Na Terra dos Mortos que Vivem II




A EXPERIÊNCIA DE UM SARGENTO


- Oh, Jimmie! O Irmão Maior está chegando! Oh! Estou tão contente. Deve ser porque ele quer falar com você pessoalmente.

- Bem, eu preferia que ele não viesse. Eu quero falar com você.

- Aqui está ele.

Jimmie virou-se a um gesto de Marjorie e viu em pé a sua frente, um homem um pouco além da meia-idade, alto, ereto e com nada peculiar que chamasse a atenção, a não ser a capacidade de inspirar nos outros o sentimento de estarmos na presença de um ser de grande poder. O homem curvou-se levemente e, enquanto Marjorie e Jimmie erguiam-se, ele disse:

- Conheço-o muito bem, Sr. Westman, um pouco pela ajuda de nossa amiguinha aqui, - e ele afagou o cabelo de Marjorie suave e carinhosamente. Enviei-a para que o encontrasse primeiro, mas não devemos sobrecarregá-la. Quero que venha comigo por alguns momentos e mais tarde você poderá ter uma longa conversa com ela.

Os modos e o tom do recém-chegado transmitiam tamanho ar de autoridade, que Jimmie nem por um momento pensou em retrucar. Ele simplesmente respondeu ao pequeno e gracioso gesto de adeus de Marjorie e voltou-se para caminhar ao lado do homem a quem Marjorie chamou de "Irmão Maior".

Eles andaram por algum tempo em silêncio, um silêncio que Jimmie achou melhor não interromper pois, de algum modo que ele não podia explicar, sentiu que este homem era um "grande personagem" nesse país, então, acompanhou-o em silêncio até que o homem iniciasse a conversa.

Andaram alguns passos antes do silêncio ser quebrado. Enquanto isto, Jimmie tinha olhado furtivamente ao seu redor para ver onde tinha ido Marjorie, mas, para sua surpresa, ela não estava a vista embora ele tivesse certeza que podia vislumbrar algumas milhas em todas as direções.

- Você descansou bastante - disse seu companheiro finalmente - e não vai ser cansativo para você se eu delinear brevemente alguns deveres que serão seu privilégio cumprir nesta nova vida para a qual acaba de entrar. Mas, antes disso, vou mostrar-lhe um pouco do que aconteceu e está acontecendo. Assim, que se sentir pronto para a informação eu lhe mostrarei por que foi permitida que essa guerra ocorresse no mundo e exatamente de que maneira sua ajuda será necessária.

As coisas são um pouco diferentes aqui do que você está acostumado, e quero chamar-lhe a atenção para um pormenor que Marjorie hesitou em explicar. É sobre o método de sua locomoção. Você não precisa caminhar do modo antigo, é muito mais conveniente e mais rápido usar o que Marjorie sugeriu-lhe no início, deslizar. Todos nós aqui locomovemo-nos assim. Requer apenas um pequeno esforço de vontade, e é tão superior a andar, quanto o andar o é para o engatinhar. Na verdade, quase não há limite de velocidade no deslizar e sem ele seria impossível fazer o trabalho que precisa ser feito nesses tempos árduos. Tente.

Ao explicar isso, ele começou a deslizar como Jimmie havia visto Marjorie fazer. Então, Jimmie esforçou-se e, para sua surpresa, viu que podia locomover-se como fizera muitas vezes sobre o gelo ao patinar, só que o movimento era o resultado de um esforço de vontade e não exigia nenhuma ação do corpo. Ele estava encantado como uma criança com este recém adquirido poder, e deslizou como um patinador no gelo, traçando, várias vezes, a velha e familiar figura do oito e outros desenhos antes de acalmar-se e postar-se ao lado de seu novo conhecido.

Há muito de menino em cada homem, da mesma maneira que existe muito de homem em cada menino e Jimmie estava francamente absorvido e interessado nas possibilidades de deslizar e no fato de estar ao lado do Irmão Maior sem se sentir cansado, sem fôlego e também sem os efeitos que geralmente seguem-se a este extenuante exercício, do que no fato incrível de haver real e verdadeiramente cruzado a "Grande Divisa" e na iminência de aprender o que havia no "Outro Lado da Morte ".

Ajustando-se à velocidade de seu nobre guia, ele sentiu-se um pouco envergonhado com sua exibição de entusiasmo e começou a desculpar-se de uma maneira indireta.

- Esta maneira de deslizar é uma novidade para mim e parece que é exatamente o que eu sempre quis fazer. Sonhei exatamente com isso algumas vezes, e quando percebi que podia deslizar era como se estivesse fazendo novamente algo antigo, familiar.

- Você não está errado. É uma antiga e familiar “sensação”.

- Pode ser que meus patins de gelo é que tornaram isto natural para mim.

- Não. Pareceu-lhe familiar porque você freqüentemente deslizou, portanto, já estava acostumado a fazer isto. Nos seus sonos, sempre passou muito tempo deste lado. Na maioria das vezes não estava verdadeiramente consciente sobre o que estava fazendo, mas parcialmente consciente, embora não fosse capaz de conservar essa recordação quando de sua volta ao mundo físico.

- Céus! Olhe, o que você sabe sobre isto! É um progresso quanto ao andar, não é?

- Bem, eu acho que sim. Vou ensinar aos rapazes quando voltar...

Parou de repente ao perceber que não haveria "volta", o rosto do homem brilhou com compaixão.

- Não - ele disse - "não há volta", mas acho que quando eu lhe mostrar o que está à sua frente, que é tão grandioso e maior do que aquilo que está atrás de nós, você não vai querer voltar, e vai querer, de todo o coração e alma, seguir adiante.

Vou levá-Io de volta, à trincheira onde está sua companhia, pois um de seus amigos vai passar para cá. Não será do mesmo modo como foi com você, pois ele recobrará a consciência quase que imediatamente e quero que você se encarregue dele. Deste modo você aprenderá muito sobre algumas fases dos seus deveres futuros.

E agora - ele continuou - antes de começar realmente seu trabalho, quero imprimir em sua mente que esta guerra foi necessária, pois, de nenhum outro modo, a raça humana poderia ser salva de um destino ameaçador e opressor. Este fato não desculpa aqueles que são responsáveis por tê-la provocado, mas menciono isso porque o grande conflito e o terrível sofrimento fez com que alguns pensassem que os poderes do bem foram abandonados diante dos poderes do mal. Não é assim. Deus reina sobre tudo e assim como o pardal não pode cair sem o Seu conhecimento e vontade, a guerra também não pode ser iniciada sem Seu conhecimento e vontade; mas, como foi dito, isto não desculpa aqueles que a provocaram.

Seu rosto ficou muito sério mas pleno de ternura, e seus olhos tinham uma expressão como se seus pensamentos estivessem muito longe, alcançando os séculos que hão de vir, antes que o bem que resultaria da grande luta, tenha modelado sua forma no tear do tempo.

- Agora - ele concluiu - vamos andar um pouco mais rápido e você poderá usar aquele seu recém-descoberto poder, o deslizar.

Começou a deslizar enquanto falava e movia-se cada vez mais rápido. Jimmie continuou deslizando ao seu lado, ocasionalmente distraia-se fixando sua mente em alguma outra coisa, enquanto assim procedia percebeu que podia parar quando quisesse. Entendeu, por si só que o andar tornou-se para ele uma segunda natureza e que podia movimentar-se assim e ainda pensar em outra coisa, mas quanto a deslizar, por ser ainda uma experiência nova, ele precisava concentrar-se nisso durante todo o percurso.

O Irmão. Maior moveu-se cada vez mais rapidamente e Jimmie seguia-o da melhor maneira possível, embora quando seu companheiro deixou o solo e movimentou-se no ar, Jimmie ficou em dúvida se teria habilidade para seguir um líder tão enérgico. Logo porém, ele foi ficando cada vez mais acostumado com a nova sensação e começou a interessar-se pela paisagem. Percebeu que estava passando por cima de uma parte do país que lhe era familiar e, em outro momento compreendeu que estava se aproximando das trincheiras. Ouviu o detonar dos canhões e viu aviões voando sobre eles, pois ele e seu guia estavam novamente aproximando-se do solo e, no momento seguinte, eles depararam com a borda da trincheira onde ficava seu posto de artilharia.

Lá estava ele, ainda, com um dos homens da companhia e Jimmie sugeriu a seu amigo que seria melhor pularem para dentro da trincheira onde estariam a salvo. Só quando o Irmão Maior sorriu para ele de modo ironicamente diferente, é que ele se lembrou que não existia mais o perigo das balas, pois elas podiam passar através de seus atuais corpos etéricos sem causar desconforto.

O Irmão Maior colocou a mão no braço de Jimmie e apontou para um homem de um pouco mais de 40 anos, vestindo um uniforme de sargento, que estava sentado quieto num pequeno abrigo, fumando um cigarro e olhando uma revista antiga. Enquanto eles o observavam, ele jogou fora o cigarro, colocou a revista de lado, levantando-se devagar e entrando na trincheira. Ele andou despreocupadamente até o posto de artilharia, levantou a cabeça para olhar pela pequena abertura e foi nitidamente perfurado na testa por uma bala. Ficou parado por um momento e depois, quando os músculos perderam sua vitalidade, lentamente relaxaram-se e o corpo também lentamente, escorregou pela parede da trincheira, caindo devagar. Isto foi o que o assustado soldado de plantão presenciou, mas o que Jimmie viu foi o sargento sair calmamente de seu corpo e ficar olhando para o soldado com uma expressão de perplexidade em seu rosto. Jimmie não precisou de nenhum guia para dizer-lhe o que tinha acontecido, e chamou o sargento Strew que olhou para ele e disse devagar:

- Oi, Jimmie, que bom ver você. Quando chegou? Soube que tinha "morrido".

- Oi, amigo - disse Jimmie - acabei de chegar e trouxe um amigo meu.

Ele virou-se para o Irmão Maior e disse:

- Eu o apresentaria a meu amigo, o Sargento Strew, senhor, se soubesse seu nome.

O Sargento Strew pareceu não demonstrar nenhuma surpresa ao ver Jimmie na linha de fogo desta maneira, trazendo um amigo com ele como se a trincheira avançada fosse um lugar de visita. Esta circunstância incomum não pareceu a nenhum deles fora do normal. Geralmente é assim que acontece com aqueles que acabam de "passar" e que não tiveram seus poderes de observação e razão treinados. O sargento sabia que Jimmie estava morto, ou pelo menos foi informado disso e não tinha razões para duvidar do fato. No entanto, quando Jimmie apareceu-lhe vivo, bem e aparentemente à vontade, o sargento aceitou o fato sem hesitar. Porém, se tivesse visto Jimmie antes da bala de precisão ter danificado a ligação entre seus corpos físico e vital o caso teria sido inteiramente diferente.

A maneira respeitosa com que Jimmie se dirigia ao Irmão Maior, também era indicação não só da atmosfera ou aura de dignidade e poder que circundava o Irmão Maior, como mostrava que estas vibrações áuricas não eram impedidas pelo corpo físico, daí serem mil vezes mais potentes do que se isso acontecesse no plano físico. Jimmie nada conhecia sobre vibrações mentais e não tinha a mínima idéia de que a causa de sua atitude estivesse fora dele mesmo, mas estava ciente da atitude de respeito para com o Irmão Maior e agiu de acordo com sua boa educação.

O nome foi dado, eu não posso divulgar, mas vou substituí-lo e direi que o Irmão Maior deu o nome de Campion.

Terminadas as apresentações, o Irmão Maior disse:

- Jimmie, encontre-me dentro de uma hora e traga seu amigo.

- Sim Senhor, mas meu relógio parou e terei que adivinhar a hora. E onde o encontrarei Senhor?

- Mandarei alguém encontrá-lo quando for a hora.

O Irmão Maior aparentemente deu um só passo do fundo até o topo da trincheira, e saiu pela retaguarda. O sargento gritou e saltou para impedi-lo, mas Jimmie segurou-o pelo braço. Strew virou-se para Jimmie.

- Pare-o! Chame-o de volta!

- Não se preocupe com ele - murmurou Jimmie -ouça-me.

- Está bem, tenente, se você quer assim. Mas, Jimmie, como estou contente em revê-lo. Mas, você percebeu como aquele seu amigo subiu a trincheira num só passo? Que homem, não?

- É, ele realmente é.

- Vai ser uma ótima notícia para os rapazes saber que você está bem de novo. Ouvimos que você tinha morrido, três dias atrás. Estou muito contente em saber que foi um erro, mas, onde você esteve todo este tempo?

Jimmie tinha chegado no momento exato em que havia uma trégua na luta e o Sargento Strew tinha sido a única vítima fatal naquela hora. O sargento estava tão ocupado olhando e conversando com Jimmie que não percebeu as pessoas que rodeavam o seu corpo morto. Jimmie estava aturdido, pois não sabia como contar o sucedido de maneira suave. Nunca havia tido essa missão antes.

- Bem, sargento, a coisa mais curiosa de tudo isto, é que a notícia que lhe deram é a pura verdade.

- O que é verdade?

- Bem, que eu fui morto.

- Você foi atingido na cabeça é este o seu problema.

- Não, não fui. Estou fornecendo as informações verdadeiras. Eu fui morto.

- Jimmie, volte e diga ao médico para consertar sua cabeça. Você não está “regulando bem”. Eu devia ter desconfiado disso, pois você não devia ter trazido aquele lépido, ágil senhor até aqui, uma vez que sabe que é contra qualquer regulamento, mesmo sendo você um tenente, e também não sei como ele saiu, passando por todos os oficiais.

- Bem, é assim, sargento, muitos homens são mortos e nunca chegam a saber o que aconteceu a eles.

- Sim, e alguns acham que estão mortos quando nada aconteceu. Se você tivesse morrido, sabe que seria agora um fantasma, como diacho eu poderia vê-Io e estar falando com você? Não pode ser, Jimmie. Você está tão vivo quanto eu.

- Isto também é verdade, sargento, mas se olhar para trás um momento, vai ver que você está tão morto quanto eu.

Jimmie apontou para o corpo morto que tinha sido colocado sobre umas tábuas no fundo da trincheira, pronto para ser retirado para a retaguarda se as coisas continuassem quietas depois de escurecer. O sargento virou-se e olhou. Olhou por muito tempo e em silêncio. Andou e ficou ao lado do corpo olhando-o cuidadosamente. Falou com o sentinela no posto de artilharia, mas não obteve nenhuma resposta, falou novamente, mais forte, e depois caminhou até ele tocando-o no ombro; tentou sacudi-lo mas, sentindo suas mãos penetrar dentro dele, desistiu de tentar. Virou-se para Jimmie e disse abruptamente:

- Acho que você está certo, Jimmie. Eu morri.

Jimmie olhou para o Sargento Strew e este olhou para Jimmie. Nenhum dos dois sabia o que dizer. A situação era nova e embora Jimmie conseguisse encontrar palavras para confortar um amigo que tivesse perdido algum ente querido, sempre esse dever pareceu-lhe difícil; mas, neste caso, quando era o pr6prio amigo que tinha morrido e quem procurava confortá-lo também estava morto, a situação tomou-se curiosa. Jimmie sorriu suavemente. O momento era muito sério, mas havia nele um elemento de humor. Isto pareceu-lhe engraçado, pois humor e a vida após a morte tinham sido considerados por ele como ocorrência tão distante quanto os pólos. Até onde ele tinha conhecimento, ninguém jamais havia ligado as duas coisas. O sargento, porém, estava muito sério.

- Então, aconteceu finalmente - ele disse em parte para ele mesmo, em parte para Jimmie. Aconteceu finalmente e não é nem de leve corno pensei que fosse. Diga-me - ele olhou para Jimmie - você já está assim há três dias e já deve estar sentindo-se em casa a esta altura, portanto, onde eles estão?

- Onde estão o que?

- Bem, céus, embora eu saiba que nós não vamos para lá logo no começo, onde estão todas as coisas que os padres contam sobre o inferno, os diabos e tudo o mais? Aqui é exatamente igual ao lugar que estávamos antes e não vejo muita diferença, exceto que Milvane não me ouviu quando eu falei com ele. Mas o que se faz aqui? Saímos a procurar uma harpa para tocar, vamos lutar, ou o que? Suponhamos que um grupo de fantasmas alemães apareçam, que vamos fazer?

- Sinceramente não sei - disse Jimmie, para quem a idéia era nova.

- Bem, não sei o que podemos fazer, mas tinha certeza que posso aporrear qualquer fantasma alemão envolto em panos brancos que se apresentar.

Jimmie sentiu urna sensação estranha. Jamais havia sido um rapaz profano e sua imprecação pior tinha sido a palavra "droga". Mais forte do que isto, ele raramente proferia, mas agora que o sargento tinha usado algumas palavras impróprias, que talvez, alguns companheiros classificassem de palavrão, isto é autêntico palavrão, Jimmie teve uma sensação quase igual à dor. Era um sentimento misto, não uma dor física mas ao mesmo tempo semelhante a ela; era muito mais que simples repugnância à alguma coisa que antigamente nem teria notado. Lembrou-se do pedido do Irmão Maior e considerou se já havia passado uma hora. Sendo assim, ele devia levar seu amigo à presença atemorizante daquele estranho homem. Suas dúvidas foram esclarecidas pela repentina aparição, surgindo do nada, de uma criança sorridente que se aproximou dele dançando, pronunciando as palavras de uma forma cantarolada, como as crianças geralmente fazem.

- Venha, Jimmie, o Irmão Maior o espera.

Jimmie virou-se para o sargento que estava tentando interferir com um soldado ocupado em remover o cinto de munição do seu corpo abandonado.

- Venha, sargento, o Sr. Campion quer nos ver.

- Azar de seu amigo. Olhe este idiota tentando tirar todos os meus cartuchos e ele sabe muito bem que eu tenho todo o meu tabaco num dos bolsos e eu sou responsável por aquele cinto. Solte isso, seu tonto!

Esta última imprecação foi dirigida ao soldado a quem o sargento deu um murro com a mão direita que sob condições normais, poderia quase derrubar um touro, mas o soldado não teve a mínima reação. O sargento ficou imóvel de tanta raiva.

Jimmie teve que parar um minuto para esclarecer a situação em sua própria mente e então com uma risada, ele colocou-se entre o encolerizado sargento e o impassível ladrão, que não era um ladrão mas simplesmente um soldado obedecendo ordens.

- Saia daí, sargento! Você está morto! entende isso? Você está morto! Você não pode machucar aquele rapaz. Venha comigo. Você está morto!

O sargento deu um passo para trás, olhou Jimmie por um momento, com uma expressão de perplexidade em seu rosto, e coçando a cabeça disse pensativamente:

- É verdade, eu tinha esquecido.

- Lógico - Jimmie sorriu para ele - E para que serviria seu tabaco? Você não pode fumar agora.

O sargento parou de repente, com uma sacudidela ficou ereto, olhou para Jimmie abrindo cada vez mais os olhos, horrorizado.

- Aquilo não era o inferno?

Outra vez Jimmie sentiu aquele doloroso sentimento apoderar-se dele quando o sargento pronunciou essas palavras. Novamente duvidou da conveniência de conduzir esse soldado profano, corajoso e honrado que ele sabia ser, diante do Irmão Maior que era como Jimmie tinha qualificado, de algo parecido com um "Pastor perspicaz", ou um "Piloto do Céu". O exército raramente usava a palavra ministro, e Jimmie havia adquirido o vernáculo militar. O que pensaria este amigo de Marjorie se o Sargento Strew se esquecesse e proferisse casualmente um palavrão?

Novamente a criancinha com o rosto sorridente dançou diante de seus olhos e repetiu a mensagem.

- Venha Jimmie, o Irmão Maior precisa de você.

Desta vez Jimmie fez questão de obedecer.

- Venha sargento, são ordens, tenho que levar você comigo.

O sargento foi, pensativo, murmurando alguma coisa sobre tabaco e a inutilidade de um lugar onde não se pode fumar um cigarro reconfortante. Apesar disso, seguiu com um ar preocupado, alçando-se fora da trincheira atrás de Jimmie e olhando nervosamente ao redor como se temesse que ao vê-lo pudesse excitar Fritz e recomeçar o bombardeio.

- Não se preocupe - disse Jimmie, percebendo a apreensão do sargento - Fritz não pode ver você, e se pudesse não poderia machucá-lo. Você está totalmente morto.

- Está certo, eu nunca pensei nisso. Ainda não me acostumei com a idéia de estar morto.

Passou a mão aborrecido por sua testa, depois teve um sobressalto ao sentir o buraco em sua cabeça e retirou sua mão cheia de sangue. Apalpou cuidadosamente o lugar onde os projéteis se haviam instalado.

- Olhe, acho melhor eu ir tratar disto. É um lugar ruim para ser atingido. Eu devia ter, é um milagre eu não...

Calou-se de repente e olhou pensativo para Jimmie. O ferimento evidentemente o impressionara, pois, apesar da evidência, ele ainda não tinha absorvido a idéia de que estava morto. Geralmente leva muito tempo para convencer-nos de uma coisa que sabemos e admitimos prontamente como uma simples afirmação do fato. Apesar do sargento saber que estava morto, ele ainda não se convencera da realidade, nem havia aprendido a coordenar seus pensamentos com o que sabia ser a verdade e o impulso arraigado de "tratar" um ferimento antes de sobrevir complicações, era muito forte para ser abandonado.

Jimmie não sabia, e portanto não podia explicar ao sargento, que o sangue que tinha manchado sua mão era simplesmente o resultado de sua firme e fixa idéia de que deveria haver sangue onde existisse um grande ferimento. Subconscientemente, o sargento compreendia que se estava morto e era um fantasma, então, não podia sangrar. No entanto ele estava sangrando, pois sua mão não estava coberta de sangue? Portanto, parcialmente por métodos conscientes e em parte por métodos subconscientes, chegou um ponto em que duvidava realmente se estava morto ou não. As teorias foram jogadas ao vento. O ferimento era um fato prático e convincente.

- Diga-me, Jimmie, preciso ir tratar disto. Vou ver seu amigo outra hora. Tenho que ir antes que fique pior.

Era, sem dúvida, um ferimento muito feio, não só por onde a bala tinha penetrado na testa, mas muito pior, por onde ela havia saído na parte posterior da cabeça, onde o ferimento era muito maior. Jimmie percebeu a necessidade de "tratá-lo". Mas um pensamento passou por sua mente: onde?

Por mais caridosa e abnegada que fosse a Cruz Vermelha, não havia nenhum hospital que ele conhecesse onde um homem invisível pudesse ser tratado de um ferimento mortal, do qual já estivesse morto.

- Onde você vai, sargento - ele perguntou - onde acha que pode tratar disso? Não entendeu ainda que foi isso que o matou?

- Eles não têm hospitais aqui? - perguntou o sargento – para onde vão os fantasmas quando são feridos?

- Eles não se machucam.

- Duvido! Eu estou machucado, não estou? Se não tratar disto estou sujeito a...

- A que, sargento? A voltar à vida novamente?

- Raios, Jimmie. Isto dói muito. É incrível que você não chame uns enfermeiros ou uma ambulância ou alguma coisa em vez de ficar aí sorrindo como um tonto. Lógico que eles têm ambulância aqui. Naturalmente eles devem ter.


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