A ESTRUTURA MAGICA DA UMBANDA

No último texto (ESPAÇOS MÁGICOS E CORRENTES) discutimos a ideia de um espaço mágico e de uma corrente, que funcionam como bolhas de ordem em meio ao caos do mundo astral. Essas bolhas proporcionam um ambiente favorável para certos tipos de atividades espirituais, pois repelem energias que não são afins à essência de cada uma, ao passo que atraem energias com que têm afinidade. Essas bolhas são pequenas Binahs, que representam o útero da Grande Mãe, onde se tem fontes imensas de energia criativa e proteção (esse é o motivo de muitos terreiros e templos terem o formato de uma mulher grávida, ou terem uma imagem da grande mãe bem na entrada), dentro de Hockmah.

A questão da criação do espaço mágico começa a complicar quando tentamos dar “nomes” a essas energias essenciais que vão atrair/repelir seres, espíritos, formas pensamento etc. O estudo de como representações são atribuídas a determinados objetos é chamado, pelas academias, de semiótica. Vou tentar explicar um pouco do básico da semiótica, mas sugiro procurarem um especialista caso queiram se aprofundar no assunto.


Isto não é um cachimbo – René Magritte

Entre 1928 e 1929, o belga René Magritte produziu uma série de pinturas intitulada “A Traição das Imagens”. A mais famosa delas é a que está reproduzida acima, “Isto não é um Cachimbo” (Ceci n’est pas une Pipe). Essa imagem gerou uma certa polêmica, uma vez que temos, na imagem, um desenho de um cachimbo. Mas, se você acha que essa imagem é um cachimbo, desafio você, leitor, a fumar esse cachimbo… cuidado para não colocar fogo no seu computador!

As imagens são representações de objetos, ou seja, para algum interpretante (alguém que vê a imagem), esse signo liga seu pensamento às ideias que ele tem do objeto. Assim, muitos, ao verem essa imagem, lembram-se de objetos que normalmente são utilizados para fumar, que têm as características x, y e z, e que aparecem recorrentemente em giras de pretos velhos.

Da mesma forma, o mapa não é o território, a partitura não é a música, a notação não é a matemática. As representações podem ser capazes de ativar certos processos mentais e desencadear a abertura de complexos de memória. Mas claro, precisamos sempre levar em conta o interpretante, pois a mesma imagem pode (alguns autores dizem que necessariamente tem) ter significados diferentes para pessoas diferentes. Quais são as memórias que o símbolo seguinte ativa em sua mente?



Não quero discutir significados agora, mas garanto que para um Católico, para um Umbandista, para um Demolay, para um Maçon, para um Thelemita, para um Budista etc. essa imagem representa coisas bastante diferentes. As ordens e religiões, mesmo que muitas vezes estejam falando a mesma coisa, falam línguas diferentes; esse é o mito da separação na Torre de Babel, em que as pessoas deixam de se entender, não por divergência de pensamentos, mas de vocabulário.

Aqui cabe lembrar um assunto já tratado nessa coluna, que é o símbolo. Um símbolo é um signo que possui algum significado em comum para um grupo. Mesmo que nossas interpretações sejam diferentes a respeito dos símbolos, a comunicação, diferente do que afirma Lacan, não é impossível. Nesse momento, apesar de existirem algumas dificuldades, estamos nos comunicando, não? A comunicação acontece quando existe uma interseção entre o conjunto de interpretações que tenho de um signo e o conjunto de quem me vê utilizando-o (pelo menos é o que meu eu matemático pensou em uma aula de semiótica). Se há uma interseção, esse signo é capaz de nos unir, então se torna um “símbolo” mútuo.

Então pergunto “É possível controlar a forma com que meu inconsciente irá interpretar um signo?” A resposta é sim! E é dentro desse contexto que colocamos o Mago como a pessoa que é capaz de dominar os símbolos, não só no sentido de construir “frases” gramaticalmente corretas (o grimório), como também de ressignificar o que cada imagem ativa em seu subconsciente.

Na verdade, esse é o grande trabalho inicial de uma ordem iniciática; as iniciações são rituais psicodramáticos capazes de, através das emoções, ensinar ao iniciante como o grupo interpreta os signos. Assim, o iniciante aprende a falar a língua da ordem e é capaz de se comunicar com seus membros, da mesma forma com que passa a entender um pouco mais do que eles dizem. Na maioria das ordens os primeiros graus são praticamente aprendizagem simbólica.

O segredo do ritual iniciático é justamente unir a emoção à imagem; lembremos que emoção vem de ‘moção’, que nada mais é do que movimento (e-motion, e-movere). Da união da imagem (Hermes) com a ação (Afrodite) surge a imaginação (Hermafrodita). O ‘magi’ da palavra ‘i-magi-nação’ é o que da origem à magia. O mago é alguém capaz de, com sua imaginação, se conectar a complexos/energias de difícil percepção ao ser humano comum, além de direcioná-las de acordo com sua vontade.

É nessa parte que a magia se separa um pouco da semiótica, pois o “objeto” que a magia quer representar é “oculto” aos olhos do não iniciado. Poucos conseguem ver essas energias sem que outra pessoa aponte para elas; aqueles que conseguem normalmente se tornam místicos ou esquizotéricos… apesar de conseguirem movimentá-las, dificilmente conseguem explicar o que estão fazendo para o outro (têm Afrodite mas não têm Hermes, têm ação mas não têm imagem). Da mesma forma há o oposto, aqueles que ficam conhecidos como magos de sofá ou diletantes teóricos.

Por esse motivo, os magos, na intenção de conseguirem comunicar aos outros aquilo que perceberam, começam a criar os sistemas de magia, que são os alfabetos/léxicos que certos grupos irão utilizar quando forem agir em conjunto/egrégora. Mas notem, se já é difícil existir consenso ao tentarmos dar nomes a objetos físicos, imagina a objetos extremamente sutis como uma emoção?

É por isso que há taaaanta divergência nas diferentes linhas de Umbanda. Algumas linhas tiveram, em sua fundação, muitos membros negros, noutras muitos membros baianos, noutras muitos índios, noutras europeus/bruxos, noutras juremeiros, noutras nordestinos e por aí vai. É muita divergência e não há quase nenhum tipo de linearidade entre os sacerdotes das diferentes linhas. A Umbanda, em sua grande diversidade cultural, não possui homogeneidade… e acredito que nem é esse o intuito, mas sim existir um ambiente em que possa se conviver com o diferente enquanto há respeito.

‘Então, qual sistema eu deveria utilizar?’

É uma questão bem simples: aquele no qual você recebeu seus rituais de iniciação. A não ser que você já tenha domínio suficiente para ressignificar o seu inconsciente sozinho. Quando uma pessoa iniciada em um sistema participa do ritual de outro, acontece o que os pais de santo chamam de ‘cruzar egrégoras’, que seria algo semelhante a você ir ao Japão sem saber falar japonês. É até possível que se consiga algo, mas é bem difícil fazer qualquer coisa. Se você não está satisfeito com o sistema do terreiro em que participa, saia e vá para outro em que acha que irá concordar… ou funde o seu próprio (e aí verá como é difícil organizar um sistema mágico).

A Umbanda Sagrada possui ritual e sistema simbólico bem diferente da maioria das outras Umbandas. Se você tentar interpretar a palavra ‘Orixá’ no ritual da U.S. da mesma forma como aparece no Candomblé ou no sistema do Matta e Silva, você está cometendo um erro de referência. Se eu ganhasse 1 real para cada vez que alguém brigou com o Rubens porque no Código da Umbanda Omolu não é Obaluayê, eu estaria muito rico. Entendam: se você quiser estudar o sistema mágico da U.S., esqueça o que aprendeu sobre Orixás em outras linhas; não digo que um é certo e o outro errado, digo que são simplesmente diferentes.

A Gênese do Planeta Terra

A descrição da criação do planeta terra é o que fundamenta o sistema mágico da Umbanda Sagrada. Para os magos não faz diferença se é algo que realmente ocorreu ou se é apenas uma metáfora, o que importa são os resultados.

De acordo com essa história, o planeta terra começou a surgir de um aglomerado caótico de matéria e energia, que era inabitável. Na segunda etapa assentou-se o que foi chamado de “Trono das Sete Encruzilhadas”, que é um princípio congregador de energia que começou a atrair 7 vibrações básicas de energia. Assim, ao redor desse trono formou-se um eixo magnético que atraiu energias dentro desses 7 tipos básicos, formando o planeta como uma combinação dessas energias. Para ilustrar, imagine que você tivesse um jogo de lego com muitas pecinhas, mas com apenas 7 tipos diferentes… tudo que você construísse seria uma combinação dessas 7 peças diferentes, não?

Assim, o eixo magnético alcançou uma certa estabilidade, tornando-se habitável e recebendo diferentes formas de vida. A grande questão é que se tudo tem a mesma essência, os diferentes objetos e seres que vivem no planeta conseguem interagir através dos princípios da atração e da repulsão. Eis que caímos na base de qualquer sistema de magia, tudo é movimentado através de atração e repulsão.

Para organizar as energias na terra, existem 7 tronos, cada um ligado a uma das 7 vibrações básicas da cosmogênese. Por trono entenda uma cadeira em que alguém senta para comandar. São eles os tronos:

– Cristalino
– Mineral
– Vegetal
– Ígneo
– Eólico
– Telúrico
– Aquático

Lembram-se do texto em que falei dos 7 sentidos da vida? Aqui podemos entender que cada sentido é uma necessidade íntima da pessoa de se ligar e se relacionar com algum desses tronos. Esses tronos são responsáveis pela emanação dos 7 tipos básicos de energia que dão a vida (vitalidade) na terra. São os mesmos 7 planetas herméticos, as 7 sepphirot de Ruach, as 7 notas musicais, as 7 cores do arco íris e todos aqueles outros setes que encontramos em várias ordens e religiões por aí.

Em cada trono há um ser que rege a atração e outro que rege a repulsão de sua energia. Por questões de vocabulário, utilizou-se os nomes dos Orixás para representar esses seres regentes, uma vez que esses nomes são do conhecimento de muitos que frequentam os terreiros de Umbanda. Porém, volto a lembrar: há diferenças entre os nomes utilizados e os Orixás das lendas africanas. Vamos a um esquema para entendermos melhor essa organização:

Assim, para cada trono há um Orixá que rege a atração/expansão (+) e um Orixá que rege a repulsão/concentração (-). Nos levando a um novo esquema:



Mas o que cada um desses nomes significa? Vou passar apenas um resumo, se quiser se aprofundar melhor sugiro o livro “Manual Doutrinário Ritualístico E Comportamental Umbandista” da Lurdes de Campos Vieira e o livro “Arquétipos de Umbanda” do Rubens Saraceni. Colocarei também o nome da Sephirah, o nome do planeta alquímico, a qualidade do Omer, a virtude alquímica e o princípio hermético respectivo de cada par. Alguns não acharão tão óbvias, da mesma forma que alguns não concordarão com as correlações por pensarem nos Orixás baseando-se em outros sistemas que não o da U.S. A descrição dos Orixás é exatamente o que está nos livros do Rubens, leia a descrição antes de tentar entender a correlação.

Trono da Fé (Tipheret/Sol/Compaixão/Magnanimidade/Mentalismo)

+ Oxalá: Magnetizador e Congregador
Sustentar o magnetismo pessoal dos seres e congregá-los ou reuni-los por meio do sentido da Fé e direcioná-los para Olorum.
– Oyá/Logunan: Temporizador e Condutor
Estabelecer os ciclos de cada ser e conduzi-lo para Olorum.

Trono do Amor (Netzach/Vênus/Tolerância/Temperança/Gênero)

+ Oxum: Agregador e Concebedor
Agregar as partes de um todo e conceber novos sentimentos.
– Oxumarê: Diluidor e Renovador
Diluir o que perdeu suas funções e renovar os sentimentos e expectativas.

Trono do Conhecimento (Chesed/Júpiter/Bondade/Caridade/Correspondência)

+ Oxóssi: Expansor e Raciocinador
Expandir as faculdades mentais e a capacidade de raciocinar para solucionar dificuldades.
– Obá: Concentrador e Fixador
Concentrar o ser em um objetivo e fixá-lo numa linha de evolução.

Trono da Justiça (Binah/Saturno/Nobreza/Castidade/Causa e efeito)

+ Xangô: Graduador e Equilibrador
Graduar o magnetismo mental e equilibrar entre si as faculdades de um ser.
– Egunitá: Energizador e Purificador
Energizar as faculdades de um ser e reequilibrar as que entram em desequilíbrio.

Trono da Lei (Geburah/Marte/Disciplina/Diligência/Vibração)

+ Ogum: Ordenador e Potencializador
Ordenar os procedimentos dos seres e potencializar ou dar força àqueles que são corretos.
– Iansã: Movimentador e Direcionador
Dar movimento ao ser e direcioná-lo em sua evolução.

Trono da Evolução (Hod/Mercúrio/Humildade/Paciência/Polaridade)

+ Obaluayê: Transmutador e Decantador
Transmutar os sentimentos íntimos e decantar os sentimentos que estão paralisando a evolução do ser.
– Nanã: Decantador e Racionalizador
Decantar a reatividade emocional dos seres e desenvolver a razão neles.

Trono da Geração (Yesod/Lua/Vínculo/Humildade/Ritmo)

+ Yemanjá: Gerador e Mobilizador
Gerar sentimentos positivos no íntimo do ser e lhe dar mobilidade para se afastar daquilo que o está paralisando.
– Omolu: Paralisador e Estabilizador
Paralisar a vida do ser que está regredindo consciencialmente e estabilizá-lo num ponto que possa retomar a evolução.

Com esses nomes temos a base do sistema de magia da Umbanda Sagrada (não confundir com magia divina, que é uma especificação da magia da religião voltada para a iniciação dos encarnados). ‘Vamos supor que eu queira criar um espaço em que eu atraia seres/energias que são ligadas ao sentido da vida da Geração, pessoas muito criativas, o que eu faço?’ Basta colocar ao centro do espaço mágico algum elemento que esteja ligado a Yemanjá, que a essência do espaço criado será a de atrair pessoas/energias que se guiam pelo sentido da Geração. ‘E o contrário? Se eu quiser repelir essas pessoas e seres?’, é aí que entra o oposto, então crio um espaço mágico cuja energia essencial é Omolu.

‘Colorado, estou precisando de paciência e força para estudar os livros imensos e massantes do Vô Rubens, o que eu faço?’ Aqui entra o entrecruzamento de energias, você vai criar um espaço mágico com a força de Obaluayê para buscar a paciência, mas também com a força de Ogum para buscar a disciplina e o foco.

Trabalhar com uma energia pura é bem simples, mas quando começa-se a entrecruzar nem tanto. Há energias que não combinam tão bem umas com as outras, que são difíceis de serem harmonizadas/neutralizadas. Aqui começariam a entrar as questões de geometria divina e da ciência dos pontos riscados, mas o post ficaria extenso por demais. Se quiserem começar a entender, vejam a estrela de seis pontas que postei como um prato a ser equilibrado; se você aperta de um lado levanta o outro, se você puxa de um lado abaixa o outro.

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