VAMPIROS (Parte 3)
O castelo de Drácula
Bárbara
foi enterrada em Gráz, na alta Síria. Algum tempo depois, os seus
despojos foram transportados para o castelo de Varazdin. Foi ela a
inspiradora da obra prima da literatura vampiresca do século XIX:
Carmila, de Shéridan Le Fanu.
Bárbara
Cillei, a quem chamavam «a Messalina alemã», perturbou durante
muito tempo a sua região, a acreditar-se nas crônicas da época.
O
seu duplo ter-se-ia manifestado em 1936, em Varazdin, na atual
Jugoslávia, e causou a morte a seis pessoas muito novas da aldeia.
Na Transilvânia, a natureza oferece à vista profusão desordenada
de montanhas que protegem estreitos vales, tornando assim o acesso
muito difícil. Os cumes desnudados ergem-se sobre as aldeias, como
que para lembrar as glórias antigas na época em que os enormes
penedos suportavam verdadeiras fortalezas de muralhas sombrias, de
maciças torres.
Foi
aí que, fechado no seu ninho de águia, Hermann de Cillei escreveu a
sua Pratique de Vampirisme, deixando às gerações futuras um
verdadeiro manual de técnica (o segredo da «horrível
transformação» transmitia-se entre as famílias da nobreza da
Transilvânia, os Garaï, e os Dráculas, todos nobres da Ordem do
Dragão).
«O
vosso corpo imortal já existe», escreve Hermann Cillei. «Fazei
crescer esta outra realidade em vós, tornai-vos confiante,
deixai-vos possuir pelo Real. Sede aquele que nunca dorme, não
sucumbe aos automatismos, nunca se esquece de si próprio nem um
segundo, um ser que vence o coma e a morte. O vosso corpo
prosseguirá. Como poderia ele resignar-se à lei da decomposição?
O vosso espírito despertado retém as moléculas da carne. A partir
de então o corpo não soçobrará, pois é a falta de vitalidade, de
força anímica, que fazem o corpo tornar-se em pó. E o mesmo que
tirar as pedras de cunha a uma casa.
»Em
primeiro lugar é preciso agir sobre o nosso duplo astral, torná-lo
autônomo, forçá-lo a sair do corpo, ensiná-lo a errar no plano
astral, ensiná-lo a viver sem depender do corpo e dos seus hábitos.
Logo que o duplo se souber governar perfeitamente, pode então a
consciência abandonar o corpo e vir habitar o duplo. Depois da morte
continuará a errar. Deveis pois alimentá-lo com a vitalidade que o
vosso sangue contém.»
Pode
imaginar-se facilmente Hermann Cillei metido numa das torres do seu
castelo, fixando a chama hipnótica da vela, escrevendo o manual de
vampirismo, já entre este mundo e o outro. Ouve vozes confusas
vindas do passado, vê cenas terríveis de que as montanhas foram
testemunhas... O vale está povoado por seres fantásticos, sombras
que deslizam ao cair da noite... olhos que espreitam entre a
escuridão...
A
maldição plana como um abutre sobre os castelos da Transilvânia.
Bárbara de Cillei morreu envenenada. A mulher de Drácula atirou-se
do alto da torre do castelo, em 1462. Drácula voltou a casar-se –
sem a bênção da igreja – e vive então na fortaleza de Sibiu. O
filho, Mihnea, é tão mau como o pai. Alcunharam-no de Mihnea, o
Mau. Também ele pratica decapitações, carnificinas, cortes
de orelhas, empalamentos e estuda as «ciências» malditas para
fugir à morte.
O
príncipe Drácula – vlad Drakul – foi morto pelos turcos numa
emboscada perto de Bucareste. Tinha 45 anos, e «foi enterrado
subrepticiamente no mosteiro de Snagov sob uma laje sem inscrição.
Quando em 1931 foi aberta a sepultura constatou-se que os seus
despojos tinham desaparecido».
Que
é que se passou? pergunta Ribadeau-Dumas: «Os monges do mosteiro de
Snagov, na floresta de VIasie, no meio de um grande lago, como existe
um em Bucareste, mergulharam o caixão nessas águas ao ver chegar os
turcos vitoriosos. Depois de afundado nunca mais se encontrou o
caixão. Conta-se que no momento em que o mergulharam na água, teria
surgido uma tempestade violenta, deitando árvores abaixo, rebentando
os diques do lago, incendiando o mosteiro que desabou em seguida. Aos
camponeses pareceu-lhes ouvir durante muito tempo tocar os sinos da
igreja, igualmente arrasada nesta onda de destruição. Aquele lago
ficou amaldiçoado!
»No
século XX reconstruíram a igreja do convento, mas a nave abateu
aquando de um tremor de terra em 1940. Hoje, apenas um monge ora
nesta ilha, pelo repouso da alma do príncipe Drácula.»
Para
se chegar ao castelo de Drácula, na Transilvânia, é preciso
transpor o vale de Ollul, trepar o desfiladeiro da «Torre Vermelha»,
onde ainda existem ruínas de uma fortaleza militar. Estas ruínas
levantam-se sobre a margem direita de uma ribeira, no alto de uma
enorme falésia perpendicular à estrada. Encontramo-nos nas
nascentes do Arges, por cima das quais brilha a neve dos montes
Fagaras.
As
aldeias são pobres, as casas modestas, os habitantes mais duros e
menos sociáveis e hospitaleiros que os de outras províncias da
romênia. A uns trinta quilômetros a jusante encontra-se a aldeia de
Arefu onde lá em cima se ergue o ninho de águia de Drácula.
Numerosas
lendas relatam a construção do castelo do terror. As crônicas da
época dizem que Vlad Draklul reuniu trezentos nobres romenos na sala
grande do seu palácio de Târgoviste, oferecendo-lhes um banquete
suntuoso. Durante a festa, colocara à volta da sala os seus
arqueiros que, a uma ordem sua, aprisionariam os convidados. E, como
um rebanho, fez seguir os seus convidados até Arefu, onde chegaram
dois longos dias depois.
Numerosas
mulheres e crianças, diz a crônica, não agüentando a caminhada,
pereceram a meio. Os que sobreviveram, logo se agarraram ao trabalho
sob as ordens do príncipe Drácula. E assim construíram a fortaleza
de Curtes de Arges, que seria mais tarde o ninho de águia do
príncipe.
«A
história não esclarece quanto tempo levou esta construção.
Escravizados, acabaram por ver suas roupas cair, continuando a
trabalhar nus; prosseguiram até tombar mortos pela fome, fadiga,
frio e esgotamento...»
Foi
assim com sangue que se construiu a fortaleza. Como se o suor, o
sangue, a carne dos cadáveres tivessem servido de argamassa a esses
pedregulhos.
O
caminho que vai de Arefu ao castelo é duro. Uma hora a andar, antes
de se atingir algumas pedras daquilo que foi uma das mais poderosas
fortalezas de Valáquia. A vista é vertiginosa, distinguindo-se a
mancha vermelha das aldeias espalhadas pelos contrafortes alpinos. Lá
longe, para norte, luzem os picos de neve dos montes Fagaras.
No
pátio do castelo o visitante apercebe-se dos vestígios de uma
abóbada, toda coberta de vegetação. Muito perto, vê-se a parte de
cima de um poço, cheio de pedras, como se as muralhas do antigo
castelo tivessem sido aspiradas pelo abismo, obstruindo para sempre a
entrada do mundo subterrâneo.
Ao
lado do poço há uma escada enterrada no solo, sem dúvida uma
passagem secreta, de que muitos relatos falam, com acesso a uma gruta
que os camponeses de Arefu chamam Privnit (A cave), situada na
margem de uma torrente. Passados alguns metros de escuridão surge um
montão de pedras que barram o subterrâneo.
Os
camponeses da região comentam muitas vezes sobre o castelo maldito
mas hesitam em ir até lá, pois que o sombrio herói de Bram Stoker
assombraria para sempre aqueles lugares.
Para
Radu Florescu – o histonador romeno –. «Além da águia e do
morcego, as ruínas são frequentadas pelas raposas que procuram os
ratos e alguma ovelha ou carneiro que, extraviados do rebanho, caíram
num buraco e, prisioneiros no matagal, ali venham a morrer.
»O
regougar que os cães selvagens soltam à Lua, sobretudo quando
respondem aos uivos, resulta num concerto noturno que não se ouve
sem um calafrio. De vez em quando também um urso ou um lince descem
os montes Fagaras até aí; mas os visitantes verdadeiramente
perigosos são os lobos. Se Bram Stoker escoltasse a parelha de
Drácula com as matilhas uivantes para os lados de Borgo, aqui, no
alto vale de Argens, as pessoas seriam com certeza atacadas, pois a
desolação de Inverno torna esses animais raivosos. Compreende-se
assim que pernoitar no castelo de Drácula seja considerado um
desafio à morte e mesmo os mais ousados raramente o fazem».
Diz-se
que em Arefu os raros aldeões que de noite vão ao castelo, só se
aventuram levando consigo um velho missal que, afirmam eles, afasta
«os espíritos do mal que rondam pelas alturas».
O vale dos imortais
No
seu romance Drácula, Bram Stoker garante ter encontrado, em
1880, um professor Arminius, da universidade de Bucareste que lhe
entregou um dossier «respeitante a V1ad V, filho de V1ad, o
Diabo» atestando que depois da morte brutal, da sua inumação
na ilha de Snagov, seguido do famoso cataclismo que arrasou a ilha,
Drácula reapareceu como «vampiro».
«Pedi
ao meu amigo que pusesse em ordem o seu dossier.
Todas
as fontes de informação levam a pensar que Drácula foi um
voïvode1[15]
que
ganhou o seu apelido ao combater os turcos no grande rio, sobre a
fronteira da terra turca. Sendo assim, não se trata de um homem
vulgar, porque no tempo dele e nos séculos seguintes foi considerado
o mais inteligente, o mais ardiloso e valente entre todos os que
existiam para além das florestas (Transilvânia), Levou para o
túmulo esse poderoso cérebro e um caráter de ferro que ‘utiliza
agora contra nós’. Os Drácula, diz-nos Arminius, foram uma grande
e nobre raça, ainda que certos descendentes seus (segundo os
contemporâneos) tivessem pacto com o diabo. Aprenderam o segredo de
Satanás no Scholmance, entre montanhas, sobre o lago Hermanstadt,
onde o demônio se reclama, por direito, o décimo erudito.
»No
manuscrito encontram-se palavras como estrgoica
(feiticeira),
Ordog
(Satanás),
polok
(inferno),
e ainda se diz neste momento que Drácula, era wampir».2[16]
Nos
contrafortes dos Cárpatos, nos vales da Transilvânia, as aldeias
fazem a época histórica dos Drácula. De longe em longe
destinguem-se granjas de madeira, para onde o camponês conduz o seu
atrelado. O caminho é escarpado, todo exposto ao sol ao longo
das encostas íngremes que levam a cumes solitários. Umas vezes
aparece uma cabana de caçadores, um cal vário... meio engolido pela
vegetação. Outras vezes surge alguma ruína imponente coroando a
colina, os muros de uma antiga fortaleza colocada de sentinela à
entrada de uma garganta profunda, ao fundo da qual brilham como um
espelho as águas de uma ribeira.
E
fácil compreender por que este território inacessível foi noutros
tempos a pátria dos Dácios, «o vale dos imortais», que os antigos
gregos veneraram.
Num
livro misterioso, chamado
L’ lcosameron3[17]
Giacomo
Casanova
– gentil-homem veneziano, libertino, filósofo e mágico –
conta-nos de um povo que vivia no subsolo da Transilvânia, os
Mégamicres,
bebendo
sangue para se tornarem imortais:
«Que
belo alimento era o leite dos Mégamicres!...
Pensamos que nada de fabuloso nos ensinara a mitologia, que estávamos
no verdadeiro domicílio dos imortais e que o leite sugado por nós
representava o néctar, a ambrósia4[18],
que iria sem dúvida dar-nos a imortalidade de que todos deviam
desfrutar... Esta refeição durou uma hora e penso que teríamos
ainda continuado não fora verificarmos com pavor algumas gotas que
caíram dos seus mamilos para o nosso peito. Pela cor percebemos que
era sangue.
»Intermináveis
corredores ligam o mundo subterrâneo dos Mégamicres à
região do lago Zirchnitz, na Transilvânia, que Casanova descreve
como um ‘reino de grutas e de trevas’.»
Quais
são os deuses venerados pelos Mégamicres, em Icosameron?
Lendo a descrição que Giacomo Casanova nos faz, pensamos nos
vampiros que povoam a tradição de Europa central:
«...Os
deuses dos Mégamicres
são
répteis. Têm a cabeça muito parecida com a nossa, mas sem cabelo.
Nada é tão doce e sedutor como o seu olhar, quando se fixa. De
dentes são brancos e bicudos, mas nunca se vêem por eles terem
sempre os beiços fechados. A voz é apenas um horrível silvo que
faz ranger os dentes e gelar o coração. O povo dos Mégamicres
dedicam-lhe
1m culto religioso.
»A
vida e a morte de Casanova continuam misteriosas. Foi preso em
Veneza, pela Inquisição, acusado de magia e fechado nos esgotos do
Palácio ducal, donde conseguiu fugir e correr a Europa. Manuzzi –
espião dos inquiridores de Veneza, conseguiu apoderar-se de livros e
documentos manuscritos em sua casa, tais como as Clavicules de
Salomon, as obras de d’Agripa, e o Livre d’Abramelin le
mage (publicado em Veneza).
No
seu L’ Icosameron, Casanova revela que os Mégamicres são
os inimigos do envelhecimento, e que nunca envelhecem:
«O
sono profundo», escreve ele, «uma tão perigosa languidez, que é
visível que nos faz envelhecer e acelera o ritmo das nossas
vidas...»
Sabe-se
que Drácula foi enterrado na ilha de Snagov, à entrada da igreja do
mosteiro, e procedeu-se as várias buscas em vão. O túmulo está
vazio, acontecendo o mesmo com o de Giacomo Casanova, enterrado no
parque do castelo de Dux, na Boêmia, sob uma pedra tumular rodeada
por um gradeamento. Depois foi transladado para poucos metros de
distância, perto da entrada da pequena igreja de Santo Eustáquio,
na margem de um pequeno lago...
Hoje
não existem nem as lages sepulcrais nem gradeamento! Que
coincidência tão estranha até à morte... Drácula e Casanova!...
Coincidências ou conjugações de forças secretas para lá da nossa
compreensão?... Os imortais bebedores de sangue de Giacomo Casanova
viveram em tempos longínquos na Transilvânia, perto do lago
Zirchnitz, numa região de «grutas e trevas».
A
Transilvânia foi a pátria dos dácios muito antes da era cristã.
Os gregos acreditavam que este enclave de montanhas era o «Vale dos
imortais».
A
antiga terra dos dácios era pagã. «Aí existiam, governados pela
misteriosa deusa Mielliki, as forças dos bosques, enquanto a oeste a
montanha de Nadas tinha o vento como único habitante. Havia um deus
único, mas nos Cárpatos supersticiosos havia sobretudo o diabo
Ordog, servido por feiticeiras que, por sua vez, tinham ao seu
serviço cães e gatos pretos. E tudo vinha dos elementos da natureza
e de suas fadas... No meio das árvores sagradas, de carvalhos, de
nogueiras fecundas, celebravam-se secretamente os cultos do Sol e da
Lua, da aurora e do cavalo preto da noite.»5[20]
Testemunhas
da Grécia antiga recordam ter visto legiões de dácios em pé de
guerra, armados de escudos, trazendo a efígie do dragão nas armas
de guerra.
Para
os raros viajantes da Antiguidade, este povo selvagem corresponderia
aos Hiperboreanos da mitologia, os homens-deuses que venceram a morte
e reinaram na ilha de Thulé (Os filósofos gregos e pessoas que em
viagem citam a Dácia hiperboreana).
Os
dácios consideravam-se imortais. Tinham – acreditavam eles – o
dom de se transformar em lobo ou em morcego, de voar, de dialogar com
os deuses no alto das montanhas. Os lugares escolhidos para os
rituais eram sobre os picos rochosos, no interior de grutas
inacessíveis. E sobre estes cumes que os grandes senhores –
Drácula, Garal, Cillei – construíam seus ninhos de águias.
A
suprema autoridade religiosa dos dácios, aquele que detinha os
segredos da vida e da morte, viveu, ma das florestas da Transilvânia,
no cimo de uma montanha agreste na qual construíram um templo.
Supõe-se hoje que tivesse sido o monte Cugu, que se eleva a três
mil metros de altitude nos confins de Banat e da Transilvânia.
Para
os «padres» dácios, a divindade suprema chama-se Zalmonix. E ela
que preside à iniciação.
Entre
Zalmonix e os sacerdotes de Transilvânia existem outros seres que
servem de intermediários entre os homens e a divindade suprema.
Estes seres seriam eventualmente os vampiros ou mortos-vivos, isto é,
aqueles que venceram a morte e que têm o poder de voltar ao meio dos
homens, segundo a sua vontade.
O
príncipe romeno Bursan-Ghica, exilado em Paris desde os anos 50,
recorda ainda as velhas lendas da Transilvânia:
«Para
comunicar com Zalmonix, os dácios têm de recorrer a mensageiros.
Escolhem por isso os irmãos mais avançados em magia, aqueles que
ultrapassaram o limiar da iniciação. Estes eleitos são os
sacrificados. Os dácios trespassam-nos com as pontas das suas
lanças. Mas sete dias depois, os corpos trespassados saem do túmulo
e juntam-se aos outros. Tornaram-se imortais e farão de elo entre os
Dácios e Zalmonix. Naturalmente que as lanças foram substituídas
por agudas estacas que se plantavam na terra. Compreendem agora a
realidade secreta da estaca dentro do vampirismo, e a razão por que
o Drácula foi alcunhado de vlad, o empalador?...
Para
certos ocultistas, fanáticos do vampirismo, o príncipe Drácula não
seria um guerreiro sanguinário ao empalar as suas vítimas para seu
prazer... antes cumpria as práticas da magia antiga e dos Dácios,
seus antepassados, os imortais da Transilvânia.
Em
1462, Vlad Drakul foi preso na Hungria, na torre de Salomão, palácio
de Visegrad. Segundo Kurytsint um diplomata russo, Drácula mantinha
excelentes relações com os guardas. Fez-lhes um pedido que não
deixa de ser curioso! Desejava que lhe arranjassem ratazanas,
ratinhos, pássaros e outros animais pequenos.
Que
razões secretas o levariam a tal? Kurytsint que estudou Drácula
narra que ele empalava estes animalejos e os dispunha em redondo ou
em cepa, espetados em raminhos afiados sobre o chão da sua cela. Os
cronistas referem as distrações atrozes, de um sadismo monstruoso.
As obras recentes acerca do personagem histórico Vlad Drakul (entre
eles o livro do historiador Romeno Florescu) são bem o testemunho da
opinião do autor quanto a tratar-se de perversões psicopatológicas.
Apenas os ocultistas e os adeptos do vampirismo viram nelas o
ressurgimento da antiga magia Dácia oferenda oculta único vínculo
possível com Zalmonix deus dos vivos e dos mortos nas antigas
crenças da Transilvânia.
No país dos bebedores de sangue
A
família dos Dráculas estende as suas horríveis ramificações por
toda a Europa. Irmãos, primos e primas, formam todos uma espécie de
teia de aranha venenosa cuja mordedura matará; é como que uma
poluição oculta que se infiltra por todo o lado e se espalha como
um veneno. Decadência e obsessão reinam em pleno nas almas
pervertidas dos Drácula como o prova a história da condessa
Bathory. Esta familiar do príncipe Vlad Drakul, senhor da Valáquia,
domina a nobreza austro-húngara pela sua crueldade e luxúria. Ela
vivia, «sem luz e sem cruz» – diz-nos Valentina Penrose.
«O
seu espírito era desleal e supersticioso. Erzsébet Bathory
experimentou várias crises de possessão. Nunca podia prever-se
quando tal aconteceria. De repente surgiam violentas dores na cabeça
e nos olhos. As criadas traziam feixes de plantas frescas e
narcotizantes, enquanto sobre o lume se preparavam drogas soporíferas
onde se iriam embeber esponjas para se passarem a seguir pelas
narinas da paciente.» (Penrose).
Um
dia a condessa, irritada, bateu a uma das serviçais. Logo o sangue
jorrou e caiu sobre o seu braço. Tudo se precipita para fazer
desaparecer o sangue, mas entretanto ele coalhara. Quando por fim se
conseguiu limpar a mancha, a condessa contemplou a mão,
surpreendida. «No sítio onde o sangue estagnara por alguns minutos,
ela viu que a carne tinha um brilho translúcido, como o de uma vela
iluminada por outra vela.»
Estamos
na fortaleza dos Bathory, sobre a fronteira austro-hungara, no fim do
século XV. Um mundo fechado, feito de solidão, neve e altas
muralhas.
Nesta
região secreta, desenvolvem-se as mais surpreendentes mitologias,
mas se se tentar aprofundar um pouco mais para além do mito a
realidade é por vezes bem mais aterradora que a própria lenda em
si.
Na
Hungria, o vampirismo é um título de nobreza como outro qualquer,
com a única diferença que doseia o horror e a veneração de uma
forma que cada pessoa sente a magia do sangue ainda que a
aristocracia construísse os seus castelos no inferno.
Para
o mundo de hoje, o vampiro húngaro veste uma camisa de peitilho
arrendado, uma capa de cetim negro com dupla face vermelha, à moda
dos poetas românticos. Mas quando o coração já não responde a
paixões humanas e as mulheres o deixam insensível, a única beldade
que lhe diz algo é a do sangue, e vive na angústia da estaca
aguçada que trespassará o seu peito. Mas no cinema o vampiro é um
modo de exorcizar a verdade, de esconder o verdadeiro rosto dos
Drácula, que nada tem de comum com o fantasma da ópera...
No
século XV, os vampiros não existem para manter o comércio de
imagens de Epinal, mas para a crueldade e perversão que matem ou
endoideçam.
Como
se viu, a atribuição do nome de Drácula ao arquétipo do
vampirismo juntam-se à idéia base de a serpente ou de o dragão
(Drakul, Drak = dragão) guardarem o segredo do sangue. O brasão dos
Bathory tem a enfeitá-lo o motivo de um fantástico dragão.
Nas
campanhas húngaras, amedrontado, o homem reconhece as virtudes do
sangue. Não é mais nem menos que essa «água de rejuvenescimento»
que os poetas tanto cantaram... mas existe o medo, a maldição, a
infelicidade para quem tente violar os segredos do sangue eterno,
pois que como revela o Levítico: A alma da carne está no sangue.
Desde
muito cedo que Erzsébet Bathory contactou com «o leite venenoso dos
sonhos». As lendas que embalaram a sua infância foram povoadas de
homens e mulheres vampiros à procura da bebida encarnada que
imortaliza.
Casada
desde os 15 anos, a sua residência é no castelo de Csejthe, a
nordeste da Hungria. O marido, valoroso guerreiro, é alcunhado de
«herói negro», combatente valoroso, freqüentemente em guerra com
turcos e habsbourgos.
Com
20 anos, idade em que normalmente se freqüentam bailes e recepções
na aristocracia húngara, a prima do príncipe Drácula vive numa
quase total reclusão. Amantiza-se com o intendente Thorbes, que a
inicia em feitiçaria e que, tendo-a casado com Satanás, lhe
transmite os ritos secretos da seita de «Ave negra» – sociedade
secreta à qual ele pertence – tais como este:
«Agarrai
uma galinha negra, e batei-lhe com uma bengala branca até ela
morrer. Recolhei o sangue com que tocareis o vosso inimigo, que
perecerá de esgotamento ou acidente. Se não for possível tocar-lhe
diretamente, colocai um pouco do sangue sobre as suas roupagens.»
A
Ordem da Ave Negra mantém estreitas e subterrâneas relações com a
Ordem do Dragão de Segismundo da Hungria. Erzsébet participava nas
reuniões de magia com Thorbes, com a sua ama, as duas criadas e o
mordomo Johannès Ujvary.
Logo
que enviuvou, dispensou a companhia de sua sogra e dos subordinados
do marido, para se entrega tranqüilamente aos ritos mágicos
ensinados por Thorbes.
Uma
certa manhã, quando uma das criadas a penteava e acidentalmente lhe
arrepelou um pouco os cabelos, logo a esbofeteou. Fê-lo com tal
violência que a pobre da rapariga começou a sangrar do nariz.
Algumas gotas caíram então numa das mãos da condessa. Afastando as
serviçais mandou chamar duas almas danadas, Thorbes e Ujvary, e
informou-os em tom excitado:
«O
sítio onde o sangue desta mulher me atingiu deixou a minha pele
firme, voltou a ter um aspecto de juventude.» E foi desta forma que
a condessa Bathory por um simples acaso, reconheceu quanto o sangue
era eficaz. A angústia do envelhecer, o aparecimento das rugas, o
perder da juventude e beleza como que encontrava de repente uma
paragem, um remédio, porque o sangue poderia enfim conservá-la nova
e bonita. Neste seu delírio ela já admitia que banhos de sangue
poderiam resultar na flexibilidade do corpo e no não envelhecimento.
Então, durante dez anos, Erzsébet Bathory ordenou que fossem
degoladas uma centena de raparigas camponesas, com a cumplicidade de
terceiros, mandadas sob diversos pretextos para Csejthe.
Em
Novembro de 1610, uma das vítimas conseguiu fugir antes de ser
condenada à morte. O rei Mathias II, conhecedor do caso, encarregou
o conde Thurzo de investigar as estranhas práticas da condessa. A 30
de Dezembro de 1610 o conde forçou a vedação do castelo de
Csejthe. Na sala grande da torre de mensagem, descobriu horrorizado
um cadáver em cujo corpo não havia gota de sangue, vasos cheios de
sangue ainda não coagulado, e um moribundo barbaramente torturado.
Submetido a interrogatório, o mordomo Ujvary confessou ter
participado em trinta e sete assassinatos rituais. Uma tesoura,
manejada por Erzsébet Bathory, substituía o punhal sacrifical. Os
servos desta estranha missa do sangue recolhiam-no para depois
prepararem os banhos de juventude de Erzébeth cuja aparência jovem,
comentavam os juízes, «não podia ser senão de origem diabólica».
A
condessa confessou arrogante e friamente os seus crimes. Os dois
necromantes foram condenados à morte. Arrancaram-lhe as unhas,
cortaram-lhes a língua, espetaram-lhe os olhos e por fim
queimaram-nos em fogo lento.
Erzsébet
foi condenada a confessar a sua culpa e a ser decapitada. A sentença
foi comutada, tendo em vista a sua origem e posição, para prisão
perpétua «a pão e água». Veio a morrer em 1614, passados anos,
encerrada entre as paredes de uma das salas do seu castelo.
Esta
triste história desenrolou-se há muito tempo numa região onde
reinava a superstição e o terror. Aos sacerdotes ortodoxos foi
bastante difícil desenraizar as antigas prátIcas, o culto do
sangue, os pactos das possessões diabólicas. Embora os tempos
tivessem mudado as coisas, a verdade é que o fascínio mórbido do
sangue perturba sempre os cérebros fracos. Em 1941, o professor
Léonard Wolf, da Universidade de São Francisco publicou com o
título Dream of Dracula tudo o que se lhe oferecia sobre os
casos de vampirismo recente, declarando: «[...] existem na
Califórnia seitas que praticam a magia do sangue para evocar os
mortos e obter os poderes da noite. Assim o provam as práticas de
uma seita de Monterey, que utiliza a carcaça de uma moto Sobre a
qual se matou William Tingley, o líder do grupo. O novo guru,
completamente vestido de couro negro, o tronco coberto de
símbolos diabólicos, explica assim o ritual mágico da seita:
«No
metal há ainda vestígios de sangue e alguns restos de carne de
certas partes do corpo. Este sofrimento magnetizou o metal. Temos
portanto, através dele, acesso às fontes energéticas do infinito.
Só o utilizamos para o bem e esperamos que, com o tempo, outros
possam vir a aproveitá-lo. O tempo não conta para nós. Não
fazemos publicidade esperando que, convencidos da nossa força,
outros homens venham dessedentar-se na mesma fonte. Nós poderíamos
de resto, se ameaçassem a nossa realidade religiosa, drenar a
energia dos homens e não a do cosmos. Se nos recusarem viver entre
eles, tornar-nos-emos dependentes de outros...»
Esta
declaração é significativa quanto à patologia do vampirismo! Em
pleno século XX, ainda se faz sentir o mesmo eco... convencidos da
nossa força, nós poderíamos utilizar a energia dos outros homens.
O poder sobre os outros, a manipulação psíquica, parecem ser as
duas obsessões desta seita da Califórnia.
Mas
a obsessão do sangue não é só herança de seitas entregues à
magia vermelha. Por exemplo no despertar da Belle Epoque as mulheres
novas dirigiam-se aos matadouros para beberem copos de sangue da veia
jugular de um bovino, acabado de ser abatido, convencidas de ser esta
a bebida que iria dar-lhes um reforço de vitalidade. Ainda e sempre
a patológica fascinação do sangue, do seu mistério e do seu
poder.
Os ritos de proteção
Certos
morcegos da América do Sul atingem um tamanho superior a oitenta
centímetros. Precipita-se sobre a vítima e, com o bico sugador
fixado na jugular provoca-lhe uma espécie de anestesia que evita a
dor. Estes vampiros Spectrum, nome dado pelos naturalistas,
fazem autênticas devastações na Argentina, como se prova através
desta informação citada por R. Ambelain:
«No
decorrer do ano de 1958, perto de vinte e cinco mil cabeças de gado
morreram de doença causada pelas sucções dos animais em questão.»
O
poder de anestesia de que falam os pesquisadores, assemelha-se ao
beijo do vampiro se a vítima n oferecer resistência e se se
abandonar à mordedura sem terror.
Os
morcegos da América do Sul segregam um líquido especial que
adormece a rede nervosa da veia jugular. A pessoa que adormece terá
simplesmente a impressão de estar com um sonho estranho, uma
sensação de dissolução agradável... enquanto o animal noturno
lhe vai sugando o sangue.
O
elo mágico entre o morto-vivo e o morcego é referido em todos os
documentos religiosos da Idade Média.
A
visionária Anne Catherine Emmerich afirmava ter visto Jesus Cristo,
descrevendo-O detalhadamente. Confidenciou as visões que tivera ao
poeta Clemens Brentano, que as redigiu intitulando-as de Vie de
Jésus Crist, d'apres les visions de Anne Catherine Emmerich.
Numa
passagem do seu livro, ela descreve Asach, na Palestina, infestada de
morcegos-demônios. As pessoas desta terra têm feito caça
aos repelentes animais malhados, de asas membranosas com as quais
voam céleres. São estes os morcegos-demônios que sugam o sangue às
pessoas e ao gado enquanto estes dormem. Vêm de densos pântanos
impenetráveis e causam os maiores prejuízos...
Para
os videntes cristãos, o vampiro depressa foi considerado inimigo de
Deus, uma farsa monstruosa à luz divina, o candelabro tombado de que
falam os praticantes de magia negra.
Na
iconografia cristã, o pelicano tem uma certa analogia com a figura
luminosa de Jesus Cristo, pelo fato de também aquele dar o seu
sangue e a vida para proteger e alimentar os filhos. Um poema de
Alfredo de Musset, evoca o sacrifício do pelicano, arrancando com o
bico as entranhas para assim alimentar a sua ninhada.
No
outro ponto oposto, o vampiro aparece como antítese do pelicano
porque, para assegurar a sua existência, tira a vida ao homem
sugando-lhe o sangue.
O
Rei David, no Salmos implora a proteção de Deus contra os
vampiros:
Livrai-me
do que pratica o mal, salvai-me do homem sanguinário.
Regressam
pela tarde, ladrando como cães e percorrem a cidade... (58-3.7)
Os
seus lábios são como espadas... Vagueiam à busca de alimento,
e se não se
saciam
rondam a noite... (58-16)
Tal
como se dissipa completamente o fumo, e ao contacto com
o fogo se derrete a cera, assim se dissipam o ímpios
na presença do Senhor. (67-3)
A
oração e a fé surgiam como as mais eficazes proteções contra os
seres noctívagos. Homens e mulheres vampiros, outros sugadores de
sangue e ladrões de almas.
À
noite, durante o ofício das Completas6[21]
e antes de recolher às celas os frades recitam os seguintes Salmos:
Tu
não temerás o terror da noite
Nem
a flecha que voa durante o dia
Nem
a peste que alastra nas trevas
È
que Ele deu ordens aos seus anjos
para
te protegerem em todos os caminhos
Tomar-te-ão
nas palmas das mãos, não aconteça ferires
nas
pedras os teus pés; poderás caminhar por cia de serpentes e
víboras.
Calcar
aos pés leões e dragões No teu leito, medita, paz e
silêncio
Nos
mosteiros ortodoxos, enquanto o Santíssimo está alumiado os
sugadores de sangue não conseguem entrar porque a luz brilha nas
trevas. As luzes votivas têm a mesma função. E como se cada átomo
de obscuridade se purificasse pela real presença de Deus.
Os
anais do Museu Guimet publicaram um excelente trabalho sobre armas de
magia, punhais, espadas, o pentágono estrelado, que serviam, algumas
delas, para combater os vampiros da Europa Central.
Na
lâmina de uma espada, uma frase grega diz-nos: A mão direita de
Cristo te persegue. Esta mão de vingança divina estendia a sua
proteção pelos mosteiros, as aldeias, os cemitérios... por todo o
lado onde o homem temesse o despertar dos mortos sob a forma de
vampiros.
Numa
outra lâmina de punhal, encontram-se inscrições cabalísticas em
forma de contrações hebraicas: AgIa que não é mais que a
contração das quatro iniciais da fórmula Atha Gibor Leolam
Adonaï, ou seja, «Cristo é grande na Eternidade».
A
contração é uma oração que, comprimida como uma mola, pode a
todo o momento aumentar a sua força.
Makaba,
gravada sobre uma medalha, traduz o poder de Deus face aos seres
da noite. Makaba é a contração do versículo hebraico Mi
Komoi'kou Boelim Adonai... isto é: Quem de entre os deuses é
semelhante a Ti, Senhor? (Êxodo XV, 11)
Pode
encontrar-se nos Anais do Museu Guimet outras espadas cunhadas com a
Cruz de Cristo, contendo inscrições latinas: Ego Sund et Genus
David, Stella Splendida et Matutina... seguida da fórmula
lapidar: Vade Retro Satanás. Em França, no princípio deste
século, deitava-se fogo aos morcegos que se deixassem apanhar,
apesar da utilidade dos seus serviços como insetívoros. Este
exorcismo instintivo e espontâneo é um reflexo de superstição que
nada tem a ver com o combate espiritual. E por causa deste medo se
mandavam queimar os místicos, os visionários, porque eles não
falavam a língua deste mundo, opondo-se ao entenebrecer da sua
época.
Para
além das superstições, existe o exorcismo real da alma, que não
precisa recorrer a espadas mágicas, punhais, ou pentágonos de
estrela para combate aos vampiros. Nos mosteiros da Europa Central, a
grande proteção residia na oração, no implorar constantemente a
Deus, vivo no homem e em todos os mundos tal como a luz do Santíssimo
que invade a obscuridade sem que fique espaço para trevas.
Nos
mosteiros do Monte Athos, a presença dos vampiros não é uma
simples superstição. Terrível é aí o poder do diabo, porque o de
Deus também o é. À noite, as celas dos monges são palco das mais
duras lutas, agitação, alucinações, despertar violento, suores,
pesadelos... gritos rasgam o silêncio, como o rir dos chacais risos
que sacodem as abóbadas do velho mosteiro. Os monges escutam...
benzem-se e rezam.
Jean
Bies conta a sua viagem ao Monte Athos, à Montanha Sagrada, que é
também local de pelejas espirituais: «Os demônios dançam no ar.
Diz-se que são mais que os mosquitos em noite de Verão. Aqueles que
os sentem à sua volta, começam logo a rezar. Nada mais estranho que
o fechar cuidadosamente as pesadas portas, à noite, para evitar a
entrada dos demônios! Toda a gente terá de entrar até ao pôr do
Sol, I senão não se lhe abrirá a porta.
O
mais poderoso dos exorcismos é ainda a Oração do Coração
aprendida segundo os ensinamentos dos Hésychastes ortodoxos que será
repetir o nome de Jesus constantemente, ao ritmo da respiração,
acompanhada de um profundo sentimento de adoração, de presença.
Nos
Atos dos Apóstolos se declara: «Todo aquele que invocar o nome do
Senhor está salvo!» e S. Paulo, «Orai sempre...»
S.
João Clímaco, um dos pais da Ortodoxia, propõe 7: a repetição do
nome de Jesus como arma suprema contra os demônios noturnos:
«Fulmina o teu inimigo com o nome de Jesus. Não existe nos céus
nem na terra arma tão poderosa. Shiva e Krishn, repetindo os
mantras, os nomes sagrados, afastam as tentações da noite e
purificam o sono.»