VAMPIROS (Parte 4)





Intacto e puro na morte

Ritos, fumaradas, incensos, aspersões, manipulações mágicas, sempre acabam por fazer os seus adeptos mesmo em pleno século XX como o provam numerosos casos de possessão, feitiçaria e outras sombrias histórias que alimentam a vida quotidiana.
Os vampiros ainda mantêm as missas vermelhas, em tecnicolor, nos ecrãs de cinema, e vêem-se atores como o romeno Bella Lugose identificar-se com o conde Drácula e desequilibrar-se na extravagância.

Lugosi foi o primeiro grande ator do cinema americano a encarnar Drácula no ecrã.
Pode dizer-se que o veneno do vampirismo correu pelas suas veias, inundou o cérebro até lhe criar a terrível obsessão. Ele já não era Bella Lugosi, mas Drácula, e para reforçar esta suspeita saiba-se que se vestia de capa preta forrada a encarnado, comprou um caixão acolchoado no qual se deitava e dormia todas as noites.

Lugosi era também viciado em heroína, para acalmar angústias e evitar os terríveis pesadelos que tinha.
Morreu louco, com o cérebro minado pela demência. Christopher Lee, que igualmente encarnou o conde Drácula num trabalho para a sociedade Hammer Films, confidenciou que o papel põe à prova, aflige, e que é necessário um grande equilíbrio interior para não acontecer usurpação da pessoa que representa, pelo conde Drácula.
Já não estamos nos mosteiros de Athos, protegidos por cortinas de incenso ou barreiras de orações, mas na vida do dia a dia, vulneráveis no meio de uma esquizofrênica sociedade, despojados de crença, presos às nossas obsessões, arpoados pelas nossas angústias, tendo como única fuga o sonho ou o tubo de soporíferos.
Os feiticeiros das antigas civilizações sabiam que o sangue e a luxúria se associam para manipular a alma humana.
O sexo e a morte, os impulsos devoradores, a necessidade de morder, de devorar, no amor, são apenas fantasias, mas para um cérebro fraco poderá acontecer que esses monstros tomem forma e comecem realmente a viver dentro dele.
Jean Boullet na revista Medicina, Arte e Saber, de Abril de 1960, cita o exemplo de um porto-riquenho de 16 anos que, procurado pelos seus crimes, quando a polícia de Nova Iorque o prendeu, disse: «Eu sou o conde Drácula, diverte-me a idéia da vossa cadeira elétrica porque sou imortal e unicamente vos peço que me considerem o rei dos Vampiros.»
O aspecto do jovem assassino chegou para surpreender os agentes da polícia. Capa preta forrada de cetim encarnado, sapatos com fivela de prata, peitilho rendilhado, anel largo e achatado representando uma caveira, bengala de castão...
A zona de ressonância do conde Drácula espalhou-se para além das montanhas da Transilvânia com a ajuda extremamente ardilosa do cinema e da literatura.
«E tudo isto», escreverá Bram Stoker, «foi feito por ele sozinho, a partir de um túmulo em ruínas num qualquer lugar, numa região esquecida.»
Drácula, o homem vestido de preto. O vampiro veste-se sempre com as cores da noite. O preto é para ele a ausência da cor, a ausência de vida, a impenetrabilidade fascinante para além da qual a morte pode ser vencida.
Certas lendas populares européias falam de um estranho visitante estrangeiro, vestido de preto, cuja aparição traz sempre consigo a morte ou a doença. Muitas vezes, crianças e adolescentes foram surpreendidos de noite, nas cercanias de suas casas. Stiker descreve o rei dos vampiros no seu Drácula. «Diante de mim estava um homem grande e velho, com um grande bigode branco num rosto que parecia acabado de barbear, vestido de preto da cabeça aos pés, sem o mais pequeno sinal de cor onde quer que fosse...
Não estamos já na Europa do século XV, e os feiticeiros da Idade Média estão há muito reduzidos a pó e a cinzas. No entanto as aparições do Homme en Noir continuam. Os fantasmas e as superstições conferem-lhe sempre poderes diabólicos. Aparições reais ou reais poderes?
Ninguém o sabe. Apesar do avanço científico, há ainda regiões do universo e da alma humana que continuam obscuras e impenetráveis.
Uma das mais recentes aparições remonta ao dia 20 de Fevereiro de 1968. Ela teve como testemunha e vítima Rosinha Aguardiente, uma adolescente de 17 anos. Foi a 20 de Fevereiro quando Rosita entrou num autocarro que logo a seu lado se sentou um homem de alta estatura, vertido de preto. «Eu notei», disse ela, «que ele tinha uma cor esverdeada e os olhos ligeira- mente rasgados. Sem saber porquê, senti medo, algo sinistro emanava dele. Desci, desceu atrás de mim. Quando cheguei ao campo senti uma enorme confusão na minha cabeça e perdi o conhecimento de repente. Quando acordei, estava num descampado com o vestido em desalinho. Ao dar os meus primeiros passos, tropecei numa pequena caixa que apanhei e meti no meu saco de mão.» Rosita Aguardiente relatou o caso à polícia, que o definiu como uma tentativa de violação.
Mas dias depois a jovem rapariga levada pela curiosidade provocou que o assunto voltasse de novo à baila, pois abriu a caixa que encontrara quando voltar a si naquele dia...
A caixa era toda ela hieróglifos! Assim que levantou a tampa, uma luz como que elétrica escapou intensa. A rapariga assustou-se e apressou-se a fechar a caixa.

O homem vestido de negro intervinha sob vários aspectos. A 20 de Julho de 1967, o France Soir et L’, Republicain relataram os seguintes casos:
Em Arc-Sous Ciçon, quatro criaturas vestidas de preto e com mais ou menos um metro de altura movendo-se rapidamente, meteram-se num silvado deixando amedrontadas algumas crianças que por ali andavam. Tinham uma cor de pele escura, os olhos enormes e falavam entre si um dialeto estranho e melodioso.
Os cemitérios das grandes cidades são evidentemente locais predestinados ao vampirismo contemporâneo.
Highgate, ao norte de Londres, et le Pére Lachaise em Paris, são hoje teatros de estranhas e fúnebres peças. Assim que cai a noite... levanta-se o pano. As personagens aparecem pelas bermas, tornam-se príncipes das trevas no espaço de uma noite, oficiando sobre os túmulos, evocando as divindades do vampirismo. Já não se trata de vivos que vêm ver os seus mortos. Uns e outros, numa curiosa comunhão, representam os seus papéis e, através de danças macabras bem esquematizadas, o mundo dos vivos e dos mortos interpenetra-se. Surge uma outra dimensão.
Ao nascer da aurora, os mortos recolhem às suas moradas secretas, enquanto os vivos, extenuados e olheirentos, saem do mortuário recinto passando perante os guardas surpreendidos e amedrontados!
Não é raro descobrir em Pere Lachaise o túmulo de um adepto do vampirismo. É muitas vezes à volta este que se agrupam e fazem cerimônias secretas. Citemos, por exemplo, o túmulo de Madame Berte Courrieres, aliás Madame Chantelouve, inspiradora do escritor Huysmans e discípula do satânico Abbé Boulan, bem conhecido dos ocultistas do século passado. A laje do seu túmulo – não longe da de Chopin, álea Denon – está freqüentemente coberta de cadáveres de animais, como pássaros e ratos de que se serviram para misteriosas práticas.
As áleas do Pere-Lachaise parecem-se com as avenidas silenciosas de uma cidade barroca, rodeada de passeios, tendo de um lado e de outro pitorescas fachadas de monumentos funerários. Mas há sítios a que essas áleas retilíneas não chegam; os lugares dissimulados pelas sombras dos sicomôros e das tílias onde as sepulturas tomam um ar de antigos navios encalhados, de fundo cinzento e fendido sob o mistério de todos aqueles arbustos. Nenhuma daquelas áleas nos leva diretamente a tais lugares quase impenetráveis. É necessário errar ao acaso pelos túmulos, descer, subir, escalar por vezes em vão pelo meio de toda aquela vegetação.
O cemitério é uma cidade ciclopeana. Cada mausoléu esconde-se numa sombra. As ruas sucedem-se às ruas, os túmulos aos túmulos, as áleas têm nomes estranhos: caminho do dragão, álea Errazu, avenida Feuillant...
Em certos cemitérios, à noite, todo um mundo de presença... pedaços de ossos fumegam no incenso, libertando um cheiro pavoroso. Na cripta saturada de incenso, os partidários do vampirismo erguem os punhais e os pentáculos:
«Senhor! Tu que desejas o sangue e trazes o medo aos mortais, recebe de novo este sangue que representa vida.» Durante vários segundos o celebrante transpõe milênios, vive com intensidade a sombria lenda, sobre a pedra dum túmulo, em qualquer cripta abandonada. E assim se passa até ao nascer do Sol.
«O nascer do Sol», escreve Ribadeau Dumas1[25], «afugenta as más influências da noite. Em certas terras, o galo representa a vigilância guerreira, ele vigia o horizonte, e alerta também!
»Símbolo cristão como a águia e cordeiro, ele anuncia luz e ressurreição. Drácula empalidece quando o ouve, e foge... antes que seja tarde! A noite favorece o vampiro. Ela gera nas suas trevas o sono e a morte.»


Os sortilégios de Neaufles

Gilles de Rais, adepto do diabo, autor de várias centenas de crimes nas caves do seu castelo de Tiffauges não é o único a competir com a figura aterradora de Drácula.
Na França dos primeiros séculos da era cristã desfilaram hordas guerreiras de um príncipe cruel, que as crenças populares depressa transformaram em vampiro.
A história de Viridomar – chefe guerreiro de uma tribo germânica – cruza-se com a epopéia dos templários de Gisors para desembocar na misteriosa torre Heaufles, que domina o cemitério de Nucourt. Este perímetro fúnebre conserva ainda a marca ensangüentada de Viridomar e da sua «rainha branca» cujo fantasma ainda paira – diz-se – pela torre de Neaufles e pelo cemitério de Nucurt.
E partindo de esboços históricos vai crescendo a lenda, no meio de túmulos e violências...
Um grupo de cavaleiros galopa pelo caminho escuro que vai dar a Gisors. À frente vem um homem, cuja presença aterroriza as legiões de César amontoadas na planície de Vaxin, perto de Nucout. «Um autêntico demônio» exclamam os lugar-tenentes do proconsul...Um deus Odin...»
Este personagem infernal galopa de dia e de noite ao lado de Vercingétorix «o Grande Rei das cem batalhas». Seu nome é Virodomar, vem diretamente da Germânia comandando uma horda de guerreiros pertencentes a causa do chefe alvernio. Mas Viridomar não tem o espírito nacional dos Celtas. Ele combate por si próprio, para cumprir no dia a dia esta «liturgia» da guerra à qual se consagrou.
As legiões romanas afirmam ter visto um «demônio sanguinário», um «portador da morte» fazendo-se acompanhar da sua «matilha» diabólica. Têm razão os sobreviventes do massacre quando dizem que o aliado de Vercingétorix, vive a guerra como um ritual sangrento e permanente.
Os druidas satisfazem-se com o benzer das armas dos guerreiros celtas antes do combate. Viridomar acha que o ritual druida não é suficiente vigoroso para se tornar eficaz. Ele não compreende que os deuses gauleses possam proteger o homem que não ofereça sacrifícios que envolvam sangue.
Antes do ataque, ordena que as lâminas sejam encharcadas no sangue das vítimas oferecida aos deuses. Afirma ainda que a energia vital passa assim do corpo mutilado para a lâmina, tornando-a «viva»...
A frente da sua cavalaria, Viridomar faz lembrar as antigas lendas germânicas, sempre recordadas por todos com pavor, como a Caça Selvagem.
Conta-se que uma noite de Inverno um oficial romano que voltava para o acampamento sentiu um exército que se aproximava. Julgando tratar-se de uma carga de cavalaria gaulesa, procurou esconder-se atrás do arvoredo, mas um «homem de enorme estatura, armado de uma moca, obrigou-o a permanecer junto dele. Passaram então soldados de Infantaria carregados de tudo o que haviam pilhado, seguindo-se mais carregamentos de cinqüenta caixões e por fim um grupo de ‘gatos pingados’ aos quais o gigante se juntou; depois também desfilaram a cavalo. Mulheres que, blasfemando, confessavam os seus crimes; um grande exército de cavaleiros vestidos de negro, com insígnias da mesma cor, montados em enormes cavalos, prontos a combater...»
Era um cortejo saído do nada com o estrondo de uma tempestade... Viridomar, à frente da sua horda de cavaleiros, voltava a fazer reviver a «caça infernal» de que todas as lendas falam!
Estamos nas planícies de Vexin. Justamente onde passaram os cavaleiros argonautas para partirem à conquista do Toison d’or2[28] situado pela mitologia para lá dos Cárpatos, na Transilvânia. Os camponeses comentam que naqueles campos os rochedos, os menires, os dólmenes, como que sonhando, voltam-se sobre si mesmos durante o solstício de Inverno, e as pedras côncavas são habitadas pelo homem sem cabeça, o Blaiseau l’ Ardent (homem que se foi mantendo nas velhas histórias da antiguidade. «O homem sem cabeça aparece nos cemitérios sobre a forma de fogo-fátuo», dizem os velhos camponeses ao serão, antes de apagar a candeia!
No terrível séqüito do rei Viridomar destaca-se uma ágil e loira mulher do comandante, detentora de segredos, portadora de magia.
As lendas de Vexin falam de uma «rainha branca» que aparecia perto do cemitério de Nucourt, nas ruínas da torre de Neaufles.
No século XV, pelos mesmos sítios, uma outra «rainha branca» tornava-se presente no espírito dos habitantes de Gisor. Para aqueles que tentavam decifrar o mistério, tratava-se de uma mulher fantasma, imortal, errante através dos séculos e entre escoltas de homens e mulheres vampiros.
A Rainha Branca tinha um amante (segundo a história). Surgiu deste amor uma filha que não agüentava a luz do dia. Mantiveram-na recolhida num subterrâneo que ligava Gisors à torre de Neaufles, até ao dia da sua morte. O rei ao tomar conhecimento de tal infortúnio, mandou prender o seu rival na torre do castelo de Gisors, chamada tempo depois a «torre do prisioneiro». Ferido tempos depois ao tentar evadir-se, acabou por morrer nos braços da sua amada que o mandou sepultar no tão famoso subterrâneo (mandado fazer por Viridomar em tempos passados) ao pé da filha, produto dos seus amores.
É neste local que as lendas apontam como existindo um verdadeiro tesouro!
Tal como acontece com Drácula, também Viridomar e a sua dama foram considerados vampiros depois das suas mortes ocorridas nas ruínas da torre de Neaufles.
No século XV a Rainha Branca e o seu cavaleiro e amante vivem a mesma maldição. «Conheço o chão onde dorme a Rainha Branca, pisei-o com os meus próprios pés, escavei com as minhas mãos o negro pó, procurando nos restos da estrela outrora iluminada a recordação de antigos esplendores!», terá dito algures um poeta.
O amante da Rainha Branca, chamava-se Wolfang Polham, e era o homem de confiança de Maria de Bourgonha, filha de Carlos V, e fez parte da ordem militar Tosão de Oiro, instituída em 1429 pelo duque de Borgonha cujo fim era restabelecer os laços desfeitos, após o aparecimento dos templários, entre o Oriente e o Ocidente.
O caminho de Vexin era a pista deixada pelos argonautas quando perseguiam o tosão de ouro e procuravam o «Vale dos imortais» situado na Transilvânia, reino dos príncipes vampiros.
Wolfang Polham instituiu o Carneiro como centro místico da Ordem. O sangrento sacrifício do animal tornou-se rito central do chamado «banquete encarnado».
«No dia em que esta Ordem se instituiu, em Bruges, repartiram pelos convivas um carneiro vivo cujos chifres foram pintados de dourado e todo o resto do corpo de azul.
»Esta ordem, misteriosamente desaparecida, era constituída por vinte e dois capítulos.
»O subterrâneo que serve de sepultura a este cavaleiro, assim como à Rainha Branca, tem além de ligação com o castelo Gisors uma outra com o cemitério de Nucourt.» (D. Réju.)
O tesouro de Neaufles é um acumulado de pedras preciosas e ouro, para alguns produto de pilhagens de Viridomar. Para outros, influenciados pela cabala simbólica, «essas riquezas são mais alegóricas que materiais». Até mesmo o segredo do Fogo que os deuses enterraram no solo de Vexin... Vexin que foi batizada com o nome Pagus Vulcasinus na Idade Média, e que quer dizer «o país do fogo secreto».
Há dois séculos «um habitante de Gisors chamado Francisco teria tentado encontrar o tesouro. Metendo-se pelo subterrâneo, ao contornar uma parede esquinada vislumbrou um clarão encarniçado, que a cada passo dado mais intenso se tornava e mais se assemelhava a um incêndio refletido na umidade das paredes. Por entre um gradeamento levado ao rubro pelo infernal calor que se sentia, ele pôde observar jóias, pérolas, montes de pedras preciosas e diamantes, contidos em enormes cofres encarnados. Mas essas rutilantes riquezas jaziam num permanente braseiro. Uma multidão de diabos cor de púrpura, verdes, viscosos, armados de lanças e tridentes de um metal reluzente, eram os carrancudos guardas destes incandescentes tesouros...», escreve Jean Jacques Dubos em A lenda de Gisors.

De manhã, os camponeses de Neaufles deram com um corpo estendido num silvado, perto das ruínas da Torre. Aproximaram-se. O homem apresentava uma palidez extrema. Não tinha uma gota de sangue e apresentava ferimentos estranhos como que provocados por garfos extremamente aquecidos, digamos que «levados ao branco»... Um caso de vampirismo, segundo a opinião da população local.
A poucos passos da torre de NeaufIes surge o cemitério de Nucourt que está ligado àquela através de um corredor subterrâneo. Os túmulos típicos de aldeia, pesados, de alinhamento monótono, nada de secreto sugerem. O que inspira terror está noutro sítio... justamente na falsa tranqüilidade que vos convidará a entrar.
Ao meio do cemitério, destaca-se a maciça silhueta de uma capela. Na parte de trás surgem três túmulos diferentes dos demais, em pedra escura. Eles guardam os restos mortais dos grandes senhores de Neaufies – que aliás já foram referidos nas páginas de La France Secrète3[29], «o que prova não serem desconhecidos por todos». Outros episódios inexplicáveis se desenrolam à volta da pequena Vexin, inundada de mistério. Por exemplo este, um tanto arrepiante e que acontece em Nucourt.
Quem visitar o cemitério local, se se aproximar da capela aí construída descobrirá surpreendido que existem várias sepulturas abertas e sem caixão. Mais admirado ficará ao verificar que todas elas têm a marca de uma cruz que faz lembrar a dos Templário...
Com efeito, as três pedras tumulares estão fendidas a meio, como se o machado de um terrível deus tivesse agredido o granito.
Através da abertura, vislumbra-se no fundo da sepultura restos de plumas de animais sacrificados Reza a lenda que os espectros de Viridomar e da sua dama encarnaram na Rainha Branca e no seu cavaleiro Wolfang Polham, freqüentando depois a torre de Neaufles e o cemitério de Nucourt.
A caça selvagem – que tanto horrorizava os viajantes da Idade Média – rompe pelas aldeias. Ela surge à hora em que o sono desce sobre as choupanas, tal como uma enorme pálpebra, e paralisa totalmente a natureza.
O homem imobiliza-se diante do mudo ecrã da televisão enquanto nas quintas os cães vão despertando. Eles bem sentem que a morte acompanha sempre a noite...
A loucura e o sangue ainda permanecem na memória dos homens.


Os vampiros de Londres

Highgate, ao norte de Londres, é um dos mais surpreendentes cemitérios da época vitoriana, com túmulos barrocos, colombário, pórticos egípcios, álea a perder de vista, os caixões pousados mesmo no solo dos jazigos subterrâneos. Um cenário digno dos filmes de terror da Hammer, lá no alto de uma das colinas Londres.
Em Highgate, as histórias de «não mortos» e de profanação de sepulturas fazem quase parte da tradição. Um dos profanadores mais conhecidos – amigo de Bram Stoker – é o pintor e poeta Gabriel Rossetti que (sem dúvida profundamente marcado pela morte de sua jovem mulher) acaba por se envolver sem o desejar em sortilégios de Highgate.
Lizzie Rossetti morreu em 1862, após uma overdose de láudano. Foi enterrada num dos jazigos subterâneos de Highgate, mas, por mais estranho que nos pareça, Gabriel Rossetti recusou acreditar na sua morte.
Certas pessoas pensam que Stoker o tivesse influenciado, uma vez que este era um profundo conhecedor da vida noturna em Highgate, como veremos adiante.
Uma noite Rossetti saltou o muro do cemitério, do lado que dá para o lado de Swaine Lane, e arrombou o caixão da sua mulher. Como que dormindo, ali estava havia sete anos, intacta, espantosamente conservada com o parecer daqueles a quem ainda o sangue circula nas veias. Os louros cabelos, iluminados pela tocha de Rossetti, ficaram luminosos a tal ponto que esse corpo parecia ter estado a receber vida através de uma via secreta com acesso ao caixão.
Highgate, a verdadeira cidade-vampiro durante dois séculos! É esta a opinião que hoje tem Sean Manchester, o mágico inglês sempre na pegada dos vampiros. Manchester trabalhou durante os anos 70 para a sociedade funerária inglesa A. E. Bragg, na Mackenzie Road. As investigações que fez, levaram-no à seguinte conclusão: No século XVIlI foi sepultado um «vampiro» em Highgate.
Jean Claude Asfour, que também investiga sobre vampiros de Highgate, na época em que este assunto tomou primeira página dos jornais londrinos, diz-nos: «No século XVIII, um caixão vindo da Turquia e trazendo no seu interior um vampiro teria sido colocado no cemitério de Highgate, desde então tornado o centro do vampirismo na Europa.»
Presentemente, seitas satânicas tentaram já, através dos rituais próprios, restituir à vida o «rei vampiro». Na opinião de outros, este misterioso caixão seria aquele a que se refere Bram Stoker, no seu livro Drácula, que desde então se tornou um romance verdadeiramente real. Contudo, no século XVIII, a censura religiosa não permitia que se falasse impunemente de histórias de vampiros.
Pode ler-se, no Drácula de Bram Stoker, acerca de «O horror de Hampstead: Acabamos de ser informados que outra criança desaparecida ontem à noite só voltou a aparecer esta manhã já um tanto tarde, numa junqueira de Shooter’s Hill, na parte mais isolada da charneca de Hampstead. O miúdo apareceu com as mesmas feridas das primeiras vítimas. Quando descoberto, o seu estado de fraqueza assim como a palidez era enorme. Logo que recuperou os sentidos, explicou ter sido arrastado pela ‘Dama de Sangue’». Bram Stoker, que afirmava ter encontrado vampyrs personnalities em Londres, no decorrer dos anos 1880, conhecia toda esta raça de «não mortos» como aliás fica provado através das suas descrições.
Também, e mais uma vez, não é por acaso que ele faz deslocar as mulheres-vampiro a Hampstead, e que instala o conde Drácula em Carfax, numa velha casa do norte de Londres, muito perto de Hampstead Hill, e coloca o cemitério onde repousa Lucie Westenra, vítima do príncipe dos vampiros, sobre esta mesma colina de Hampstaed. Jonathan Harker – o herói do livro – transporá clandestinamente o muro da cidade dos mortos e trespassará o coração dos adeptos do culto da noite.
Não existe nenhum cemitério em Hampstead. O mais próximo é em Highgate. Por muito estranho que possa parecer, nada mudou desde o século obscuro de Bram Stoker e das práticas mágicas de Golden Dawn.
Entre os muros do cemitério de Highgate habitará um Poder monstruoso que terrificou Stoker e que serviu de ponto de partida para a sua narração terrível. Desde há quase dois séculos que os habitantes da aldeia de Highgate vivem na obsessão do «vampiro» que ronda a parte norte do cemitério, perto do portal de Swaine Lane.
As últimas aparições ter-se-iam dado em Outubro de 1970. Várias pessoas dignas de crédito afirmam ter visto um vulto escuro e cuja altura andaria pelos sete pés (mais ou menos dois metros) pairando por entre túmulos. Uma noite, certa mulher entrou precipitadamente no posto da polícia de Highgate, com os olhos desvairados e muito perturbada.
Contou, titubeando, que se cruzara com a entidade monstruosa, descrevendo o olhar que a fulminou através do gradeamento do cemitério: «Uma forma escura com dois olhos que pareciam queimar.», terá ela dito.
Organizaram-se patrulhas de polícia à luz de projetores. Para a gente da beira-rio, foi «a grande noite de Highgate». Mas o cemitério nada revelou do seu mistério; homens e cães encontraram apenas veredas de emaranhada vegetação, túmulos silenciosos como se fosse um cenário de uma peça trágica, esvaziado repentinamente dos seus atores.
São muitos os testemunhos que atestam a existência de um «vampiro» em Highgate. Continuaram a acontecer de há um século a esta parte, embora com pequenos intervalos de silêncio, o que de certo modo ainda concede mais força ao poder do invisível noturno.
Um outro feiticeiro inglês, David Farrant, presidente da famosa British Psychic and Occult Societh, galgando a norte o muro do cemitério para fazer a invocação do vampiro teve de apresentar-se ao Supremo Tribunal de Londres. Foi algemado e condenado a cinco anos de prisão.


A invocação do vampiro


A maior percentagem de testemunhos sobre a aparição em Highgate surgiram na imprensa inglesa:


Noites houve, quando voltava a casa pelas entradas de Highgate, em que vi três vezes um fantasma atrás do gradeamento de Swaine Lane. A primeira vez foi na noite de Natal, um rosto de cor parda durante o espaço de alguns segundos. A segunda vez aconteceu uma semana depois e foi muito rápido. Na semana passada, a aparição deu-se exatamente atrás das grades, e foi suficientemente demorada para que eu conseguisse observá-la claramente não vendo outra explicação que não seja de caráter sobrenatural.


Highgate and Hampstead Express, 6 de Fevereiro de 1970


Uma noite, há mais ou menos um ano, detectamos uma coisa estranha que parecia deslizar por entre o atalho. Ainda a ouvimos por mais um instante, mas não voltou a aparecer. Ainda bem que havia mais alguém comigo e que provei a mim mesma não ser produto da minha imaginação.
Miss Andrey Connelly
H and H Express, 13 de Fevereiro de 1970
Em Julho do ano passado, ao voltar para casa pelas 10 horas, parei de repente ao ver algo que, sem fazer barulho, se dirigia a mim. Desatei a correr e, quando olhei para trás, já a aparição se fora...
Daniel Osborne
H and H Express, 6 de Março de 1970


Já em 1968, o Evening Standard relatava no dia 1 de Janeiro alguns factos, pelo menos estranhos:
Túmulos violados, caixões descobertos e arrombados, cruzes partidas, parecia ter ali havido à meia-noite uma reunião de feiticeiros, tal era a aparência que de manhã o cemitério de Londres apresentava (Highgate). O conservador, que acumula com o cargo de vigário, declarou-nos: «Nunca vi nada igual. Não é vandalismo grosseiro. Tudo foi feito com imenso cuidado e segundo algum ritual diabólico. Estou em crer que se assistiu aqui a uma cerimônia de magia negra, o que também já não é a primeira vez.»
Um ano antes, duas alunas de liceu, com 17 anos de idade, tinham vivido uma estranha experiência, cujo relato foi feito pelo jornalista J. C. Asfour, que investigou o caso Highgate:
«À noite, ao voltarem para casa, Elisabeth Wojdila e a amiga bárbara desciam pela encosta de Swaine Lane quando, chegadas à entrada norte do cemitério (aquela que vai dar ao Colombarum), viram vários corpos erguer-se dos túmulos. Bastante mais tarde, Elisabeth veio a ter perturbações noturnas e pesadelos. Passados dois anos começou a ter um aspecto anêmico e dizia sentir o gelo do seu quarto e a presença de alguém que a seguia. Contudo tinha medo e não conseguia voltar-se. Tinha crises freqüentes de sonambulismo que a levavam até ao cemitério de Highgate.»
É neste clima de terror, mantido pelos meios de comunicação que se desencadeou a caça ao vampiro, rapidamente levada a cabo pela polícia de Highgate.
Uma noite, em Junho de 1974, David Farrant, a companheira e alguns adeptos, galgaram os altos muros do cemitério a fim de invocarem o «vampiro».
A cerimônia teve lugar no interior de um pentagrama, traçado no chão do jazigo subterrâneo, rodeado de um círculo de proteção. Perto deste, um triângulo para receber o «astral» do vampiro. «É neste triângulo que a entidade, em nome de ‘Asmodée’, devia materializar-se», declarou Farrant, mais tarde, no tribunal da polícia... «Asmodée é um dos oito príncipes invocados no ritual de Abramelin, o mágico.»
Ergueu-se o altar na parte norte do pentagrama: recipientes de água purificada, talismãs, punhais do ritual, velas de cera, óleos purificadores e rolos de papel contendo fórmulas de invocações...
Acabadas as partes preliminares, o ritual começou pelos salmodías ao «sumo sacerdote». Pela meia-noite, deveria acontecer o essencial, isto é, a aparição do monstro!
Estas invocações, segundo Farrant, permitem criar uma via psíquica que possibilita a materialização. Por outro lado, evitam interferências de forças negativas que poderiam retardar a aparição.

Às onze horas e quarenta e cinco, Farrant colheu do peito da «sacerdotisa» algumas gotas de sangue que deitou para o cálice (onde havia água com poderes mágicos) enquanto proferia exortações especiais. Farrant começou a despir a sua companheira e com o sangue desenhou-lhe no corpo secretas marcas: primeiro na boca, depois no peito e em cada um dos orifícios do corpo. No meio do círculo traçado, estenderam-se e praticaram o ato sexual (símbolo das forças mágicas) sem deixar de visualizar a entidade invocada para evitar assim que ele se apoderasse dos seus corpos.
«Nós sentíamos a energia do monstro sobre os nossos corpos», explicava Farrant, «e foi nesse instante que ele nos apareceu.»
Será o vampiro de Highgate produto de um fantasma coletivo sabiamente mantido pelos meios de comunicação social? Se ele teve honra de primeira página durante longo tempo nos jornais ingleses era porque respondia à doentia necessidade desta zona obscura da alma, onde a morte e os desejos sexuais se agitam, fervilham, como demônios e diabos nos sabbats4[30] da Idade Média.
O medo da morte provocou sempre no homem o despertar dos seus fantasmas e espectros, dentro de si e à sua volta, ao contrário do que acontece numa religião, que por ser do amor, tudo dissipa e aclara. Signo astrológico do vampirismo, o escorpião curvando-se sobre si próprio e tentando fugir da morte acaba afinal por se entregar a ela...
No outro extremo espiritual, o escorpião sublimado torna-se águia, desenvolvendo-se, espalhando-se, quebrando a sua angústia.
Na sua lúcida e libertadora visão, Teillard de Chardin fala-nos num local de transparência, onde os espectros e os fantasmas se transformam e se transfiguram, e onde o homem, escapando às seduções mórbidas, desprende as garras e ousa enfim libertar-se de si mesmo:
«Serão salvos aqueles que tiverem a audácia de amar os outros mais que a si próprios, transferindo de dentro para fora todo o seu ser tornando-se o outro, isto é, atravessarão a morte para encontrar a vida... o princípio incorruptível do Cosmos está encontrado doravante e expandir-se-á por toda a parte. O mundo estará pleno de Absoluto.»
Este regresso ao espiritual é a resposta às obsessões do vampirismo: transformar as forças da morte em luz, como nas práticas de alquimia quando a matéria maciça e negra se purifica e se transforma em ouro.


«Protegei-nos do mal»


Nos séculos XVI e XVII apareciam nas histórias de vampiros os caçadores de prêmios, que prestavam juramento sobre a Bíblia e localizavam o túmulo do monstro, no cemitério da aldeia, a soldo de moedas de ouro ou de prata. Bastava que uma epidemia devastasse a região e logo se contavam pelos dedos os casos de túmulos suspeitos. Mas os tempos mudaram, e desde o século passado que os caçadores de vampiros procedem liturgicamente, ao combater o que eles chamam «as possessões nefastas».
Invocam outras divindades, utilizam fumigações, estranhos e mágicos exorcismos. Não se trata de padres mandados pela igreja, mas sim de médiuns, de feiticeiros um tanto bizarros que acreditam nos mortos-vivos e afirmam conhecer as técnicas de «desfazer o feitiço» e de destruir o «vampiro». Os praticantes, destes cultos dividem em três os gêneros de feitiços: O feitiço do ódio (ou da morte), o feitiço do amor, e o auto enfeitiçamento.
«Nós», afirmam eles, «servimo-nos do primeiro para combater o vampirismo.»
O ritual processa-se à maneira das cerimônias mágicas antigas, apoiando-se em textos manuscritos, alguns dos quais podemos encontrar nos Arquivos da Biblioteca do Arsenal, em Paris, ou no Museu Britânico de Londres. Altar forrado a branco (por oposição à cor preta), uma longa agulha metálica, uma espada com caracteres (de proteção) gravados, um turíbulo, duas estatuetas de cera envolvidas em seda, representando respectivamente uma mulher e um homem.
«As estatuetas são envoltas em seda que serve para isolar», explica o celebrante...
Elas representam o vampiro fêmea e macho que será preciso destruir.
Um grande círculo traçado no solo como que enclausura as estatuetas. Atuando sobre as duas estatuetas, destruindo-as pelo fogo, destrói-se o duplo astral do vampiro, que acabará por ser destruído também.
À volta do círculo, os oficiantes escreveram os nomes de divindades protetoras, fazendo uma espécie de muralha intransponível: Adonay, Iah, Elohim.
O sumo-sacerdote asperge o centro do círculo com água benta e pronuncia:
«Senhor, através do poder atribuído ao carneiro, dá poder a este círculo, e que ele se torne armadilha mortal, de forma a que todos quantos utilizam os objetos do mal sejam para sempre destruídos. Em nome d’ Adonay, de Iah, Shadaie Elohim, em nome das energias cósmicas, solares, astrais e terrestres faz que o nosso inimigo presente neste círculo não possa sobreviver ao meu ato de morte para além de uma Lua.»


Uma vez pronunciadas estas palavras, o celebrante baixa a mão e pegando na longa agulha espeta-a numa e noutra estatueta, como se estivesse a perfurar um coração que ainda pulsasse. Seguidamente desenhou, com um pedaço de carvão, um círculo à volta dos assistentes, espalhando punhados de pregos de ferro.
Na tradição da Europa central, aqueles que traziam consigo pregos de ferro e um pedaço de carvão consideravam-se eficazmente protegidos contra o vampirismo.
No século XIX, Stanislas de Guaita, o Sâr Péladan e o escritor Joris Karl Huysmans, celebravam rituais idênticos a estes e contra os espíritos a quem chamavam «demoníacos».
Muitas vezes estes vampiros fêmeas e vampiros machos não surgiam senão das angústias e dos cérebros febris dos participantes, e então o celebrante acabava por se envolver numa situação infernal que ele próprio tecera.
Alguns conseguem livrar-se dessa situação através de delírios cosmogônicos, para explicar as origens cósmicas do vampirismo, e mostrar que o mal vem de uma outra região do espaço: «Em tempos idos, um planeta situado entre Marte e Júpiter explodiu!... Esse planeta tinha o nome de ‘Lúcifer’. Os habitantes atingiram a Terra, trazendo consigo todo o tormento do abismo. Estes extraterrestres foram os ‘anjos destronados’, os exilados do planeta ‘Lúcifer’. Colonizaram a Terra, e iniciaram os homens na magia negra, instaurando o crime e a loucura como regras da existência. Foram eles os primeiros vampiros.»
Estas explicações esquizofrênicas nunca atenuaram os terrores e as angústias do mundo da magia. Quando muito – como com muitas teorias fantásticas – reforçam a convicção de que existem seres malfazejos vindos de algures e detentores de sabedoria diabólica. E permanecemos nisto...
Esta fantasmagoria não se trata de uma fantasia com cenário de castelo em ruínas, próprio das grandes obras de romantismo trágico. Perigosa para o ser humano (facilmente sugestionável) ela chega mesmo a ir desenvolver forças que este já não controlará, acabando por lançá-lo num autêntico caos mental.
Os mágicos da Idade Média chamavam a este fenômeno de autodestruição, um «enfeitiçamento».


O licor da imortalidade
Nas neves do Tibete e de Bouthan, nas cavernas do monte Kallasha – onde ainda hoje vivem devotos do deus Shiva – velhos monges-férus da magia negra preparam uma original bebida a que chamam «licor da imortalidade».5[31] Estes ascetas fazem horríveis experiências para se tomarem imortais. Eles não vivem à luz, nem no esplendor dos ascetas da Índia; basta vê-los nas aldeias de Cachemira ou em Bouthan.
As caras deles, são autênticas máscaras da morte, «olhos flamejantes», e as vozes são cavernosas, como -que vindas do fundo de um terrífico abismo (dizem-no os guias da montanha). As portas fecham-se à sua passagem. Certos turistas vindos de Kallasha comentam as suas monstruosas técnicas de atuação.
Dizem que em algumas grutas se encontra a cave dos rituais, onde sobressai a meio uma mesa de pedra retangular. O tampo da mesa está cheio de vários e largos orifícios. Para alguns esotéricos, esta mesa mágica é dedicada ao deus da montanha mas não servirá somente para honrar os demônios subterrâneos. Ela é também uma mesa de oferendas e transformação.
Todas as descrições feitas pelos que voltavam das cavernas do Himalaias permitem imaginar a cena: o sumo-sacerdote Bom6[32], assim que entra na cave mágica, deixa cair as suas roupas e aparece nu, esquelético. Pega numa colher de forma redonda mas com um cabo muito comprido e mergulha-a num dos tais buracos existentes no tampo. Extrai de lá algo com que esfrega várias partes do corpo, friccionando-se e recitando salmos ao deus dos mortos.
«Esta é a verdadeira bebida da imortalidade», diz ele. «A vitalidade dos homens novos e robustos está dissolvida aqui. Ela seria mortal caso não se tratasse de um iniciado, para o qual se tornará uma fonte de inesgotável energia. Desta forma, o mais graduado suplantará os deuses...»
O feiticeiro leva a colher à boca e engole o líquido. Em certas aldeias do Himalaia conta-se que a mesa é oca. No interior, os Bons colocam homens que eles escolhem para o sacrifício, que, deixando-se morrer de fome começam lentamente a decompor-se. Os cadáveres nunca são removidos dali. De vez em quando, um monge junta àqueles um homem vivo. O líquido resultante das carnes putrefatas será a bebida da imortalidade, o suco da morte, por assim dizer, pois que alguns monges morrem envenenados. Encontram-se os corpos deles ao fundo das grutas, e a superstição local considera-os vampiros, «não mortos», rakshasas.
Os rakshasas são os vampiros da magia indiana. São cruéis e ferozes. Acusam-nos de tudo devorar, queimar e ferver.» Os longos caninos fazem lembrar vampiros...»
A sete mil metros de altitude eleva-se o monte Kallasha onde o gelo forma como que uma cúpula que protege cavernas e templos subterrâneos, onde os eremitas se entregam ao culto dos mortos. Estes adeptos das trevas vêm errar pela noite, à volta do lago Râkshastal, o «lago das forças hostis».
Espalham cinzas por todo o corpo, descoloram os cabelos com cal e vão rezar para os locais de cremação. A maior parte, depois de ter bebido o «licor da imortalidade», não teme o envenenamento. Eles estão ali a cumprir um rito mais velho que a própria humanidade, dedicado ao deus Shiva sob a forma de Rudra, o Uivador.




«A partir da ocasião em que os deuses e titãs criaram o mundo, pela agitação do oceano cósmico saiu o néctar, mas também o veneno. O veneno ficou bloqueado na garganta do deus, que se tornou azul. Por esta razão, chamam a Shiva o deus do pescoço azul ‘Nilakanta’.»
Shiva é Nishichâra – o errante noturno – porque tem a cabeça cortada e pendura no pescoço colares de caveiras. Aqueles que professam estes cultos utilizam cinzas das fogueiras funerárias para construir, para fabricar «um novo corpo», um corpo que seja incorruptível, e entrarem assim vivos no reino dos «não mortos».
Shiva, sob o seu aspecto terrífico (Bhaivara) de uivador (Rudra), dá indicações quanto ao estado do Universo no seu movimento e transformação. Os praticantes da magia negra fizeram dele o deus dos mortos e dos cultos do mal. O homem julga e mede segundo as suas crenças pessoais, os seus medos e o seu tipo de consciência. Justifica as práticas diabólicas a partir de textos sagrados, tal como o de Bhâgavata-Purâna, no qual se diz:


Como um demente, Shiva erra pelos horríveis cemitérios rodeados de fantasmas e espíritos malignos. Nu, com os cabelos em desordem, ri, Chora, cobre-se de cinzas e usa como ínuco ornamento um colar de caveiras de ossadas humanas. Pretende ser um bom agouro, mas é um mau agouro! Louco e adorado por loucos, reina entre os espíritos que habitam as trevas. Que este dito soberano, o último dos deuses, não possa jamais nem uma parte das oferendas advindas dos sacrifícios.
(IV. Capítulos 2 e 7)


Os desvios mágicos da Índia fizeram do «Senhor do Yoga» um mestre dos vampiros e dos «não mortos», sem compreender que a morte – no Shivaísmo – não existe. «Morre-se um milhar de vezes por dia», dizem os ascetas. Este rápido movimento mata e ressuscita, destrói e salva o universo. Rudra o uivador amedronta o homem que tem medo de morrer. No além, ele reina e resplandece em todos os mundos visíveis e invisíveis. «Ele é a Porta de Ouro dos santos mistérios», revelam os seus devotos.


O medalhão-vampiro de Montague Summers


A crença dos vampiros é construída à custa do medo. O vampiro vive na angústia da estaca que poderá a trespassar-lhe o coração. Teme o nascer do dia e as orações do exorcista, que podem reduzi-lo a cinzas e pôr termo à sua existência de «não morto».
Os aldeões temem o vampiro; munem-se de pentágonos e recitam fórmulas de proteção. O terror é a pedra angular do vampirismo. Sem ela, o edifício ruiria e com ele os seus cortejos de monstros e de superstições. Toda a história do vampirismo é um entrelaçado de orações, súplicas, enfeitiçamentos a contra-enfeitiçamentos, maldições. Um combate o outro, que por sua vez combate o outro, e o mundo dos homens e dos espíritos situa-se numa região crepuscular onde as leis do medo dominam.
O reverendo Auguste Montague Summers nasceu em 1880, época essa em que Bram Stoker referia ter encontrado em Londres vampyrs personnalities. Teria estudado no Trinity College onde se apaixonará pela literatura gótica antes de escrever sobre o vampirismo7[35]. A sua paixão pelo vampirismo ocasionou várias descobertas, das quais a mais espantosa foi, sem contestação, um misterioso talismã com a efígie do príncipe Vlad Drakul. Trata-se de uma medalha circular onde caracteres romanos, misturados certamente com dialetos eslavos, estão gravados. Ao centro da medalha pode ver-se a cara de um homem, que lembra o famoso retrato de Drácula existente no castelo de Bran.
Para Montague Summers, que passou a vida a estudar os hábitos dos vampiros, este medalhão, escondido, é uma arma de proteção para o vampyr hunter (caçador de vampiro).

O papel protetor dos medalhões em ferro, espadas, punhais, é muito antigo, mas todos estes objetos mágicos podem servir o vampiro ou aquele que procura destruí-lo...! Tudo depende, explica Montague Summers, da natureza do metal assim como dos caracteres gravados:
«Um vampiro gravado num fragmento de pedra, heliotrópico, transforma-se em pedra de sangue. Ela dará àquele que a trouxer consigo, segundo os ritos próprios, o poder de dominar demônios, íncubos e súcubos8[36]. Estará sempre presente nas suas conjuras e evocações.»
Outros livros mágicos de necromancia chamavam a esta «pedra do vampiro» a «pedra da Babilônia». Conta-se que, esfregando-a no suco do «girassol» ou «héliotropo», essa pedra teria o poder de escurecer o Sol, como num eclipse, e fazê-lo também ficar da cor do sangue.
«Bastava fazê-la ferver em cacho dentro de uma caldeira cheia de água mágica. O vapor, adicionado às palavras e caracteres do mundo da magia adensavam suficientemente o ar para velar o Sol e fazê-lo ficar da cor do sangue. Podia-se então distinguir os espectros, manes e vampiros!» (Robert Ambelain. O vampirismo)
Usar um objeto protetor, era costume nas boas famílias da Europa central, que levavam para a sepultura um anel de prata com uma pedra-de-sangue cravada, ou qualquer outro talismã dotado de propriedades misteriosas: para proteger o seu «duplo» nas saídas do túmulo ocorridas durante a noite (como aconteceu com a família Drácula, Cillei, Garai, e também com o imperador Segismundo da Hungria).
Temiam, evidentemente, o aparecimento de caçadores de vampiros. A estaca aguçada e o fogo que podia destruir em poucos segundos o corpo do «não morto».
Protegido assim, o vampiro considerava-se rei da noite, agindo segundo a sua vontade apesar do suceder dos séculos e da evolução material operada no mundo. Diz-se que teria a perpetuidade inacessível ao comum dos mortais, salvo se o homem que o desconhece penetra na zona sagrada do vampiro um pouco como acontece ao inseto que choca, mesmo sem querer, com uma teia de aranha. Uma pequena e subtil vibração basta para que toda essa teia seja sacudida. Ao centro, a aranha encontra-se adormecida mas recebe o aviso da onda de choque...
Em poucos instantes ela atinge a parte mais larga da sua teia. A sua lei é inexorável. E a morte, a morte para o imprudente que foi apanhado dentro do perímetro mágico.
Esta crença explica os curiosos acidentes que tiveram lugar na expedição às ruínas do castelo de Drácula, em Curtea de Arges.
Em 1969, dois cineastas americanos atraídos pela atmosfera sulfurosa das ruínas tentaram filmar as pedras que restavam do Ninho da Águia. Um deles, desequilibrando-se partiu uma anca, seguindo para o hospital de Ambras. O segundo magoou-se passado um mês sobre a expedição. E óbvio que o filme não se pôde realizar.
Proteção oculta do castelo ou muito simplesmente uma coincidência? Os camponeses de Arefu, que vivem muito perto das ruínas, referem-se muitas vezes ao castelo maldito, mas hesitam ir até lá pela razão – dizem – de que Bram Stoker assombra com freqüência esses locais.
A mais antiga das crenças do vampirismo – aquela que horroriza ainda os velhos da Transilvânia – passa-se no mundo dos que, adormecidos, sofrem obsessão, imagens fixas que se tornam presentes nos seus sonhos. O mistério do sonho permanece para lá do espaço e do tempo nesta zona intermédia que nos escapa apesar da evolução do mundo moderno, dos séculos de civilização, das abordagens da psicanálise. Os feiticeiros da Sibéria diziam que o sonho era o meio de que os mortos se serviam para comunicar com os vivos.


As palavras de Abremelin o Mágico

Este manuscrito – disponível na biblioteca do Arsenal de Paris é um documento essencial para aqueles que desejem compreender a doutrina e a prática do vampirismo, às quais se dedicavam algumas das grandes famílias da Europa central.
Segismundo, imperador da Hungria, utilizou as revelações de Abremelin, o mágico para tentar roubar à morte bárbara Cillei. Ele fundou a Ordem do Dragão usufruindo para tal dos conselhos do seu mágico, Eleazar, a quem Abremelin teria confiado os seus segredos. Drácula tornou-se ponta de lança dessa Ordem misteriosa, seguido por outros príncipes romenos como Hermann de Cillei, Minéa Garaï, Erzsébet Bathory que se isolaram nos seus ninhos de águia para perpetuar obscuras alianças com os poderes da noite.
Apresentamos ao leitor uma página inédita do manuscrito de Abremelin o Mágico, um dos textos importantes escritos por Aléazar – este manuscrito pode também ser visto na Biblioteca Marciana de Veneza.


No dia seguinte apresentei-me a Abremelin, que sorrindo me disse: «quero-te sempre assim...» e conduziu-me ao seu apartamento privado onde copiei dois manuscritos. Ele então perguntou-me se na verdade e sem receios eu desejava aprender a Ciência Divina e a Magia Negra. Respondi-lhe que, se empreendera tão longa e fatigante viagem, o motivo fora o de querer saber toda a verdade.
«E eu», disse Abremelin, «forneço-te esta Ciência Sagrada, permitindo que a pratiques respeitando as leis destes dois pequenos livros, sem omitir a mais pequena coisa, por mais inconcebíveis que elas possam parecer-te. Servir-te-ás desta Sagrada Ciência para reencontrar os antigos poderes, e voltar a ser um deus imortal, vencedor da vida e da morte.
»Então as trevas não te vencerão porque tu serás o vencedor, e hás de entrar na cadeia das trevas que habitam a Eternidade. Não ofereças esta ciência senão àqueles cujo olhar pode desafiar a obscuridade sem tremer aqueles cujo coração é tão forte que suportam a força do infinito sem que sobre o fardo se dobrem. Mas quero que saibas que esta verdadeira Ciência não durará em ti nem na tua geração para além de setenta e dois anos e tão pouco se manterá na nossa seita. Outras virão e, retomando o facho, hão de levá-lo cada vez mais longe, através do mundo, em nome do Supremo Senhor detentor da Pedra Sagrada. Que nunca a curiosidade te arraste a saberes os porquês de tudo isto, a não ser que o teu coração seja suficientemente forte para receber a vida infinita nos seus vastíssimos limites. Imagina tu que a nossa maldade fez da nossa seita uma seita insuportável, não a todo o ser humano como também aos deuses venerados pelos homens.»
Fiz menção de me ajoelhar ao receber os livros mas, repreendendo-me, Abremelin avisou-me de que apenas perante o Senhor deveria fazê-lo. «Estes dois livros estão escrupulosamente escritos, e depois da minha morte poderás lê-los, meu querido Lamech.» Instruído por Abremelin, despedi-me dele e parti pelo caminho de Constantinopla depois de receber a sua bênção. Em Constantinopla surgiu-me uma estranha doença que me esgotou. Foi como se num sonho a alma saísse e fosse substituída por uma luz forte. Retomando as minhas forças, espantado com a minha transformação, com a vitalidade de um jovem e o saber de Abremelin, tomei um barco e parti para Veneza.
Cheguei a esta cidade onde amigos meus me receberam... e foi nesta mesma cidade que invoquei os quatro espíritos superiores, que me entregaram um espírito familiar, a chave e o número que permite prodígios!
Seguidamente na Hungria dei ao imperador Segismundo, príncipe muito clemente, um espírito também familiar da segunda hierarquia satisfazendo assim um seu anterior pedido.
Ele queria dominar toda esta operação, mas foi prevenido de que essa não era a vontade do Senhor, pelo que teve de contentar-se que tudo acontecesse como se se tratasse de uma pessoa simples, e não de um imperador.
Esse espírito facilitou o casamento com uma mulher linda. E foi ainda o mesmo que ajudou a encontrar bárbara de Cillei, ainda mais bonita que a primeira. Mas bárbara de Cillei morreu e foi enterrada no castelo de Vazradin. Confidenciei ao meu imperador que a morte não existe para aquele que possui a Ciência Sagrada de Abremelin. Pediu-me então o imperador para que lhe ressuscitasse a bela e maravilhosa jovem. Assim o fiz, invocando de novo os quatro espíritos já invocados em Veneza, em circunstâncias diferentes e segundo a Ciência Mágica de Abremelin.
Informei o imperador sobre o perfume que deveria fazer parte da cerimônia do despertar do cadáver: uma porção de incenso, uma meia parte de Stoelas do Levante, e uma quarta parte de madeira do bosque de Aloés.
Estes produtos, reduzidos a pó, deveriam ferver numa caçoleta, perto do cadáver. Expliquei em seguida ao imperador que seria necessário invocar os quatro espíritos do décimo terceiro quadrado mágico: Oriens, Paymon, Ariton, Amaymon, porque só eles poderiam conseguir o regresso do morto à vida, tirando-o das trevas que acorrentam corpo e espírito.
No fim do manuscrito de Abremelin, o mágico Eléazar conclui:
A sagrada magia que Deus deu a Moisés, Aarão, David, Salomão e a outros profetas ensina a verdadeira sapiência divina, deixada por Abraão a seu filho Lamech, traduzido do hebraico em Veneza no ano de 1458.
É estranho que se veja este texto tomar as suas raízes na Bíblia, uma vez que servia de manual prático aos adeptos do vampirismo da Europa central. Uma vez mais o culto do vampiro aparece como uma blasfêmia organizada e uma magia anti-Deus, reclamando-se o poder dos profetas com fins puramente materiais.
Este desvio da força espiritual é obsessivo em todos os praticantes de magia negra, que vêem Jesus Cristo como um mágico, capaz de ressuscitar Lázaro, de multiplicar os pães, as riquezas, e de ultrapassar a morte num corpo que fica incorruptível.
Este desafio não pode trazer senão ódio, a desagregação e finalmente um vazio de alma como diz Simeão, o grande místico ortodoxo, nos Capítulos Teológicos.
 Cada vez que a inteligência é arrastada pela presunção mergulhando nela, e quando imagino que o que é a si o deve, logo a graça que invisivelmente irradia a alma parte deixando-a vazia.
(Centúria capo 75)


Os santos e os condenados

Em numerosos casos de vampirismo, a abertura do túmulo revela um cadáver em perfeito estado de conservação «pele fina e flexível, corpo sem alteração».
Este prodígio do após morte não é uma vaga superstição dominada pelo medo aos vampiros. Um corpo enterrado desde há séculos não é mais que um magma informe de pó de terra e de ossos. É a lei da decomposição do corpo do mortal. Uma das grandes leis da natureza: Todas as coisas perecem, voltam à terra, tornando-se pó e cinzas. No entanto, em certos casos o corpo aparece intacto ou quase. Os cientistas explicam este fenômeno como sendo causado pela composição do terreno onde está enterrado o cadáver, as variações de temperatura do sub solo, a ausência de insetos ou de roedores que provocam uma proteção natural, impedindo o seu apodrecimento. Simples hipóteses científicas quando se conhecem outros fenômenos que acontecem na incorruptibilidade de certos cadáveres: um perfume agradável do corpo, suor de sangue, humores do cadáver, luminosidades na parte superior da sepultura, como aconteceu quando Charbel morreu, com a idade de 78 anos, no seu eremitério do Líbano.

Tanto milagre que a natureza química do terreno não pôde explicar! Há toda uma lógica que não pertence a este mundo.
Os santos e santas do cristianismo apresentam muitas vezes um bom estado de conservação quando passaram séculos sobre o dia da sua inumação. Uma vez mais, os não mortos, os nosferatu do vampirismo passam por cima dos milagres do mundo cristão. Os cultos demoníacos imitaram sempre a magia e os prodígios da religião, como por exemplo na missa negra que não é senão uma inversão da missa cristã, um derrubar da liturgia, das orações do culto.
O não morto, intacto no seu túmulo, aparece pois nas superstições como uma espécie de Santo diabólico que, também ele, apresenta os mesmos sintomas de imortalidade, incorruptibilidade, suor de sangue umedecendo todo o corpo, fenômenos luminosos à volta do túmulo.
Mais que por pura imitação, eles, os adeptos do vampirismo foram mais longe e para dar forma aos seus não mortos e sugadores de sangue ter-se-iam servido mesmo dos milagres do mundo cristão.
Para as pessoas ingênuas, os casos de incorruptibilidade não serão exclusivos dos santos, pois que também os adeptos do diabo podem ser alvo de tal milagre, uma vez que Deus não existe sem a ameaça dos infernos que tantas vezes os padres focam e a que chamam «condenação eterna».
Também a religião tem o seu inferno, os seus demônios, os seus padres malditos. Basta que aconteça uma maldição e logo das entranhas da Terra se libertarão espíritos malignos cujas forças em muito ultrapassarão as dos homens. Apareciam assim os vampiros tão reais quanto os santos do paraíso...
Em cada família havia lugar para Deus na Igreja da aldeia, e um outro para o demônio por entre os túmulos do velho cemitério. O Bem e o Mal nunca deixaram de partilhar a alma humana, como a luz e as trevas, o excelente e o vil, o amor e o ódio. O vampirismo nasceu desta oposição.
Terá sido preciso a existência de grandes ascetas do deserto, e figuras espirituais como S. João da Cruz ou Simeão o novo teólogo, para entender que a humildade em Deus salva-nos e Deus é um Deus de Luz, que enche o universo, destrói a morte e o seu cortejo de demônios e não deixa lugar à obscuridade.
O medo fixa-se sempre no espírito do homem, e raros são os que fizeram esta experiência estática da luz. O medo, quando anoitece, tranca as portas. Ele força que se recitem salmos, pedindo auxílio. O coração contraído não deixa entrar a luz e o medo cria então as suas obsessões, os seus fantasmas.


Corpos incorruptíveis

Imediatamente após a morte de S. Francisco Xavier, a 2 de Dezembro de 1552, meteram o seu corpo num caixão cheio de cal viva para que, o mais rapidamente possível, a sua carne fosse consumida e se pudesse assim levar os seus ossos para Goa.
A 17 de Fevereiro de 1553, as autoridades religiosas indianas abriram o caixão com a convicção de aí encontrarem tão somente os restos do Santo. Mas eis que ao retirar a cal que lhe cobria o rosto, este apresentava o aspecto rosado, tendo a frescura de alguém apenas adormecido. O corpo estava completamente intacto, sem qualquer sinal de decomposição.
Para confirmação do estado em que se encontrava o cadáver, foi-lhe retirado um pequeno pedaço de carne acima do joelho, começando imediatamente a sangrar. Transportado por mar, foi enterrado em Malaca, a 22 de Março de 1553.
Mas o miraculoso fenômeno não ficou por aqui e, como que causado por uma força misteriosa, alguns meses depois mantinha o mesmo estado da incorruptibilidade. Transportado para Goa, foi sepultado na igreja de S. Paulo. Em 1612, quando se lhe amputou um dos braços para ser enviado para Roma, o sangue correu vermelho e fluido!
Nos Evangelhos, assim como no Antigo Testamento, o sangue é portador do espírito de Deus. No jardim das Oliveiras, na Noite Divina, Jesus suou sangue como se o Espírito sangrasse e sofresse.
Durante a ceia que precede a hora em que se entregaria, Ele tomou o cálice e dando graças o abençoou e deu aos seus discípulos dizendo: «Tomai e bebei todos, este é o meu sangue, o sangue da nova e eterna aliança...»
Na cruz, sangue e água escorreram do lado que fora trespassado pela lança do centurião. E a terra foi inundada pelo seu Espírito.
O caso dos corpos incorruptíveis de santos evoca a presença misteriosa do Espírito sob a forma de suor de sangue jamais coagulado, sempre fluido dentro e fora do corpo. Ele umedece o cadáver, transfigura-o, ilumina-o, conserva-o intacto. Vários fenômenos inexplicáveis envolvem muitas vezes o milagre: aparecimento de luz à volta do túmulo, exalações perfumadas, curas de doentes. O cadáver de um santo resplandece, vibra, envia moléculas de luz. Ele cria como que uma zona sagrada onde, tudo pode acontecer.
Em 1582, Santa Teresa d’ Ávila morre na sua cela do convento de Alba de Tormes. O rosto de Santa Teresa de Jesus, segundo afirmou a duquesa d’Alba, ficou após a morte lindo e resplandecente, dir-se-ia como Sol brilhando. Metido num caixão cheio de cal e tijolos, foi o corpo transportado ao cemitério. Mas no dia seguinte à sua morte, do túmulo de Santa Teresa de Jesus emanava um perfume de tal forma intenso e delicioso que os monges teriam tido a sensação de estarem de novo na presença da sua Madre.
Abriu-se o túmulo a 4 de Julho de 1583. A tampa do caixão estava partida, meia apodrecida e cheia de bolor. Era forte o cheiro a bafio e as vestes encontravam-se putrefatas. O santo corpo, também ele, tinha bolor, mas mantinha a frescura como se tivesse sido enterrado na véspera.
As monjas despiram-na quase totalmente, para a vestirem de novo. Segundo afirmaram, um maravilhoso odor se espalhou pelo convento.
Em Novembro de 1585, três anos passados sobre a sua morte, os médicos de A vila examinaram o corpo, tendo chegado à conclusão de que apenas um milagre, e não uma causa natural, teria permitido que um corpo fechado três anos (sem estar embalsamado) se mantivesse intacto, continuando a exalar o mesmo perfume de sempre.


Fenômenos luminosos

O sangue do cadáver dos santos, passados anos sobre a sua exumação, deverá ser considerado de natureza humana ou sobrenatural?
Os bioquímicos que o analisaram em laboratórios atestam tratar-se de sangue humano, mas esbarram com fato incompreensível: como é que o sangue se mantém, se renova, não coagula?
Esta pergunta atordoa e fica sem resposta. Em certos casos desencadeiam-se sentimentos descontrolados, noutros, porém, é a resposta embebida em amor e em certeza. Inquietação, para outros tantos...
Não há provas irrefutáveis, apenas fenômenos inexplicáveis como que a interpor um véu entre o homem e a natureza secreta do milagre.
Por exemplo, o caso de manifestações luminosas: J. Moschus, depois de ter feito um inquérito entre monges do Oriente9[38], testemunha:
«Há sete anos vimos à noite, no cume da montanha, luz que parecia um incêndio. Pensamos que fosse para afugentar certos animais, mas durou tantos dias que acabamos por subir até lá. Não encontramos o mais pequeno sinal, nem algum ponto de luz ou algo queimado na floresta.
» Na noite seguinte, voltamos a ver a mesma claridade, repetindo-se durante todo um trimestre. Decidimo-nos então fazer-nos acompanhar de alguns companheiros e, munidos de armas, voltamos a subir a montanha na direção da tal claridade. Ficamos até de manhã. Vimos então aí uma pequena gruta onde logo entramos, deparando com um anacoreta morto. Vestia um casaco feito de corda e segurava um crucifixo de prata. Perto dele uma folha onde se escrevera: Eu, pobre Jean, morri na quinta indicação.
Fizemos então o cálculo e chegamos à conclusão de que teria morrido havia sete anos. Pois o seu estado de conservação era como se tivesse morrido no dia em que o descobrimos!
Voltamos a encontrar estes fenômenos de luzes noturnas nos pormenores miraculosos que envolveram a morte do padre Charbel Makhlouf, eremita maronita, que morreu a 24 de Dezembro de 1898 no Líbano.
Por exemplo: na noite seguinte a ser sepultado e nas quarenta e cinco que se seguiram apareceram sempre sinais luminosos à volta do seu túmulo.
Também o irmão George Emmanuel Abi-Sassine testemunhará junto das autoridades religiosas, no dia 14 de Julho de 1926: «Nós podíamos ver diante de nós a pouca distância, para Sul, uma luz brilhante sobre o túmulo, mas uma luz no gênero da luz elétrica apagando e acendendo. Manteve-se tanto tempo assim que foi possível observá-la bem. A cúpula do mosteiro, e todo o lado oposto ao túmulo, a Oriente, pareciam iluminados pela claridade do dia. Dirigimo-nos ao mosteiro e contamos aos monges o que se passara, sentindo porém que a nossa história não lhes merecia qualquer credibilidade. Voltamos a ver o mesmo espetáculo maravilhoso sempre que em noites de vigília passávamos junto do túmulo, assim como o observaram todos aqueles que nos acompanhavam.»
A 15 de Abril de 1899 abriu-se o túmulo na presença das autoridades eclesiásticas e de dez testemunhas civis. Todos disseram que devido às chuvas o túmulo do irmão Charbel era um imenso lamaçal.
O corpo flutuava na lama, e sob a água que do alto caía em abundância. Apesar de tudo continuava flexível, sem rigidez de membros. De mãos postas sobre o peito segurava um crucifixo. No rosto e nas mãos havia sinais de bolor, que Saba Moussa retirou, reaparecendo aos nossos olhos como que um homem apenas adormecido... sangue encarnado vivo misturado com água escorreu do seu lado...
«O corpo flexível, transpirando sangue, nenhum sinal de corrupção, como que acabado de ser enterrado nesse momento.» (Testemunho do irmão Elie Abi-Ramia.)
Passado um ano sobre a sua morte, declara o professor Teófilo Maroun: «um curandeiro tirou-lhe as vísceras a fim de pôr termo àquela transpiração aquo-sangüínea. Mas foi em vão...»
Em 1900 o corpo do irmão Charbel foi exposto ao Sol durante seis meses no terraço da Igreja esperando-se que secasse. Em vão, novamente, pois que nos sete anos a seguir o cadáver manteve a mesma transpiração.
Sessenta e quatro anos depois da sua morte, isto é, a 7 de Agosto de: 1952, o corpo foi de novo exposto. O irmão Daher escreverá: Vi com os meus próprios olhos esse corpo intacto, umedecido, ele e as vestes sacerdotais, assim como o próprio caixão...
Os corpos incorruptíveis revelam os mistérios do sangue após a morte e a conservação completa do corpo. Poderemos evocar a força fantástica que retém os átomos do cadáver, evita a sua desagregação e o seu regresso ao pó.
Esta força cria uma nascente de sangue, cura os doentes, ilumina o túmulo. E como se o sangue sofresse uma transformação química que o transformasse em luz.
Para os místicos, esta força rodopia, sondando o coração do homem. A sua presença é universal.


Tu não tens onde te esconder, tu, cuja glória tudo invade...
Salmos de David
É o espírito que fala e se exprime e se comunica ao mundo.
Não teria assim o vampirismo sido senão uma fantasmagoria, uma tendência obsessiva, uma doença da alma que derrubaria a imagem de Deus, procurando apropriar-se do Seu poder.
A luz tornada obscuridade, as orações blasfêmias e o corpo ressuscitado, um fantasma errando fora do túmulo na busca do sangue que contém a vida.
Um monstruoso zombar da força espiritual que liberta o homem dos impulsos de ódio e de amor, levados até à obsessão que envenena.
Cronologia dos casos

De vampirismo



Segundo os processos verbais, Desde a origem até os nossos dias.
Não é possível fazer-se um levantamento completo de todos os casos de vampirismo ou presumíveis como tal, mas podemos elaborar uma lista das principais manifestações que originam o processo verbal ou crônica de época.
Snornik, em Engic: Ao morrer, a mulher de um padre ortodoxo russo confessou-se vampiro.
Morávia, perto de Olmütz, em Liebava: O vampiro era uma pessoa considerada no local. Um húngaro caçador de vampiros subiu à noite ao campanário da igreja, perto do cemitério, a fim de espiar a saída do vampiro, a quem roubou a mortalha o que provocou uivos de revolta do vampiro. O húngaro convidou-o a vir buscar o seu fato de defunto e, quando este fez menção de subir ao campanário, o húngaro deitou-o da escada abaixo e cortou-lhe a cabeça com a ajuda de uma pá.
Sjonica: Uma noite, um homem chamado Ibro armou-se de uma faca e foi na mira de um vampiro. A luta não durou quase nada e o morto-vivo escapou-se. Perto da ponte da aldeia o homem volta a apanha-lo, apunhalando-o. No dia seguinte, no sítio onde o vampiro fora ferido, apenas foi encontrado um pouco de sangue, e na lâmina do punhal alguém escreveu uma oração em turco.
Paris, 1310: A seguir ao concílio de Troyes, em Maio de 1310, Filipe O Belo fez exumar o cadáver de Jean de Turo, construtor da torre, e iniciado no «Le Temple», mandando lançar ao fogo o seu corpo um século depois da sua morte.
Boémia, em Blow, perto de Cadar-1337: Manifestações vampíricas no claustro de Opatowicze.
Boémia, em Lewin-1345: Morte de uma mulher que se dedicava à feitiçaria (morte natural ou suicídio), tendo sido sepultada num cruzamento de duas estradas.
Alta-Estíria, em Gratz, 1451: bárbara de Cillei ou Barbe de Cillei - amada por Segismundo da Hungria. O seu cadáver foi arrancado à morte graças ao ritual de Eléazar, que detinha o poder Abramelin o Mágico. Shéridan le Fanu inspirou-se em bárbara de Cillei para o personagem principal da sua obra-prima Carmila, o Drácula feminino.
Transilvânia, Curtes de Arges-1476: Vlad Draculya – Senhor da Valáquia, rei dos vampiros e cavaleiro da Ordem do Dragão foi enterrado na ilha de Snagov, na Romênia. Segundo investigações arqueológicas recentes, o seu túmulo encontra-se vazio.
Morávia, em Egwanschitz-1610: Manifestações de vampiros anos a fio.
Cracóvia, Fevereiro de 1624: Mulher vampiro em Clapardia, perto de Cracóvia.
Istrie, em Khring (ou Krinck)-1672: A 17 milhas de Laybach, no ducado de Miterburgo, um certo Giure Grando foi enterrado no cemitério local e atormentou durante longo tempo as gentes daquela região.
Hungria, Medreiga (Medwegya)-1690: Arnold Paole, heiduque de Medreiga, foi importunado por um vampiro nos arredores de Casanova, nas fronteiras da Sérvia turca. Afirmou que só depois de Ter ido ao túmulo do vampiro, comido terra do sepulcro e esfregado o corpo com sangue daquele, se viu livre de tal obsessão...
Pouco tempo depois morreu num acidente. Dias depois de ser enterrado, fenômenos de vampirismo aconteceram na aldeia. O corpo foi desfeito mas estava perfeitamente conservado; porém os fenômenos continuaram!
Arnold Paole viria a localizar mais dezessete cadáveres de heiduques iniciados em vampirismo. Um verdadeiro desfile de cavalaria das trevas.
Comuna rural de Metwett sobre Morava-1731: Treze óbitos em seis semanas. São acusadas duas mulheres, mortas há pouco tempo, que durante a sua vida se dedicaram ao culto do vampiro. Miliza, que morreu em idade avançada, e Stanno ainda jovem. A primeira chegada de Montenegro (ocupada então pelos turcos), onde fora contatada por um vampiro. A Segunda vinda da Turquia.
Hungria, Kisilova, a três léguas de Gradish-1738: Um vampiro de nome Peter Plogojowitz espalhou o terror em 1738 na aldeia de Kisilova. Morreram nove pessoas em oito dias.
Banat, Transilvânia-1755: Uma aldeia de Olmütz é citada, por um escritor, pelos numerosos casos de vampirismo aí ocorridos.
Sérvia, em Novi-Bazar-1827: As crônicas da época falam de fatos concretos passados com vampiros, sem contudo darem pontos de referência.
La Pierre-Sèche, perto de Salbris, França: Um dos casos mais espantosos relativos a um casal: Paul de Gièvres e Virginie Blanchet, cujo túmulo está visível à beira do lago de Sologne.
Tucchla (tuchela)-1873: O vampiro era o senhor ilustre da aldeia: Nicolai Macevko.
District de Stry-1873: Na sequência do caso de vampirismo de Tucchla, o povo do distrito de Stry dirigiu-se (ao fim de se registrarem várias mortes) a um túmulo suspeito em Slavka, destruindo o cadáver.
Sérvia, Pléternika-1888: Manifestações sangrentas de um vampiro, que foi abatido pela gente da aldeia.
Hungria, Krasznahorta-18...: No distrito de Rozsnyo, junto à pequena aldeia de Palotz, ergue-se o castelo de Krasnahorka. Em 1241, um pastor descobre uma pedra singular assim como um pequeno tesouro com o qual fez construir um castelo. Numa das salas, num caixão de vidro, está uma mulher vestida de preto, não reduzida a pó, com o braço direito ligeiramente levantado e o dedo indicador misteriosamente apontando...
Romênia, Crassova-1889: Trinta cadáveres foram trespassados por estacas no seguimento de manifestações vampíricas.
Transilvânia, Curtes de Arges 19...: Narração de Tinka, velha cigana de pequena aldeia de Capatineni, junto ao castelo de Drácula (narrado ao historiador Florescu). Logo a seguir à morte de seu pai se aperceberam estar-se na presença de um vampiro, uma vez que não se lhe manifestou qualquer rigidez cadavérica. Segundo Tinka, atravessaram-lhe o coração com uma estaca.
Romênia, Préjam (distrito de Vilces)-1902: Uma criança de 13 anos morto há pouco tempo foi decapitado, depois de lhe trespassarem o coração.
Jugoslávia, Kneginecc 1936: Diversos casos de vampirismo, atribuídos ao cadáver de uma mulher nova, enterrada no século XIII no castelo de Herdody, em Varazdin.
Sérvia, Kosovo-Mtohija, de 1936 a 1940 de 1947 a 1948: Emtre os Tziganes da província de Kossovo-Métohija, aconteceram muitos casos de vampirismo.
França, Nucourt, a 12 km de Gisors, século XIX: Descobre-se na torre templária de Neaufles um cadáver exangue apresentando no corpo marcas que lembram as que são feitas por tridentes. (Algumas pessoas localizaram este caso como tendo ocorrido no século XVIII.)
Em 1974, três túmulos do cemitério de Nucourt foram abertos e esvaziados.
Grã-Bretanha, Londres, Highgate-1974: Sean Manchester acaba de publicar recentemente um livro sobre o caso do vampiro de Highgate (este livro não está traduzido para francês). Várias testemunhas falam de manifestações de origem vampírica, no cemitério de Highgate. Fala-se de um misterioso caixão, vindo da Turquia para Highgate, no século passado.
David Farrant, presidente da British Psychic and Occult Societh, que numa noite celebrou o ritual de invocação ao vampiro, esteve preso durante quatro anos. Repetiram-se os casos de vampirismo em 1979. Segundo a imprensa britânica, surgiram mais casos de animais exangues nas imediações do cemitério. Farrant está neste momento elaborando um livro sobre o caso de Highgate.

Postagens mais visitadas deste blog

ENTIDADES III (Entendendo a vampirização II )

UM CASO DE VAMPIRISMO

BREVE INTRODUÇÃO MAGICA III