VAMPIROS (Parte 3)






O castelo de Drácula



Bárbara foi enterrada em Gráz, na alta Síria. Algum tempo depois, os seus despojos foram transportados para o castelo de Varazdin. Foi ela a inspiradora da obra prima da literatura vampiresca do século XIX: Carmila, de Shéridan Le Fanu.
Bárbara Cillei, a quem chamavam «a Messalina alemã», perturbou durante muito tempo a sua região, a acreditar-se nas crônicas da época.
O seu duplo ter-se-ia manifestado em 1936, em Varazdin, na atual Jugoslávia, e causou a morte a seis pessoas muito novas da aldeia. Na Transilvânia, a natureza oferece à vista profusão desordenada de montanhas que protegem estreitos vales, tornando assim o acesso muito difícil. Os cumes desnudados ergem-se sobre as aldeias, como que para lembrar as glórias antigas na época em que os enormes penedos suportavam verdadeiras fortalezas de muralhas sombrias, de maciças torres.
Foi aí que, fechado no seu ninho de águia, Hermann de Cillei escreveu a sua Pratique de Vampirisme, deixando às gerações futuras um verdadeiro manual de técnica (o segredo da «horrível transformação» transmitia-se entre as famílias da nobreza da Transilvânia, os Garaï, e os Dráculas, todos nobres da Ordem do Dragão).
«O vosso corpo imortal já existe», escreve Hermann Cillei. «Fazei crescer esta outra realidade em vós, tornai-vos confiante, deixai-vos possuir pelo Real. Sede aquele que nunca dorme, não sucumbe aos automatismos, nunca se esquece de si próprio nem um segundo, um ser que vence o coma e a morte. O vosso corpo prosseguirá. Como poderia ele resignar-se à lei da decomposição? O vosso espírito despertado retém as moléculas da carne. A partir de então o corpo não soçobrará, pois é a falta de vitalidade, de força anímica, que fazem o corpo tornar-se em pó. E o mesmo que tirar as pedras de cunha a uma casa.

»Em primeiro lugar é preciso agir sobre o nosso duplo astral, torná-lo autônomo, forçá-lo a sair do corpo, ensiná-lo a errar no plano astral, ensiná-lo a viver sem depender do corpo e dos seus hábitos. Logo que o duplo se souber governar perfeitamente, pode então a consciência abandonar o corpo e vir habitar o duplo. Depois da morte continuará a errar. Deveis pois alimentá-lo com a vitalidade que o vosso sangue contém.»
Pode imaginar-se facilmente Hermann Cillei metido numa das torres do seu castelo, fixando a chama hipnótica da vela, escrevendo o manual de vampirismo, já entre este mundo e o outro. Ouve vozes confusas vindas do passado, vê cenas terríveis de que as montanhas foram testemunhas... O vale está povoado por seres fantásticos, sombras que deslizam ao cair da noite... olhos que espreitam entre a escuridão...
A maldição plana como um abutre sobre os castelos da Transilvânia. Bárbara de Cillei morreu envenenada. A mulher de Drácula atirou-se do alto da torre do castelo, em 1462. Drácula voltou a casar-se – sem a bênção da igreja – e vive então na fortaleza de Sibiu. O filho, Mihnea, é tão mau como o pai. Alcunharam-no de Mihnea, o Mau. Também ele pratica decapitações, carnificinas, cortes de orelhas, empalamentos e estuda as «ciências» malditas para fugir à morte.
O príncipe Drácula – vlad Drakul – foi morto pelos turcos numa emboscada perto de Bucareste. Tinha 45 anos, e «foi enterrado subrepticiamente no mosteiro de Snagov sob uma laje sem inscrição. Quando em 1931 foi aberta a sepultura constatou-se que os seus despojos tinham desaparecido».
Que é que se passou? pergunta Ribadeau-Dumas: «Os monges do mosteiro de Snagov, na floresta de VIasie, no meio de um grande lago, como existe um em Bucareste, mergulharam o caixão nessas águas ao ver chegar os turcos vitoriosos. Depois de afundado nunca mais se encontrou o caixão. Conta-se que no momento em que o mergulharam na água, teria surgido uma tempestade violenta, deitando árvores abaixo, rebentando os diques do lago, incendiando o mosteiro que desabou em seguida. Aos camponeses pareceu-lhes ouvir durante muito tempo tocar os sinos da igreja, igualmente arrasada nesta onda de destruição. Aquele lago ficou amaldiçoado!
»No século XX reconstruíram a igreja do convento, mas a nave abateu aquando de um tremor de terra em 1940. Hoje, apenas um monge ora nesta ilha, pelo repouso da alma do príncipe Drácula.»
Para se chegar ao castelo de Drácula, na Transilvânia, é preciso transpor o vale de Ollul, trepar o desfiladeiro da «Torre Vermelha», onde ainda existem ruínas de uma fortaleza militar. Estas ruínas levantam-se sobre a margem direita de uma ribeira, no alto de uma enorme falésia perpendicular à estrada. Encontramo-nos nas nascentes do Arges, por cima das quais brilha a neve dos montes Fagaras.
As aldeias são pobres, as casas modestas, os habitantes mais duros e menos sociáveis e hospitaleiros que os de outras províncias da romênia. A uns trinta quilômetros a jusante encontra-se a aldeia de Arefu onde lá em cima se ergue o ninho de águia de Drácula.
Numerosas lendas relatam a construção do castelo do terror. As crônicas da época dizem que Vlad Draklul reuniu trezentos nobres romenos na sala grande do seu palácio de Târgoviste, oferecendo-lhes um banquete suntuoso. Durante a festa, colocara à volta da sala os seus arqueiros que, a uma ordem sua, aprisionariam os convidados. E, como um rebanho, fez seguir os seus convidados até Arefu, onde chegaram dois longos dias depois.
Numerosas mulheres e crianças, diz a crônica, não agüentando a caminhada, pereceram a meio. Os que sobreviveram, logo se agarraram ao trabalho sob as ordens do príncipe Drácula. E assim construíram a fortaleza de Curtes de Arges, que seria mais tarde o ninho de águia do príncipe.
«A história não esclarece quanto tempo levou esta construção. Escravizados, acabaram por ver suas roupas cair, continuando a trabalhar nus; prosseguiram até tombar mortos pela fome, fadiga, frio e esgotamento...»
Foi assim com sangue que se construiu a fortaleza. Como se o suor, o sangue, a carne dos cadáveres tivessem servido de argamassa a esses pedregulhos.
O caminho que vai de Arefu ao castelo é duro. Uma hora a andar, antes de se atingir algumas pedras daquilo que foi uma das mais poderosas fortalezas de Valáquia. A vista é vertiginosa, distinguindo-se a mancha vermelha das aldeias espalhadas pelos contrafortes alpinos. Lá longe, para norte, luzem os picos de neve dos montes Fagaras.
No pátio do castelo o visitante apercebe-se dos vestígios de uma abóbada, toda coberta de vegetação. Muito perto, vê-se a parte de cima de um poço, cheio de pedras, como se as muralhas do antigo castelo tivessem sido aspiradas pelo abismo, obstruindo para sempre a entrada do mundo subterrâneo.
Ao lado do poço há uma escada enterrada no solo, sem dúvida uma passagem secreta, de que muitos relatos falam, com acesso a uma gruta que os camponeses de Arefu chamam Privnit (A cave), situada na margem de uma torrente. Passados alguns metros de escuridão surge um montão de pedras que barram o subterrâneo.
Os camponeses da região comentam muitas vezes sobre o castelo maldito mas hesitam em ir até lá, pois que o sombrio herói de Bram Stoker assombraria para sempre aqueles lugares.
Para Radu Florescu – o histonador romeno –. «Além da águia e do morcego, as ruínas são frequentadas pelas raposas que procuram os ratos e alguma ovelha ou carneiro que, extraviados do rebanho, caíram num buraco e, prisioneiros no matagal, ali venham a morrer.
»O regougar que os cães selvagens soltam à Lua, sobretudo quando respondem aos uivos, resulta num concerto noturno que não se ouve sem um calafrio. De vez em quando também um urso ou um lince descem os montes Fagaras até aí; mas os visitantes verdadeiramente perigosos são os lobos. Se Bram Stoker escoltasse a parelha de Drácula com as matilhas uivantes para os lados de Borgo, aqui, no alto vale de Argens, as pessoas seriam com certeza atacadas, pois a desolação de Inverno torna esses animais raivosos. Compreende-se assim que pernoitar no castelo de Drácula seja considerado um desafio à morte e mesmo os mais ousados raramente o fazem».
Diz-se que em Arefu os raros aldeões que de noite vão ao castelo, só se aventuram levando consigo um velho missal que, afirmam eles, afasta «os espíritos do mal que rondam pelas alturas».


O vale dos imortais

No seu romance Drácula, Bram Stoker garante ter encontrado, em 1880, um professor Arminius, da universidade de Bucareste que lhe entregou um dossier «respeitante a V1ad V, filho de V1ad, o Diabo» atestando que depois da morte brutal, da sua inumação na ilha de Snagov, seguido do famoso cataclismo que arrasou a ilha, Drácula reapareceu como «vampiro».
«Pedi ao meu amigo que pusesse em ordem o seu dossier. Todas as fontes de informação levam a pensar que Drácula foi um voïvode1[15] que ganhou o seu apelido ao combater os turcos no grande rio, sobre a fronteira da terra turca. Sendo assim, não se trata de um homem vulgar, porque no tempo dele e nos séculos seguintes foi considerado o mais inteligente, o mais ardiloso e valente entre todos os que existiam para além das florestas (Transilvânia), Levou para o túmulo esse poderoso cérebro e um caráter de ferro que ‘utiliza agora contra nós’. Os Drácula, diz-nos Arminius, foram uma grande e nobre raça, ainda que certos descendentes seus (segundo os contemporâneos) tivessem pacto com o diabo. Aprenderam o segredo de Satanás no Scholmance, entre montanhas, sobre o lago Hermanstadt, onde o demônio se reclama, por direito, o décimo erudito.

»No manuscrito encontram-se palavras como estrgoica (feiticeira), Ordog (Satanás), polok (inferno), e ainda se diz neste momento que Drácula, era wampir».2[16]
Nos contrafortes dos Cárpatos, nos vales da Transilvânia, as aldeias fazem a época histórica dos Drácula. De longe em longe destinguem-se granjas de madeira, para onde o camponês conduz o seu atrelado. O caminho é escarpado, todo exposto ao sol ao longo das encostas íngremes que levam a cumes solitários. Umas vezes aparece uma cabana de caçadores, um cal vário... meio engolido pela vegetação. Outras vezes surge alguma ruína imponente coroando a colina, os muros de uma antiga fortaleza colocada de sentinela à entrada de uma garganta profunda, ao fundo da qual brilham como um espelho as águas de uma ribeira.
E fácil compreender por que este território inacessível foi noutros tempos a pátria dos Dácios, «o vale dos imortais», que os antigos gregos veneraram.
Num livro misterioso, chamado L’ lcosameron3[17] Giacomo Casanova – gentil-homem veneziano, libertino, filósofo e mágico – conta-nos de um povo que vivia no subsolo da Transilvânia, os Mégamicres, bebendo sangue para se tornarem imortais:
«Que belo alimento era o leite dos Mégamicres!... Pensamos que nada de fabuloso nos ensinara a mitologia, que estávamos no verdadeiro domicílio dos imortais e que o leite sugado por nós representava o néctar, a ambrósia4[18], que iria sem dúvida dar-nos a imortalidade de que todos deviam desfrutar... Esta refeição durou uma hora e penso que teríamos ainda continuado não fora verificarmos com pavor algumas gotas que caíram dos seus mamilos para o nosso peito. Pela cor percebemos que era sangue.
»Intermináveis corredores ligam o mundo subterrâneo dos Mégamicres à região do lago Zirchnitz, na Transilvânia, que Casanova descreve como um ‘reino de grutas e de trevas’.»
Quais são os deuses venerados pelos Mégamicres, em Icosameron? Lendo a descrição que Giacomo Casanova nos faz, pensamos nos vampiros que povoam a tradição de Europa central:
«...Os deuses dos Mégamicres são répteis. Têm a cabeça muito parecida com a nossa, mas sem cabelo. Nada é tão doce e sedutor como o seu olhar, quando se fixa. De dentes são brancos e bicudos, mas nunca se vêem por eles terem sempre os beiços fechados. A voz é apenas um horrível silvo que faz ranger os dentes e gelar o coração. O povo dos Mégamicres dedicam-lhe 1m culto religioso.
»A vida e a morte de Casanova continuam misteriosas. Foi preso em Veneza, pela Inquisição, acusado de magia e fechado nos esgotos do Palácio ducal, donde conseguiu fugir e correr a Europa. Manuzzi – espião dos inquiridores de Veneza, conseguiu apoderar-se de livros e documentos manuscritos em sua casa, tais como as Clavicules de Salomon, as obras de d’Agripa, e o Livre d’Abramelin le mage (publicado em Veneza).
No seu L’ Icosameron, Casanova revela que os Mégamicres são os inimigos do envelhecimento, e que nunca envelhecem:
«O sono profundo», escreve ele, «uma tão perigosa languidez, que é visível que nos faz envelhecer e acelera o ritmo das nossas vidas...»
Sabe-se que Drácula foi enterrado na ilha de Snagov, à entrada da igreja do mosteiro, e procedeu-se as várias buscas em vão. O túmulo está vazio, acontecendo o mesmo com o de Giacomo Casanova, enterrado no parque do castelo de Dux, na Boêmia, sob uma pedra tumular rodeada por um gradeamento. Depois foi transladado para poucos metros de distância, perto da entrada da pequena igreja de Santo Eustáquio, na margem de um pequeno lago...
Hoje não existem nem as lages sepulcrais nem gradeamento! Que coincidência tão estranha até à morte... Drácula e Casanova!... Coincidências ou conjugações de forças secretas para lá da nossa compreensão?... Os imortais bebedores de sangue de Giacomo Casanova viveram em tempos longínquos na Transilvânia, perto do lago Zirchnitz, numa região de «grutas e trevas».
A Transilvânia foi a pátria dos dácios muito antes da era cristã. Os gregos acreditavam que este enclave de montanhas era o «Vale dos imortais».
A antiga terra dos dácios era pagã. «Aí existiam, governados pela misteriosa deusa Mielliki, as forças dos bosques, enquanto a oeste a montanha de Nadas tinha o vento como único habitante. Havia um deus único, mas nos Cárpatos supersticiosos havia sobretudo o diabo Ordog, servido por feiticeiras que, por sua vez, tinham ao seu serviço cães e gatos pretos. E tudo vinha dos elementos da natureza e de suas fadas... No meio das árvores sagradas, de carvalhos, de nogueiras fecundas, celebravam-se secretamente os cultos do Sol e da Lua, da aurora e do cavalo preto da noite.»5[20]
Testemunhas da Grécia antiga recordam ter visto legiões de dácios em pé de guerra, armados de escudos, trazendo a efígie do dragão nas armas de guerra.
Para os raros viajantes da Antiguidade, este povo selvagem corresponderia aos Hiperboreanos da mitologia, os homens-deuses que venceram a morte e reinaram na ilha de Thulé (Os filósofos gregos e pessoas que em viagem citam a Dácia hiperboreana).
Os dácios consideravam-se imortais. Tinham – acreditavam eles – o dom de se transformar em lobo ou em morcego, de voar, de dialogar com os deuses no alto das montanhas. Os lugares escolhidos para os rituais eram sobre os picos rochosos, no interior de grutas inacessíveis. E sobre estes cumes que os grandes senhores – Drácula, Garal, Cillei – construíam seus ninhos de águias.
A suprema autoridade religiosa dos dácios, aquele que detinha os segredos da vida e da morte, viveu, ma das florestas da Transilvânia, no cimo de uma montanha agreste na qual construíram um templo. Supõe-se hoje que tivesse sido o monte Cugu, que se eleva a três mil metros de altitude nos confins de Banat e da Transilvânia.
Para os «padres» dácios, a divindade suprema chama-se Zalmonix. E ela que preside à iniciação.

Entre Zalmonix e os sacerdotes de Transilvânia existem outros seres que servem de intermediários entre os homens e a divindade suprema. Estes seres seriam eventualmente os vampiros ou mortos-vivos, isto é, aqueles que venceram a morte e que têm o poder de voltar ao meio dos homens, segundo a sua vontade.
O príncipe romeno Bursan-Ghica, exilado em Paris desde os anos 50, recorda ainda as velhas lendas da Transilvânia:
«Para comunicar com Zalmonix, os dácios têm de recorrer a mensageiros. Escolhem por isso os irmãos mais avançados em magia, aqueles que ultrapassaram o limiar da iniciação. Estes eleitos são os sacrificados. Os dácios trespassam-nos com as pontas das suas lanças. Mas sete dias depois, os corpos trespassados saem do túmulo e juntam-se aos outros. Tornaram-se imortais e farão de elo entre os Dácios e Zalmonix. Naturalmente que as lanças foram substituídas por agudas estacas que se plantavam na terra. Compreendem agora a realidade secreta da estaca dentro do vampirismo, e a razão por que o Drácula foi alcunhado de vlad, o empalador?...
Para certos ocultistas, fanáticos do vampirismo, o príncipe Drácula não seria um guerreiro sanguinário ao empalar as suas vítimas para seu prazer... antes cumpria as práticas da magia antiga e dos Dácios, seus antepassados, os imortais da Transilvânia.
Em 1462, Vlad Drakul foi preso na Hungria, na torre de Salomão, palácio de Visegrad. Segundo Kurytsint um diplomata russo, Drácula mantinha excelentes relações com os guardas. Fez-lhes um pedido que não deixa de ser curioso! Desejava que lhe arranjassem ratazanas, ratinhos, pássaros e outros animais pequenos.
Que razões secretas o levariam a tal? Kurytsint que estudou Drácula narra que ele empalava estes animalejos e os dispunha em redondo ou em cepa, espetados em raminhos afiados sobre o chão da sua cela. Os cronistas referem as distrações atrozes, de um sadismo monstruoso. As obras recentes acerca do personagem histórico Vlad Drakul (entre eles o livro do historiador Romeno Florescu) são bem o testemunho da opinião do autor quanto a tratar-se de perversões psicopatológicas. Apenas os ocultistas e os adeptos do vampirismo viram nelas o ressurgimento da antiga magia Dácia oferenda oculta único vínculo possível com Zalmonix deus dos vivos e dos mortos nas antigas crenças da Transilvânia.


No país dos bebedores de sangue



A família dos Dráculas estende as suas horríveis ramificações por toda a Europa. Irmãos, primos e primas, formam todos uma espécie de teia de aranha venenosa cuja mordedura matará; é como que uma poluição oculta que se infiltra por todo o lado e se espalha como um veneno. Decadência e obsessão reinam em pleno nas almas pervertidas dos Drácula como o prova a história da condessa Bathory. Esta familiar do príncipe Vlad Drakul, senhor da Valáquia, domina a nobreza austro-húngara pela sua crueldade e luxúria. Ela vivia, «sem luz e sem cruz» – diz-nos Valentina Penrose.
«O seu espírito era desleal e supersticioso. Erzsébet Bathory experimentou várias crises de possessão. Nunca podia prever-se quando tal aconteceria. De repente surgiam violentas dores na cabeça e nos olhos. As criadas traziam feixes de plantas frescas e narcotizantes, enquanto sobre o lume se preparavam drogas soporíferas onde se iriam embeber esponjas para se passarem a seguir pelas narinas da paciente.» (Penrose).
Um dia a condessa, irritada, bateu a uma das serviçais. Logo o sangue jorrou e caiu sobre o seu braço. Tudo se precipita para fazer desaparecer o sangue, mas entretanto ele coalhara. Quando por fim se conseguiu limpar a mancha, a condessa contemplou a mão, surpreendida. «No sítio onde o sangue estagnara por alguns minutos, ela viu que a carne tinha um brilho translúcido, como o de uma vela iluminada por outra vela.»
Estamos na fortaleza dos Bathory, sobre a fronteira austro-hungara, no fim do século XV. Um mundo fechado, feito de solidão, neve e altas muralhas.
Nesta região secreta, desenvolvem-se as mais surpreendentes mitologias, mas se se tentar aprofundar um pouco mais para além do mito a realidade é por vezes bem mais aterradora que a própria lenda em si.
Na Hungria, o vampirismo é um título de nobreza como outro qualquer, com a única diferença que doseia o horror e a veneração de uma forma que cada pessoa sente a magia do sangue ainda que a aristocracia construísse os seus castelos no inferno.
Para o mundo de hoje, o vampiro húngaro veste uma camisa de peitilho arrendado, uma capa de cetim negro com dupla face vermelha, à moda dos poetas românticos. Mas quando o coração já não responde a paixões humanas e as mulheres o deixam insensível, a única beldade que lhe diz algo é a do sangue, e vive na angústia da estaca aguçada que trespassará o seu peito. Mas no cinema o vampiro é um modo de exorcizar a verdade, de esconder o verdadeiro rosto dos Drácula, que nada tem de comum com o fantasma da ópera...
No século XV, os vampiros não existem para manter o comércio de imagens de Epinal, mas para a crueldade e perversão que matem ou endoideçam.
Como se viu, a atribuição do nome de Drácula ao arquétipo do vampirismo juntam-se à idéia base de a serpente ou de o dragão (Drakul, Drak = dragão) guardarem o segredo do sangue. O brasão dos Bathory tem a enfeitá-lo o motivo de um fantástico dragão.
Nas campanhas húngaras, amedrontado, o homem reconhece as virtudes do sangue. Não é mais nem menos que essa «água de rejuvenescimento» que os poetas tanto cantaram... mas existe o medo, a maldição, a infelicidade para quem tente violar os segredos do sangue eterno, pois que como revela o Levítico: A alma da carne está no sangue.
Desde muito cedo que Erzsébet Bathory contactou com «o leite venenoso dos sonhos». As lendas que embalaram a sua infância foram povoadas de homens e mulheres vampiros à procura da bebida encarnada que imortaliza.
Casada desde os 15 anos, a sua residência é no castelo de Csejthe, a nordeste da Hungria. O marido, valoroso guerreiro, é alcunhado de «herói negro», combatente valoroso, freqüentemente em guerra com turcos e habsbourgos.
Com 20 anos, idade em que normalmente se freqüentam bailes e recepções na aristocracia húngara, a prima do príncipe Drácula vive numa quase total reclusão. Amantiza-se com o intendente Thorbes, que a inicia em feitiçaria e que, tendo-a casado com Satanás, lhe transmite os ritos secretos da seita de «Ave negra» – sociedade secreta à qual ele pertence – tais como este:
«Agarrai uma galinha negra, e batei-lhe com uma bengala branca até ela morrer. Recolhei o sangue com que tocareis o vosso inimigo, que perecerá de esgotamento ou acidente. Se não for possível tocar-lhe diretamente, colocai um pouco do sangue sobre as suas roupagens.»
A Ordem da Ave Negra mantém estreitas e subterrâneas relações com a Ordem do Dragão de Segismundo da Hungria. Erzsébet participava nas reuniões de magia com Thorbes, com a sua ama, as duas criadas e o mordomo Johannès Ujvary.

Logo que enviuvou, dispensou a companhia de sua sogra e dos subordinados do marido, para se entrega tranqüilamente aos ritos mágicos ensinados por Thorbes.
Uma certa manhã, quando uma das criadas a penteava e acidentalmente lhe arrepelou um pouco os cabelos, logo a esbofeteou. Fê-lo com tal violência que a pobre da rapariga começou a sangrar do nariz. Algumas gotas caíram então numa das mãos da condessa. Afastando as serviçais mandou chamar duas almas danadas, Thorbes e Ujvary, e informou-os em tom excitado:
«O sítio onde o sangue desta mulher me atingiu deixou a minha pele firme, voltou a ter um aspecto de juventude.» E foi desta forma que a condessa Bathory por um simples acaso, reconheceu quanto o sangue era eficaz. A angústia do envelhecer, o aparecimento das rugas, o perder da juventude e beleza como que encontrava de repente uma paragem, um remédio, porque o sangue poderia enfim conservá-la nova e bonita. Neste seu delírio ela já admitia que banhos de sangue poderiam resultar na flexibilidade do corpo e no não envelhecimento. Então, durante dez anos, Erzsébet Bathory ordenou que fossem degoladas uma centena de raparigas camponesas, com a cumplicidade de terceiros, mandadas sob diversos pretextos para Csejthe.
Em Novembro de 1610, uma das vítimas conseguiu fugir antes de ser condenada à morte. O rei Mathias II, conhecedor do caso, encarregou o conde Thurzo de investigar as estranhas práticas da condessa. A 30 de Dezembro de 1610 o conde forçou a vedação do castelo de Csejthe. Na sala grande da torre de mensagem, descobriu horrorizado um cadáver em cujo corpo não havia gota de sangue, vasos cheios de sangue ainda não coagulado, e um moribundo barbaramente torturado. Submetido a interrogatório, o mordomo Ujvary confessou ter participado em trinta e sete assassinatos rituais. Uma tesoura, manejada por Erzsébet Bathory, substituía o punhal sacrifical. Os servos desta estranha missa do sangue recolhiam-no para depois prepararem os banhos de juventude de Erzébeth cuja aparência jovem, comentavam os juízes, «não podia ser senão de origem diabólica».
A condessa confessou arrogante e friamente os seus crimes. Os dois necromantes foram condenados à morte. Arrancaram-lhe as unhas, cortaram-lhes a língua, espetaram-lhe os olhos e por fim queimaram-nos em fogo lento.
Erzsébet foi condenada a confessar a sua culpa e a ser decapitada. A sentença foi comutada, tendo em vista a sua origem e posição, para prisão perpétua «a pão e água». Veio a morrer em 1614, passados anos, encerrada entre as paredes de uma das salas do seu castelo.
Esta triste história desenrolou-se há muito tempo numa região onde reinava a superstição e o terror. Aos sacerdotes ortodoxos foi bastante difícil desenraizar as antigas prátIcas, o culto do sangue, os pactos das possessões diabólicas. Embora os tempos tivessem mudado as coisas, a verdade é que o fascínio mórbido do sangue perturba sempre os cérebros fracos. Em 1941, o professor Léonard Wolf, da Universidade de São Francisco publicou com o título Dream of Dracula tudo o que se lhe oferecia sobre os casos de vampirismo recente, declarando: «[...] existem na Califórnia seitas que praticam a magia do sangue para evocar os mortos e obter os poderes da noite. Assim o provam as práticas de uma seita de Monterey, que utiliza a carcaça de uma moto Sobre a qual se matou William Tingley, o líder do grupo. O novo guru, completamente vestido de couro negro, o tronco coberto de símbolos diabólicos, explica assim o ritual mágico da seita:
«No metal há ainda vestígios de sangue e alguns restos de carne de certas partes do corpo. Este sofrimento magnetizou o metal. Temos portanto, através dele, acesso às fontes energéticas do infinito. Só o utilizamos para o bem e esperamos que, com o tempo, outros possam vir a aproveitá-lo. O tempo não conta para nós. Não fazemos publicidade esperando que, convencidos da nossa força, outros homens venham dessedentar-se na mesma fonte. Nós poderíamos de resto, se ameaçassem a nossa realidade religiosa, drenar a energia dos homens e não a do cosmos. Se nos recusarem viver entre eles, tornar-nos-emos dependentes de outros...»
Esta declaração é significativa quanto à patologia do vampirismo! Em pleno século XX, ainda se faz sentir o mesmo eco... convencidos da nossa força, nós poderíamos utilizar a energia dos outros homens. O poder sobre os outros, a manipulação psíquica, parecem ser as duas obsessões desta seita da Califórnia.
Mas a obsessão do sangue não é só herança de seitas entregues à magia vermelha. Por exemplo no despertar da Belle Epoque as mulheres novas dirigiam-se aos matadouros para beberem copos de sangue da veia jugular de um bovino, acabado de ser abatido, convencidas de ser esta a bebida que iria dar-lhes um reforço de vitalidade. Ainda e sempre a patológica fascinação do sangue, do seu mistério e do seu poder.


Os ritos de proteção

Certos morcegos da América do Sul atingem um tamanho superior a oitenta centímetros. Precipita-se sobre a vítima e, com o bico sugador fixado na jugular provoca-lhe uma espécie de anestesia que evita a dor. Estes vampiros Spectrum, nome dado pelos naturalistas, fazem autênticas devastações na Argentina, como se prova através desta informação citada por R. Ambelain:
«No decorrer do ano de 1958, perto de vinte e cinco mil cabeças de gado morreram de doença causada pelas sucções dos animais em questão.»
O poder de anestesia de que falam os pesquisadores, assemelha-se ao beijo do vampiro se a vítima n oferecer resistência e se se abandonar à mordedura sem terror.
Os morcegos da América do Sul segregam um líquido especial que adormece a rede nervosa da veia jugular. A pessoa que adormece terá simplesmente a impressão de estar com um sonho estranho, uma sensação de dissolução agradável... enquanto o animal noturno lhe vai sugando o sangue.
O elo mágico entre o morto-vivo e o morcego é referido em todos os documentos religiosos da Idade Média.
A visionária Anne Catherine Emmerich afirmava ter visto Jesus Cristo, descrevendo-O detalhadamente. Confidenciou as visões que tivera ao poeta Clemens Brentano, que as redigiu intitulando-as de Vie de Jésus Crist, d'apres les visions de Anne Catherine Emmerich.
Numa passagem do seu livro, ela descreve Asach, na Palestina, infestada de morcegos-demônios. As pessoas desta terra têm feito caça aos repelentes animais malhados, de asas membranosas com as quais voam céleres. São estes os morcegos-demônios que sugam o sangue às pessoas e ao gado enquanto estes dormem. Vêm de densos pântanos impenetráveis e causam os maiores prejuízos...
Para os videntes cristãos, o vampiro depressa foi considerado inimigo de Deus, uma farsa monstruosa à luz divina, o candelabro tombado de que falam os praticantes de magia negra.
Na iconografia cristã, o pelicano tem uma certa analogia com a figura luminosa de Jesus Cristo, pelo fato de também aquele dar o seu sangue e a vida para proteger e alimentar os filhos. Um poema de Alfredo de Musset, evoca o sacrifício do pelicano, arrancando com o bico as entranhas para assim alimentar a sua ninhada.
No outro ponto oposto, o vampiro aparece como antítese do pelicano porque, para assegurar a sua existência, tira a vida ao homem sugando-lhe o sangue.
O Rei David, no Salmos implora a proteção de Deus contra os vampiros:


Livrai-me do que pratica o mal, salvai-me do homem sanguinário.
Regressam pela tarde, ladrando como cães e percorrem a cidade... (58-3.7)


Os seus lábios são como espadas... Vagueiam à busca de alimento, e se não se
saciam rondam a noite... (58-16)


Tal como se dissipa completamente o fumo, e ao contacto com o fogo se derrete a cera, assim se dissipam o ímpios na presença do Senhor. (67-3)


A oração e a fé surgiam como as mais eficazes proteções contra os seres noctívagos. Homens e mulheres vampiros, outros sugadores de sangue e ladrões de almas.
À noite, durante o ofício das Completas6[21] e antes de recolher às celas os frades recitam os seguintes Salmos:


Tu não temerás o terror da noite
Nem a flecha que voa durante o dia
Nem a peste que alastra nas trevas
È que Ele deu ordens aos seus anjos
para te protegerem em todos os caminhos


Tomar-te-ão nas palmas das mãos, não aconteça ferires
nas pedras os teus pés; poderás caminhar por cia de serpentes e víboras.
Calcar aos pés leões e dragões No teu leito, medita, paz e silêncio


Nos mosteiros ortodoxos, enquanto o Santíssimo está alumiado os sugadores de sangue não conseguem entrar porque a luz brilha nas trevas. As luzes votivas têm a mesma função. E como se cada átomo de obscuridade se purificasse pela real presença de Deus.
Os anais do Museu Guimet publicaram um excelente trabalho sobre armas de magia, punhais, espadas, o pentágono estrelado, que serviam, algumas delas, para combater os vampiros da Europa Central.
Na lâmina de uma espada, uma frase grega diz-nos: A mão direita de Cristo te persegue. Esta mão de vingança divina estendia a sua proteção pelos mosteiros, as aldeias, os cemitérios... por todo o lado onde o homem temesse o despertar dos mortos sob a forma de vampiros.
Numa outra lâmina de punhal, encontram-se inscrições cabalísticas em forma de contrações hebraicas: AgIa que não é mais que a contração das quatro iniciais da fórmula Atha Gibor Leolam Adonaï, ou seja, «Cristo é grande na Eternidade».
A contração é uma oração que, comprimida como uma mola, pode a todo o momento aumentar a sua força.
Makaba, gravada sobre uma medalha, traduz o poder de Deus face aos seres da noite. Makaba é a contração do versículo hebraico Mi Komoi'kou Boelim Adonai... isto é: Quem de entre os deuses é semelhante a Ti, Senhor? (Êxodo XV, 11)
Pode encontrar-se nos Anais do Museu Guimet outras espadas cunhadas com a Cruz de Cristo, contendo inscrições latinas: Ego Sund et Genus David, Stella Splendida et Matutina... seguida da fórmula lapidar: Vade Retro Satanás. Em França, no princípio deste século, deitava-se fogo aos morcegos que se deixassem apanhar, apesar da utilidade dos seus serviços como insetívoros. Este exorcismo instintivo e espontâneo é um reflexo de superstição que nada tem a ver com o combate espiritual. E por causa deste medo se mandavam queimar os místicos, os visionários, porque eles não falavam a língua deste mundo, opondo-se ao entenebrecer da sua época.
Para além das superstições, existe o exorcismo real da alma, que não precisa recorrer a espadas mágicas, punhais, ou pentágonos de estrela para combate aos vampiros. Nos mosteiros da Europa Central, a grande proteção residia na oração, no implorar constantemente a Deus, vivo no homem e em todos os mundos tal como a luz do Santíssimo que invade a obscuridade sem que fique espaço para trevas.
Nos mosteiros do Monte Athos, a presença dos vampiros não é uma simples superstição. Terrível é aí o poder do diabo, porque o de Deus também o é. À noite, as celas dos monges são palco das mais duras lutas, agitação, alucinações, despertar violento, suores, pesadelos... gritos rasgam o silêncio, como o rir dos chacais risos que sacodem as abóbadas do velho mosteiro. Os monges escutam... benzem-se e rezam.
Jean Bies conta a sua viagem ao Monte Athos, à Montanha Sagrada, que é também local de pelejas espirituais: «Os demônios dançam no ar. Diz-se que são mais que os mosquitos em noite de Verão. Aqueles que os sentem à sua volta, começam logo a rezar. Nada mais estranho que o fechar cuidadosamente as pesadas portas, à noite, para evitar a entrada dos demônios! Toda a gente terá de entrar até ao pôr do Sol, I senão não se lhe abrirá a porta.
O mais poderoso dos exorcismos é ainda a Oração do Coração aprendida segundo os ensinamentos dos Hésychastes ortodoxos que será repetir o nome de Jesus constantemente, ao ritmo da respiração, acompanhada de um profundo sentimento de adoração, de presença.
Nos Atos dos Apóstolos se declara: «Todo aquele que invocar o nome do Senhor está salvo!» e S. Paulo, «Orai sempre...»
S. João Clímaco, um dos pais da Ortodoxia, propõe 7: a repetição do nome de Jesus como arma suprema contra os demônios noturnos: «Fulmina o teu inimigo com o nome de Jesus. Não existe nos céus nem na terra arma tão poderosa. Shiva e Krishn, repetindo os mantras, os nomes sagrados, afastam as tentações da noite e purificam o sono.»

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