro e 1862. Em sua
concepção “o que se tomou por fenômeno de envultamento não foi
mais que um fenômeno de sugestão”55 porque “na ausência do
hipnotizador, podia-se, nove vezes sobre dez, picar o retrato, sem
que a hipnotizada sentisse dor alguma. Nunca a paciente experimentou
a menor dor, quando o clichê era picado por uma pessoa que ignorasse
completamente o fim da experiência”.56
Existe,
portanto, certa polêmica sobre se a cera, a água, o
gelatino-bromuro e outras substâncias seriam capazes de armazenar
impressões sensíveis e afetar cobaias hipnotizadas ou se, ao
contrário, é a mente do hipnotizador que trabalha, servindo o
objeto como mero fetiche que o auxilia a concentrar-se num objetivo
(afetar a sensibilidade da cobaia). Mas isso não impediu a difusão
e distorção da novidade e logo surgiu uma infinidade de adaptações
do envultamento por fotografia. “Obtenha uma fotografia e uma mecha
do cabelo da vítima”, diz uma fórmula popular que ignora a
hipnose, “Enterre-os juntos, de preferência na lama ou em areia
umedecida, onde os objetos se desintegrem rapidamente. Da mesma
forma, a vítima irá se desintegrando até a morte”.57
--
[01]
CROWLEY, Aleister. Moonchild. In: Homem, Mito & Magia. São
Paulo, Três, 1973, p 46.
[02]
FRAZER, J. G. The Golden Bough. In: Homem, Mito & Magia. São
Paulo, Três, 1973, p 46.
[03]
PARALIZADOS POR BRUXARÍA. In: Homem, Mito & Magia, fascículo
33. SP, Três, 1973, p 667.
[04]
Em 1939, teria chegado mais uma receita, procedente de Illinois,
Estados Unidos: “uma maneira segura de matar um homem é colocar
sua imagem sob uma cantoneira do telhado da casa de quem executa o
feitiço, durante tempo chuvoso, e deixar que a água pingue sobre
ela”. (Homem, Mito & Magia, p 44). Em 1964, perto de
Sandringham, Norfolk, foi encontrada uma boneca de quinze centímetros
de comprimento, feita de massa de modelar e com uma lasca de
espinheiro perfurando-lhe o coração. Conforme a redação de Homem,
Mito & Magia, “o objetivo do feitiço tanto poderia ter sido o
de matar a vítima, como o de seduzi-la, ferindo seu coração com
amor”. Mas, segundo Maria Helena Farelli, “dizem os vizinhos que
a mulher que ali morava morreu de ataque cardíaco”. (A Magia do
Vodu. Rio de Janeiro, Luz de Velas, 1995, p 32).
[05]
NEVES, Márcia Cristina A. Do Vodu à Macumba. São Paulo, Tríade,
1991, p 58.
[06]
O termo shabti deriva do egípcio antigo e significa “aquele que
responde”. A tumba de Tutancâmon (133-1323 a.C.) continha 413
figuras shabit, sendo que destas 365 são de operários, 36 de
capatazes, 12 de inspetores e algumas do próprio rei. Acreditava-se
que tais estatuetas substituíam o falecido e eram chamadas para
executar as tarefas árduas da vida após a morte em seu lugar. (Cf:
TIRADRITTI, Francesco e DE LUCA, Araldo. Tesouros do Egito. Trd.
Maria de Lourdes Giannini. Bela Vista, Manole, 1998, p 216).
[07]
NEVES, Márcia Cristina A. Do Vodu à Macumba. São Paulo, Tríade,
1991, p 58.
[08]
NEVES, Márcia Cristina A. Do Vodu à Macumba. São Paulo, Tríade,
1991, p 58-59.
[09]
PARACELSO. A Chave da Alquimia. Trd. Antonio Carlos Braga. São
Paulo, Três, 1973, p 134.
[10]
NEVES, Márcia Cristina A. Do Vodu à Macumba. São Paulo, Tríade,
1991, p 58.
[11]
SAIDENBERG, Luis (arte) e CAMERA, Pietro La. A Vingança do Vodu! In:
SPEKTRO, nº 19. Rio de Janeiro, Vecchi, dezembro de 1980, p 98-110.
[12]
SARKEY, Rick. Feitiço. In: Almanaque Seleções de Terror, nº 11.
São Paulo, Taika. (Obra da década de 60 ou 70. REG. NO DPF. SOB Nº
018P209/73).
[13]
A MAGIA DA IMITAÇÃO. In: Homem, Mito & Magia. São Paulo, Três,
1973, p 45.
[14]
KLOETZEL, Kurt. O Que é Superstição. São Paulo, Brasiliense,
1990, p 13.
[15]
KLOETZEL, Kurt. O Que é Superstição. São Paulo, Brasiliense,
1990, p 15.
[16]
NEVES, Márcia Cristina A. Do Vodu à Macumba. São Paulo, Tríade,
1991, p 59.
[17]
MAGIA NEGRA E FEITIÇARIA. In: Homem, Mito & Magia. São Paulo,
Três, 1973, p 16.
[18]
VALLADARES, Clarival do Prado. Arte e Sociedade nos Cemitérios
Brasileiros: Um estudo da arte cemiterial ocorrida no Brasil desde as
sepulturas de igrejas e as catacumbas de ordens e confrarias até as
necrópoles secularizadas. Vol I. Rio de Janeiro, Departamento de
Imprensa Nacional, 1972, p 439-1440.
[19]
NEVES, Márcia Cristina A. Do Vodu à Macumba. São Paulo, Tríade,
1991, p 85.
[20]
Na época do assassinato da atriz Daniella Perez, a escritora Glória
Perez acreditava que ela fora morta num ritual de magia negra. Ao ser
encontrada, Daniella tinha 18 perfurações no corpo. Até hoje não
se sabe, com certeza, se ela foi morta com golpes de tesoura ou de um
punhal. A arma do crime nunca apareceu. Próximo ao seu corpo foram
achados ossos e na casa onde Guilherme e Paula moravam, em
Copacabana, a polícia encontrou uma imagem de um preto velho. Uma
ex-empregada confirmou que o casal praticava rituais. A tese de que a
atriz teria sido morta num ritual ganhou as páginas dos jornais, mas
a polícia não levou a sério a hipótese de a jovem ter sido
assassinada em meio a um espetáculo macabro. (Cf: MATHEUS, Letícia.
Túmulo de atriz é violado. In: EXTRA, 2ª edição, 30/12/1999, p
12).
[21]
NEVES, Márcia Cristina A. Do Vodu à Macumba. São Paulo, Tríade,
1991, 72.
[22]
COSTA, José Rodrigues da. Como Combater Olho-Grande. Rio de Janeiro,
Pallas, 1991, p 50.
[23]
COSTA, José Rodrigues da. Como Combater Olho-Grande. Rio de Janeiro,
Pallas, 1991, p 66.
[24]
PARACELSO. A Chave da Alquimia. Trd. Antonio Carlos Braga. São
Paulo, Três, 1973, p 126.
[25]
PARACELSO. A Chave da Alquimia. Trd. Antonio Carlos Braga. São
Paulo, Três, 1973, p 126.
[26]
PARACELSO. A Chave da Alquimia. Trd. Antonio Carlos Braga. São
Paulo, Três, 1973, p 123.
[27]
PARACELSO. A Chave da Alquimia. Trd. Antonio Carlos Braga. São
Paulo, Três, 1973, p 120.
[28]
PARACELSO. A Chave da Alquimia. Trd. Antonio Carlos Braga. São
Paulo, Três, 1973, p 124.
[29]
PARACELSO. A Chave da Alquimia. Trd. Antonio Carlos Braga. São
Paulo, Três, 1973, p 128.
[30]
PARACELSO. A Chave da Alquimia. Trd. Antonio Carlos Braga. São
Paulo, Três, 1973, p 129.
[31]
PARACELSO. A Chave da Alquimia. Trd. Antonio Carlos Braga. São
Paulo, Três, 1973, p 127.
[32]
PARACELSO. A Chave da Alquimia. Trd. Antonio Carlos Braga. São
Paulo, Três, 1973, p 119.
[33]
PARACELSO. A Chave da Alquimia. Trd. Antonio Carlos Braga. São
Paulo, Três, 1973, p 132.
[34]
PARACELSO. A Chave da Alquimia. Trd. Antonio Carlos Braga. São
Paulo, Três, 1973, p 134.
[35]
PARACELSO. A Chave da Alquimia. Trd. Antonio Carlos Braga. São
Paulo, Três, 1973, p 130.
[36]
PARACELSO. A Chave da Alquimia. Trd. Antonio Carlos Braga. São
Paulo, Três, 1973, p 130.
[37]
LEVI, Eliphas. Dogma e Ritual da Alta Magia. Trd. Rosabis Camaysar.
SP, Pensamento, 1997, p 358.
[38]
A MAGIA DA IMITAÇÃO. In: Homem, Mito & Magia. São Paulo, Três,
1973, p 45.
[39]
PARACELSO. A Chave da Alquimia. Trd. Antonio Carlos Braga. São
Paulo, Três, 1973, p 134.
[40]
PARACELSO. A Chave da Alquimia. Trd. Antonio Carlos Braga. São
Paulo, Três, 1973, p 132.
[41]
PARACELSO. A Chave da Alquimia. Trd. Antonio Carlos Braga. São
Paulo, Três, 1973, p 135.
[42]
PARACELSO. A Chave da Alquimia. Trd. Antonio Carlos Braga. São
Paulo, Três, 1973, p 131.
[43]
FARELLI, Maria Helena. A Magia do Vodu. Rio de Janeiro, Luz de Velas,
1995, p 31-33.
[44]
NEVES, Márcia Cristina A. Do Vodu à Macumba. São Paulo, Tríade,
1991, p 60.
[45]
FARELLI, Maria Helena. A Magia do Vodu. Rio de Janeiro, Luz de Velas,
1995, p 98.
[46]
BROMAGE, Bernard. The Occult Arts of Ancient Egypt. In: Homem, Mito &
Magia. São Paulo, Três, 1973, p 45-46.
[47]
NEVES, Márcia Cristina A. Do Vodu à Macumba. São Paulo, Tríade,
1991, p 60.
[48]
LEVI, Eliphas. Dogma e Ritual da Alta Magia. Trd. Rosabis Camaysar.
SP, Pensamento, 1997, p 355.
[49]
LEVI, Eliphas. Dogma e Ritual da Alta Magia. Trd. Rosabis Camaysar.
SP, Pensamento, 1997, p 358.
[50]
NEVES, Márcia Cristina A. Do Vodu à Macumba. São Paulo, Tríade,
1991, p 73.
[51]
PAPUS. Tratado Elementar de Magia Prática. Trd. E. P. São Paulo,
Pensamento, 1978, p 397.
[52]
PAPUS. Tratado Elementar de Magia Prática. Trd. E. P. São Paulo,
Pensamento, 1978, p 401, nota 21.
[53]
PAPUS. Tratado Elementar de Magia Prática. Trd. E. P. São Paulo,
Pensamento, 1978, p 397-400.
[54]
PAPUS. Tratado Elementar de Magia Prática. Trd. E. P. São Paulo,
Pensamento, 1978, p 400, nota 20.
[55]
PAPUS. Tratado Elementar de Magia Prática. Trd. E. P. SP,
Pensamento, 1978, p 400-401, nota 20.
[56]
PAPUS. Tratado Elementar de Magia Prática. Trd. E. P. SP,
Pensamento, 1978, p 400-401, nota 20.
[57]
NEVES, Márcia Cristina A. Do Vodu à Macumba. São Paulo, Tríade,
1991, p 72.