O Lado Oculto do Cristianismo (Annie Besant)
O Lado Oculto do Cristianismo (Annie Besant)
a)
O Testemunho das Escrituras
Tendo
visto que as religiões do passado reivindicaram uníssonas ter um
lado oculto, ser custódias de "Mistérios", e que esta
reivindicação foi endossada pela busca de Iniciação pelos homens
mais eminentes, devemos agora averiguar se o Cristianismo fica fora
deste círculo de religiões, sozinho sem uma Gnose, oferecendo ao
mundo uma fé simples e não um conhecimento profundo. Se for assim,
seria em verdade um fato triste e lamentável, provando ser o
Cristianismo apenas destinado a uma só classe, e não a todos os
tipos de seres humanos. Mas que isto não é assim, seremos capazes
de provar além da possibilidade de dúvida racional.
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E
esta prova é a coisa que a Cristandade mais urgentemente necessita
nestes tempos, pois até a própria flor da Cristandade está
perecendo por falta de conhecimento. Se o ensino esotérico puder ser
restabelecido e angariar estudantes pacientes e dedicados, não
demorará muito para que o lado oculto também seja restaurado.
Discípulos dos Mistérios Menores se tornarão candidatos aos
Maiores, e com a reobtenção do conhecimento voltará também a
autoridade do ensinamento. E de fato a necessidade é grande. Pois,
olhando para o mundo em volta de nós, descobrimos que a religião no
Ocidente está sofrendo da mesma dificuldade que teoricamente nós
deveríamos esperar encontrar. O Cristianismo, tendo perdido seu
ensino místico e esotérico, está perdendo terreno entre grande
número das pessoas mais altamente educadas, e a revivescência
parcial durante os últimos anos é coincidente com a reintrodução
de alguns ensinamentos místicos. É patente para todo estudante nos
últimos 40 anos do século passado (o século XIX), que multidões
de pessoas inteligentes e de alta moralidade tenham se desviado para
fora das igrejas, porque os ensinamentos que recebiam lá ultrajavam
sua inteligência e chocavam seu senso moral. É inútil pretender
que o agnosticismo disseminado deste período tenha suas raízes seja
na falta de moralidade ou na deliberada perversidade de mente.
Qualquer um que estudar com cuidado o fenômeno logo admitirá que
homens de poderoso intelecto foram levados para fora do Cristianismo
pela crueza das idéias religiosas apresentadas, as contradições
nos ensinamentos das autoridades, nas concepções sobre Deus, o
homem e o universo, que nenhuma inteligência treinada poderia chegar
a admitir. Nem pode ser dito que qualquer tipo de degradação moral
esteja na raiz da revolta contra os dogmas da Igreja. Os rebeldes não
eram ruins demais para a sua religião. Ao contrário, foi a religião
que ficou ruim demais para eles. A rebelião contra o Cristianismo
popular foi devida ao despertar e crescimento da consciência; foi a
consciência que se revoltou, assim como a inteligência, contra
ensinamentos desonrosos tanto para Deus quanto para o homem, que
representavam Deus como um tirano, e o homem como sendo
essencialmente mau, obtendo a salvação por submissão escrava.
A
razão para esta revolta jaz no gradual rebaixamento do ensinamento
Cristão para uma alegada simplicidade, para que o mais ignorante
pudesse ser capaz de compreendê-lo. Os religiosos Protestantes
assertaram sonoramente que nada deveria ser pregado exceto aquilo que
pudesse ser compreendido, que a glória do Evangelho está em sua
simplicidade, e que a criança e o inculto deveriam ser capazes de
entendê-lo e aplicá-lo à vida. Bastante verdadeiro, se com isto se
quisesse dizer que existem algumas verdades religiosas que todos
podem entender, e que a religião falha se deixa o mais inferior, o
mais ignorante, o mais estúpido, de fora de sua influência
elevadora. Mas falso, completamente falso, se com isso se quiser
dizer que a religião não tem verdades que o ignorante não possa
compreender, que é uma coisa tão pobre e limitada a ponto de não
ter nada para ensinar que esteja acima do pensamento do não
inteligente ou acima do nível moral do degradado. Falso, fatalmente
falso, se este for seu sentido; pois à medida que esta visão se
espalha, ocupando os púlpitos e sendo proclamada nas igrejas, muitos
homens e mulheres nobres, cujos corações quase se partem quando
rompem sua ligação que os une à sua antiga fé, saem das igrejas,
e deixam seus lugares ser preenchidos pelos hipócrita e pelo
ignorante. Eles ou passam para um estado de agnosticismo passivo, ou
- se são jovens e entusiastas - para uma condição de agressão
ativa, não acreditando que aquilo que poderia ser a coisa mais
elevada ultraje tanto o intelecto como a consciência, e preferem a
honestidade de uma descrença aberta ao embotamento do intelecto e da
consciência sob imposição de uma autoridade em quem não
reconhecem nada que seja divino.
Neste
estudo do pensamento de nosso tempo vemos que a questão de um
ensinamento oculto em conexão com o Cristianismo se torna de
importância vital. O Cristianismo há de sobreviver como a religião
do Ocidente? Viverá através dos séculos futuros, e continuará a
ter uma parte na formação do pensamento das raças ocidentais em
evolução? Se há de viver, deve recuperar o conhecimento que
perdeu, e ter de novo seus místicos e seus ensinamentos ocultos;
deve mais uma vez colocar-se como uma autoridade ensinando as
verdades espirituais, revestido da única autoridade que vale alguma
coisa, a autoridade do conhecimento. Se estes ensinamentos forem
recuperados, sua influência logo será vista nas novas e mais amplas
concepções da verdade; dogmas, que agora parecem apenas meras
cascas e plumas, deverão novamente ser apresentações de partes das
realidades fundamentais. Em primeiro lugar, o Cristianismo
reaparecerá no "Lugar Santo", no Templo, de modo que todos
que sejam capazes de receber suas linhas de pensamento divulgado em
público; e em segundo lugar, o Cristianismo Oculto descerá outra
vez ao Ádito, residindo detrás do véu que guarda o "Santo dos
Santos", para dentro do qual só os Iniciados podem passar.
Então novamente o ensinamento oculto estará ao alcance daqueles que
se qualificarem para recebê-lo, de acordo com as antigas regras,
aqueles que desejam nos dias de hoje enfrentar as antigas exigências,
feitas a todos os que hão de alegrar-se em conhecer a realidade e a
verdade das coisas espirituais.
Mais
uma vez voltemos nossos olhos para a história, para vermos se o
Cristianismo foi único entre as religiões em não possuir nenhum
conhecimento interno, ou se assemelhou-se a todas as outras possuindo
este tesouro oculto. Este problema é uma questão de evidência, não
de teoria, e deve ser decidido pela autoridade dos documentos
existentes e não pelo mero "assim se diz" dos Cristãos
modernos.
É
fato que tanto o Novo Testamento e os escritos da Igreja Primitiva
fazem as mesmas declarações sobre a posse de tais ensinamentos pela
Igreja, e sabemos a partir deles do fato da existência dos Mistérios
- chamados Mistérios de Jesus, ou Mistério do Reino -, das
condições impostas aos candidatos, algo da natureza geral dos
ensinamentos dados, e outros detalhes. Certas passagens no Novo
Testamento ficariam inteiramente obscuras, não fosse pela luz
lançada neles pelas declarações definidas dos Padres e Bispos da
Igreja, mas debaixo daquela luz elas se tornam claras e inteligíveis.
Teria
na verdade sido estranho se fosse diferente, quando consideramos as
linhas do pensamento religioso que influenciaram o Cristianismo
primitivo. Aliado aos hebreus, os persas, os gregos, tinto pelos
antigos credos da Índia, profundamente colorido pelo pensamento
sírio e egípcio, este último ramo do grande tronco religioso não
poderia fazer outra coisa senão reafirmar as antigas tradições,
colocando ao alcance das raças ocidentais todo o tesouro das
tradições antigas. "A fé antigamente confiada aos Santos"
teria na verdade sido esvaziada deste valor principal se, quando
transmitida para o Ocidente, a pérola do ensinamento esotérico
tivesse sido escamoteada.
A
primeira evidência a ser examinada é a do Novo Testamento. Para
nossos propósitos podemos colocar de lado todas as enfadonhas
questões das diferentes redações e dos diferentes autores, que só
podem ser julgadas por eruditos. A erudição crítica tem muito a
dizer sobre a idade dos manuscritos, sobre a autenticidade dos
documentos, e assim por diante. Podemos aceitar as Escrituras
canônicas como demonstração do que era acreditado na Igreja
Primitiva a respeito do ensino de Cristo e de Seus seguidores
imediatos, e ver o que elas dizem sobre a existência de um
ensinamento secreto transmitido somente a uns poucos. Tendo visto as
palavras postas na boca do próprio Jesus, e consideradas pela Igreja
como de suprema autoridade, olharemos para os escritos do grande
apóstolo São Paulo; então consideraremos as declarações feitas
por aqueles que herdaram a tradição apostólica e guiaram a Igreja
durante os primeiros séculos. Ao longo desta ininterrupta linha de
tradição e testemunho escrito pode ser estabelecida a proposição
de que o Cristianismo tinha um lado oculto. Veremos ainda que os
Mistérios Menores de interpretação mística podem ser acompanhados
através dos séculos até o início do século XIX, e que embora já
não houvesse Escolas de Misticismo reconhecidas como preparatórias
para a iniciação depois do desaparecimento dos Mistérios, ainda
assim grandes Místicos, de tempos em tempos, alcançaram os degraus
inferiores do êxtase por seus próprios esforços contínuos,
auxiliados sem dúvida pelos Instrutores invisíveis.
As
palavras do próprio Mestre são claras e definidas, e foram, como
veremos, citadas por Orígenes como referentes ao ensinamento secreto
preservado na Igreja. "E quando estava sozinho, aqueles que
estavam com Ele, os doze, faziam-Lhe perguntas sobre as parábolas. E
Ele lhes disse: 'A vós é dado conhecer o mistério do Reino de
Deus, mas a eles que estão de fora, todas estas coisas são dadas em
parábolas' ". E mais adiante: "Com muitas parábolas
semelhantes Ele pregava a palavra à multidão, pois só assim podiam
ouvir. Mas sem parábolas Ele não lhes falava; e quando eles estavam
sozinhos Ele explicava todas as coisas aos Seus discípulos"
(Marcos, IV, 10, 11, 33, 34. Vide também Mateus, XIII, 11, 34, 36, e
Lucas, VIII, 10). Percebam as significativas palavras "quando
estavam sozinhos", e a frase "aqueles que estão de fora".
Também na versão de São Mateus: "Jesus despediu a multidão,
e entrou na casa; e Seus discípulos foram com Ele". Estes
ensinamentos dados "na casa", os significados mais
recônditos de Suas instruções, considera-se que eram transmitidos
de instrutor a instrutor. O Evangelho dá, note-se, as explicações
místicas alegóricas, aquilo que chamamos Os Mistérios Menores, mas
o significado mais profundo diz-se ter sido dado somente aos
iniciados.
Novamente,
Jesus diz até mesmo aos Seus apóstolos: "Eu ainda tenho muitas
coisas para vos dizer, mas ainda não sois capazes de as receber"
(João, XVI, 12). Algumas delas provavelmente foram ditas depois de
Sua morte, quando Ele foi visto pelos discípulos "falando das
coisas pertencentes ao Reino de Deus" (Atos, 1, 3). Nenhuma
delas foi registrada publicamente, mas quem pode acreditar que foram
deixadas de lado ou esquecidas, e não preservadas como algo
inestimável? Havia uma tradição na Igreja que Ele visitou Seus
apóstolos durante um considerável período após Sua morte, para
dar-lhes instrução - um fato a que faremos menção mais tarde - e
no famoso tratado Gnóstico Pistis Sophia, lemos: "chegou-se a
dizer que, depois de ressuscitar dos mortos, Jesus passou onze anos
falando com Seus discípulos e instruindo-os" (loc. cit., trad.
G.R.S. Mead, I, I, 1). Então vem a frase, que muitos gostam de
amenizar e explicar evasivamente: "Não deis o que é santo aos
cães, nem lanceis vossas pérolas ao porcos" (Mateus, VII, 6) -
um preceito que é de aplicação geral, na verdade, mas foi
considerado pela Igreja Primitiva referir-se aos ensinamentos
secretos. Deveria ser lembrado que as palavras não tinham a mesma
dureza naqueles dias como têm agora, pois a palavra "cães"
- significando o vulgo, o profano - era aplicada por aqueles de um
determinado círculo a todos os que eram de fora de seu grupo, seja
por uma sociedade ou associação, ou por uma nação - como pelos
Judeus a respeito dos Gentios (assim como sobre as mulheres gregas:
"Não é lícito tirar o pão das crianças e jogá-lo para os
cães" - Marcos, VII, 27). Algumas vezes era usada para designar
aqueles que estavam fora do círculo dos Iniciados, e a encontramos
aplicada neste sentido na Igreja Primitiva; aqueles que, não tendo
sido iniciados nos Mistérios, eram considerados como fora do "Reino
de Deus", ou da "Israel espiritual", e tinham este
nome aplicado a eles.
Havia
diversos nomes, além do termo "O Mistério", ou "Os
Mistérios", usados para designar o círculo sagrado de
Iniciados ou ligados à Iniciação: "O Reino". "O
Reino de Deus", O Reino dos Céus", A Vereda Estreita",
"A Porta Estreita", "O Perfeito", "O Salvo",
"Vida Eterna", "Vida", "O Segundo
Nascimento", "O Pequenino", "A Criancinha".
O significado é tornado claro pelo uso destas palavras nos primeiros
escritos Cristãos, e em alguns casos fora do círculo Cristão.
Assim, o termo "O Perfeito" era usado pelos Essênios, que
tinham três graus em suas comunidades: os Neófitos, os Irmãos, e
os Perfeitos - sendo estes os Iniciados; e é empregado geralmente
neste sentido nos antigos escritos. "A Criancinha" era o
nome comum para um candidato recém iniciado, isto é, aquele que
recém teve seu "segundo nascimento".
Quando
passamos a conhecer este uso, muitas passagens de outro modo obscuras
e rudes se tornam inteligíveis. "Então um disse-lhe: Senhor,
serão poucos os salvos? E Ele respondeu-lhes: Esforçai-vos para
entrar pela porta estreita; pois digo-vos, muitos procurarão entrar
e não serão capazes" (Lucas, XIII, 23, 24). Se isto for
aplicado, do modo Protestante usual, à salvação do fogo eterno do
inferno, a afirmação se torna incrível, chocante. Não se pode
supor que nenhum Salvador do mundo possa afirmar que muitos
procurarão evitar o inferno e entrar no céu, mas não serão
capazes de fazê-lo. Mas se aplicado à estreita porta de entrada na
Iniciação e sua conseqüente salvação do renascimento, é
perfeitamente verdadeiro e natural. E novamente: "Entrai pela
porta estreita; pois larga é a porta e amplo é o caminho que conduz
à destruição, e muitos serão os que andarão neles; porque
estreita é a porta e apertado é o caminho que conduz à vida; e
poucos o encontrarão" (Mateus, VII, 13, 14). A advertência que
se segue imediatamente contra os falsos profetas, os mestres dos
Mistérios tenebrosos, é muito própria em relação a aquilo.
Nenhum estudante pode esquecer o som familiar destas palavras usadas
no mesmo sentido em outras passagens. A "antiga vereda estreita"
é familiar a todos; a senda "tão difícil de trilhar como se
fosse o fio de uma navalha" (Kathopanishad, II, IV, 10, 11) já
mencionado; a perambulação "de morte em morte" daqueles
que seguem o florido caminho dos desejos, daqueles que não conhecem
Deus; pois só se tornam imortais e escapam da bocarra da morte, da
repetida destruição, aqueles homens que eliminaram todos os desejos
(Brhadâranyakopanishad, IV, IV, 7). A alusão á morte, é claro, é
feita aos repetidos nascimentos da alma na existência material
grosseira, considerada sempre como "morte" quando comparada
à "vida" dos mundos mais elevados e sutis.
Esta
"Porta Estreita" era o portal da Iniciação, através dele
o candidato entrava no "Reino". E sempre foi e deve ser
verdadeiro que somente uns poucos podem passar por aquele portal,
embora miríades - uma excepcionalmente "grande multitude, que
ninguém poderia contar" (Apocalipse, VII, 9), e não uns poucos
- adentrem a felicidade do mundo celeste. Assim também falou um
outro grande Instrutor, há quase três mil anos atrás: "Dentre
milhares de homens talvez só um se esforce pela perfeição; dentre
os milhares que a obtém talvez só um Me conheça em essência"
(Bhagavad Gita, VII, 3). Pois são poucos os Iniciados em cada
geração, são a flor da humanidade; mas nenhuma frase terrível de
condenação eterna é pronunciada nesta declaração sobre a vasta
maioria da raça humana. Como Proclo ensinou (vide ante, p. 23), os
salvos são os que escapam do ciclo da geração, ao qual está atada
a humanidade.
Em
conexão a isto podemos lembrar da história do jovem que veio a
Jesus, e chamando-lhe de "Bom Mestre", perguntou como ele
poderia obter a vida eterna - a bem reconhecida liberação dos
renascimentos através do conhecimento de Deus (deve ser lembrado que
os Judeus acreditavam que todas as almas imperfeitas voltavam para
viver novamente na Terra). Sua primeira resposta foi o preceito
exotérico usual: "Observa os mandamentos". Mas quando o
jovem respondeu: "Todas estas coisas eu tenho observado desde
minha juventude", então, para aquela consciência livre de toda
a transgressão, veio a resposta do verdadeiro Mestre: "Se
queres ser perfeito, vai e vende tudo o que tens, e dá aos pobres, e
terás um tesouro nos céus, depois vem e segue-Me". "Se
queres ser perfeito", ser um membro do reino, devem ser
abraçadas a pobreza e a obediência. E então para os seus próprios
discípulos Jesus explica que dificilmente um homem rico pode entrar
no Reino dos Céus, sendo tal entrada mais difícil que um camelo
passar pelo buraco de uma agulha; pelos homens esta entrada não
poderia ocorrer, por Deus todas as coisas são possíveis (Mateus,
XIX, 16-26). Somente Deus no homem pode ultrapassar aquela barreira.
Este texto tem sido explicado de várias maneiras, sendo obviamente
impossível conseguí-lo tomando seu significado superficial, que um
homem rico não pode entrar em um estado de felicidade pós-morte.
Neste estado entram tanto o rico como o pobre, e as práticas
universais dos Cristãos mostram que eles nem por um momento
acreditam que a riqueza impeça sua felicidade após a morte. Mas se
o significado real de "Reino dos Céus" for aplicado, temos
a expressão de um fato simples e direto. Pois aquele conhecimento de
Deus que é Vida Eterna (João, XVII, 3) não pode ser obtido até
que tudo o que for terreno seja abandonado, não pode ser aprendido
até que tudo tenha sido sacrificado. O homem deve desistir não só
da riqueza terrena, que daí em diante pode passa por suas mãos só
para administrá-la, mas ele deve desistir também de sua riqueza
interna, até onde ele a guardar como sua contra o mundo; antes que
ele seja desnudado não poderá passar pela porta estreita. Este tem
sido sempre um requisito para a Iniciação, e o voto do candidato
tem sido sempre "pobreza, obediência, castidade".
O
"segundo nascimento" é um outro termo bem conhecido para
Iniciação; mesmo hoje na Índia as castas mais elevadas são
chamadas "duas vezes nascidas", e a cerimônia que os torna
duas vezes nascidos é uma cerimônia de Iniciação - na verdade
mera simulação, nos dias de hoje, mas segue "o padrão das
coisas que está no céu" (Hebreus, IX, 23). Quando Jesus está
se dirigindo a Nicodemos, Ele fala que "a não ser que um homem
nasça duas vezes, não pode ver o Reino de Deus", e este
nascimento é dito como sendo aquele "da água do Espírito"
(João, III, 3, 5); esta é a primeira Iniciação; uma ulterior é a
"do Espirito Santo e do fogo" (Mateus, III, 11), o batismo
do Iniciado em sua maturidade, assim como a primeira é a do
nascimento, que o recebe como "uma Criancinha" que entra no
Reino (ibid., XVIII, 3). Quão totalmente familiares eram estas
imagens entre os místicos dos Judeus é indicado pela surpresa
demonstrada por Jesus quando Nicodemos se embaraçava com Sua
fraseologia mística: "Tu és um mestre de Israel e não
conheces estas coisas?" (João, III, 10).
Um
outro preceito de Jesus que permanece como "um ditado rude"
para seus seguidores é: "Sêde perfeitos, assim como vosso Pai
no céu é perfeito" (Mateus, V, 48). O Cristão comum sabe que
possivelmente não conseguirá obedecer a este mandamento; cheio como
está com as fragilidades e fraquezas humanas, como poderá ser
perfeito como Deus é perfeito? Vendo a impossibilidade da meta posta
diante dele, ele discretamente a põe de lado, e não pensa mais
nisso. Mas vista como o esforço coroador de muitas vidas de melhoras
constantes, como o triunfo do Deus interno sobre a natureza inferior,
a meta parece então dentro do alcance, e lembramos as palavras de
Porfírio, sobre como o homem que atinge as "virtudes
paradigmáticas é o Pai dos Deuses" (vide ante, p. 24) e que
nos Mistérios aquelas virtudes são adquiridas.
São
Paulo segue nas pegadas de seu Mestre, e fala exatamente do mesmo
sentido, mas com uma explicitude e clareza maiores, como poderia ser
esperado a partir de seu trabalho organizador na Igreja. O estudante
deveria ler com atenção os capítulos II e III, e o versículo 1 do
capítulo V da Primeira Epístola aos Coríntios, lembrando, à
medida que lê, que as palavras são endereçadas aos membros
batizados e comungantes da Igreja, membros plenos no sentido moderno,
embora, descritos como bebês e carnais pelo Apóstolo. Eles não
eram catecúmenos ou neófitos, mas homens e mulheres que estava em
plena posse de todos os privilégios e responsabilidades como membros
da Igreja, reconhecidos pelo Apóstolo como estando apartados do
mundo, e dos quais não esperava que se portassem como homens do
mundo. Eles estavam, de fato, de posse de tudo o que a Igreja moderna
dá aos seus membros. Resumamos as palavras do Apóstolo:
"Eu
venho a vós trazendo o testemunho divino, e não vos enganando com
sabedoria humana, mas venho com o poder do Espírito. Em verdade
'falamos sabedoria entre os que são perfeitos, mas não é sabedoria
humana'. Falamos da sabedoria de Deus em mistério, mesmo a sabedoria
oculta, que Deus ordenou antes que o mundo existisse, a qual nem os
príncipes deste mundo conhecem. As coisas daquela sabedoria estão
além do entendimento dos homens, 'mas Deus as revela a eles por Seu
Espírito... as coisas íntimas de Deus', 'ensinadas pelo Espírito
Santo' (Note-se como isto se alinha com a promessa de Jesus em João,
XVI, 12-14: "Eu tenho ainda muitas coisas a vos dizer, mas ainda
não as podeis suportar. Porém quando Ele, o Espírito da Verdade,
vier, Ele vos guiará em toda a verdade... Ele vos mostrará as
coisas do porvir... Ele as receberá de Mim e as mostrará a vós").
Estas são coisas espirituais, a serem discernidas somente pelos
homens espirituais, em quem está a mente de Cristo. 'E Eu, irmãos,
não vos poderia falar como falo aos espirituais, mas falo como aos
carnais até mesmo para os bebês em Cristo... Eles não eram capazes
de o suportar, como vós não o suportaríeis ainda. Pois sois ainda
carnais'. Como um mestre-construtor [um outro termo técnico nos
Mistérios] Eu deixei as fundações' e 'vós sois o Templo de Deus,
e o Espírito de Deus habita em vós'. 'Que um homem nos considere
assim, como ministros de Cristo, e guardiães dos Mistérios de Deus'
".
Alguém
pode ler esta passagem - e tudo o que foi dito no resumo é para
enfatizar os pontos importantes - sem reconhecer o fato de que o
Apóstolo possuía uma sabedoria divina dada nos Mistérios, que seus
seguidores coríntios ainda não eram capazes de receber? E notem a
recorrência de termos técnicos: a "sabedoria", a
"sabedoria de Deus em mistério", a "sabedoria
oculta", conhecida somente pelos homens "espirituais",
falada somente entre os "perfeitos", sabedoria da qual eram
excluídos os não-"espirituais", os "bebês em
Cristo", e só conhecida dos "mestres construtores",
os "guardiães dos Mistérios de Deus".
Repetidas
vezes ele se refere a estes Mistérios. Escrevendo aos Cristãos de
Éfeso ele diz que "pela revelação", pelo desvelamento,
tinha sido feito "sabedor dos Mistérios", e daí seu
"conhecimento dos mistérios de Cristo"; todos podiam saber
sobre a "irmandade dos Mistérios" (Efésios, III, 3, 4,
9). Sobre este Mistério, ele repete aos colossenses que foi "feito
ministro", "o Mistério que esteve ocultos das idades e das
gerações, mas que agora era tornado manifesto aos Seus santos";
não ao mundo, nem mesmo aos Cristãos, mas somente aos Santos. Para
eles era revelada "a glória deste Mistério"; e o que era
isso? "Cristo em vós" - uma frase significativa, que
veremos, logo, pertencer à vida do Iniciado; assim finalmente todo
homem deve aprender a sabedoria, e se tornar "perfeito em Cristo
Jesus" (Colossenses, i, 23, 25-28. Mas São Clemente, em seu
Stromata, traduz "todo homem" como "o homem todo".
Vide o Livro V, cap. X). A estes Colossenses ele ordena orar "para
que Deus nos abra aporta da profecia, para falar o Mistério de
Cristo" (Colossenses, IV, 3), uma passagem à qual São Clemente
se refere como sendo uma em que o Apóstolo "revela claramente
que o conhecimento não pertence a todos" (Clemente de
Alexandria, Stromata, Livro V, cap. X; A.-N.C.L. Alguns ditos
adicionais dos Apóstolos serão encontrados nas citações de
Clemente, mostrando qual significado tinham para as mentes daqueles
que sucederam os Apóstolos, e que viviam na mesma atmosfera de
pensamento). Da mesma forma também escreve ao seu bem-amado Timóteo,
ordenando-lhe selecionar seus diáconos dentre aqueles que "mantinham
o Mistério da fé em uma consciência pura", aquele "grande
Mistério da Piedade", que ele havia aprendido (I Timóteo, III,
9, 16), cujo conhecimento era necessário para os instrutores da
Igreja.
Porém
São Timóteo está em uma posição importante como representante da
geração seguinte de instrutores Cristãos. Ele foi discípulo de
São Paulo, e foi indicado por ele para guiar e dirigir uma porção
da Igreja. Ele havia sido, sabemos, iniciado nos Mistérios pelo
próprio São Paulo, e é feita referência a isto, e os termos
técnicos mais uma vez servem como chave. "Esta função te
delego, meu filho Timóteo, de acordo com as profecias que foram
feitas sobre ti" (I Timóteo, I, 18), a bênção solene do
Iniciador, que admitia o candidato; mas o Iniciador não estava
sozinho: "Não descureis o dom que está em vós, o qual vos foi
dado pela profecia, abandonando o Presbitério" (ibid., IV, 14)
dos Irmãos Maiores. E ele lhe adverte preservar aquela "vida
eterna, à qual também fostes chamado, e professastes um bom voto
diante de muitas testemunhas" (ibid., VI, 13) - o voto do novo
Iniciado prestado na presença dos Irmãos Maiores e da assembléia
dos Iniciados. O conhecimento dado então era a incumbência sagrada
sobre a qual São Paulo fazia tanta ênfase: "Oh Timóteo,
preserva aquilo que te foi confiado" (Ibid. 20) - e não o
conhecimento comumente possuído pelos Cristãos, a respeito do qual
não havia obrigação nenhuma sobre São Timóteo, mas o depósito
sagrado confiado a ele como Iniciado, e essencial ao bem da Igreja.
São Paulo mais tarde volta a isto, enfatizando a suprema importância
do assunto de um modo que teria sido exagerado se o conhecimento
fosse a propriedade comum dos homens Cristãos: "Guarda bem a
forma das sérias palavras que ouvistes de mim... Aquela boa coisa
que te foi confiada, guarda-a pelo Espírito Santo que reside em nós"
(II Timóteo, I, 13,14) - uma adjuração tão séria quanto seria
possível por lábios humanos. Mais ainda, era seu dever prover a
devida transmissão deste depósito sagrado, para que pudesse
transmitido ao futuro, e a Igreja nunca fosse deixada sem
Instrutores: "As coisas que ouvistes de mim entre muitas
testemunhas" - os ensinamentos orais sagrados dados na
assembléia dos Iniciados, que testemunhava a precisão da
transmissão - "confia o mesmo a homens dignos, que sejam também
capazes de ensinar aos outros" (Ibid., II, 2).
O
conhecimento - ou, se preferirmos o termo, a suposição - de que a
Igreja possuía estes ensinamentos ocultos lança uma torrente de luz
sobre estas diversas passagens de São Paulo sobre si mesmo, e quando
as reunimos, temos um perfil da evolução do Iniciado. São Paulo
diz que embora ele já estivesse entre os perfeitos, os Iniciados -
pois ele diz: "Que nós, portanto, que somos perfeitos, tenhamos
esta mentalidade" - ele ainda não tinha "atingido",
ainda não era em verdade inteiramente "perfeito", pois
ainda não havia recebido Cristo, ele ainda não havia atingido o
"alto chamado de Deus em Cristo", "o poder de Sua
ressurreição, e a companhia de Seus sofrimentos, sendo tornado
conforme à Sua morte"; e ele estava tentando, diz, "se por
algum meio puder alcançar a ressurreição dos mortos"
(Filipenses, III, 8, 10-12, 14, 15). Pois esta era a Iniciação que
libertava, que fazia do Iniciado um Mestre perfeito, o Cristo
Ressurrecto, libertando-o finalmente dos "mortos", da
humanidade presa ao ciclo da geração, dos laços que atavam a alma
à matéria grosseira. Novamente aqui temos um número de termos
técnicos, e mesmo o leitor superficial deveria perceber que a
"ressurreição dos mortos" mencionada aqui não poderia
ser a ressurreição comum dos modernos Cristãos, suposta ser
inevitável para todos os homens, e portanto não requerendo
obviamente nenhuma luta especial da parte de ninguém para
conseguí-la. De fato a própria palavra "conseguir"
estaria fora de lugar ao referir-se a uma experiência humana
universal e inevitável. São Paulo não poderia evitar esta
ressurreição, de acordo com o ponto de vista dos Cristãos
modernos. Qual seria então a ressurreição a ser conseguida para a
qual ele estava fazendo tão estrênuos esforços? Uma vez mais a
única resposta vem dos Mistérios. Neles o Iniciado se aproximava da
Iniciação que libertava do ciclo do renascimento, o ciclo da
geração, era chamado de "o Cristo sofredor", ele
compartilhava dos sofrimentos do Salvador do mundo, era crucificado
misticamente, "tornado conforme à Sua morte", e então
conseguia a ressurreição, a companhia do Cristo glorificado, e,
depois, a morte já não tinha poder sobre ele (Apocalipse, i, 18.
"Eu sou Aquele que vive, esteve morto e ressurgiu, e vive
eternamente. Amen"). Este era o "prêmio" em direção
ao qual o Apóstolo estava se esforçando, e ele urge "todos os
que são perfeitos", não o crente comum, para que também se
esforcem deste modo. Que não se contentem com o que já obtiveram
até então, mas que se esforcem por mais.
Esta
semelhança com Cristo do Iniciado, de fato, é o próprio trabalho
dos Mistérios Maiores, como veremos em maior detalhe quando
estudarmos "O Cristo Místico". O Iniciado já não devia
ver o Cristo como fora de si mesmo. "Embora tenhamos conhecido o
Cristo na carne, deste modo já não o conhecemos" (II
Coríntios, V, 16).
O
crente comum havia sido "revestido de Cristo, assim como todos
de vós que fostes batizados em Cristo se revestiram de Cristo"
(Gálatas, III, 27). Então eles se tronavam os "bebês em
Cristo", a quem já se fez referência, e Cristo era o Salvador
de quem eles buscavam ajuda, conhecendo-O "na carne". Mas
quando eles haviam vencido a natureza inferior e já não eram
"carnais", então eles entrariam em um caminho mais
elevado, e se tornariam eles mesmo Cristo. Isto que ele mesmo já
havia conseguido era o desejo do Apóstolo para os seus seguidores.
"Meus filhos, de quem sofro as dores do parto até que Cristo
seja formado em vós" (Gálatas, IV, 19). Ele já era seu pai
espiritual, "tendo-vos gerado através do evangelho" (I
Coríntios, IV, 15). Mas agora ele era como aquele que gera
"novamente", como se fosse sua mãe para levá-los ao
segundo nascimento. Então o Cristo Infante, a Santa Criança, nascia
na alma, "o homem oculto no coração" (I Pedro, III, 4), e
o Iniciado se tornava assim "a Criancinha"; daí por diante
ele devia viver em sua pessoa a vida do Cristo, até que se trinasse
o "homem perfeito", crescendo "até a medida da plena
estatura de Cristo" (Efésios, IV, 13). Então ele, como São
Paulo estava fazendo, repetia em sua própria carne os sofrimentos de
Cristo (Colossenses, I, 24) e sempre tinha "junto a si a morte
do Senhor Jesus", para que pudesse dizer com verdade "sou
crucificado com Cristo; não obstante eu vivo; embora não seja eu,
mas é Cristo que vive em mim" (Gálatas, II, 20). Assim o
Apóstolo estava ele mesmo sofrendo; assim ele descrevia si próprio.
E quando a luta termina, quão diferente é o tom calmo de triunfo
sobre árduos esforços dos primeiros anos: "Agora estou pronto
para ser oferecido, e o tempo de minha partida está próximo. Eu
lutei a boa luta, terminei minha carreira, guardei a fé; por isso me
espera uma coroa de justiça" (II Timóteo, IV, 6-8). Esta era a
coroa dada " a ele que vencera", de quem é dito pelo
Cristo Ressurrecto: "Eu farei dele um pilar no Templo de meu
Deus; e dali não sairá mais" (Apocalipse, III, 12). Pois após
a "Ressurreição" o Iniciado se tornava o Homem Perfeito,
o Mestre, e já não sai do Templo, mas dali serve e guia os mundos.
Pode
ser bom assinalar, antes de encerarmos este capítulo, que o próprio
São Paulo sanciona o uso do ensinamento teórico místico na
explicação dos eventos históricos registrados nas escrituras. A
história escrita ali não é considerada por ele um mero registro de
fatos, que ocorreram no plano físico. Verdadeiro místico, ele via
nos eventos físicos as sombras das verdades universais sempre
ocorrendo nos mundos mais altos e internos, e sabia que os eventos
escolhidos para serem preservados nos escritos ocultos eram aqueles
mais típicos, cuja explicação serviria à instrução humana.
Assim ele toma a história de Abraão, Sarai, Hagar, Ismael e Isaac,
e dizendo que "aquelas coisas são alegorias", ele passa a
dar a interpretação mística (Gálatas, IV, 22-31). Referindo-se à
fuga dos israelitas do Egito, ele fala do Mar Vermelho como um
batismo, do maná e da água como comida e bebida espirituais, da
rocha de onde a água fluiu como sendo o Cristo (I Coríntios, X,
1-4). Ele vê o grande mistério da união de Cristo com Sua Igreja
na relação de marido e mulher, e fala dos Cristãos como sendo a
carne e os ossos do corpo de Cristo (Efésios, V, 23-32). O autor
desta Epístola aos Hebreus alegoriza todo o sistema de culto Judeu.
No Templo ele vê um espelho do Templo celeste, no Sumo Sacerdote ele
vê Cristo, nos sacrifícios vê a doação do Filho imaculado; os
sacerdotes do Templo não passam de "exemplos e sombras das
coisas celestes", do sacerdócio celeste servindo no "verdadeiro
tabernáculo". Uma alegoria muito elaborada é assim
desenvolvida nos capítulos III a X, e o escritor alega que o
Espírito Santo significava assim o sentido mais profundo; tudo era
"uma imagem para esta época".
Nesta
visão dos escritos sagrados não é alegado que os eventos
registrados não tenham tido lugar, mas apenas que sua ocorrência
física era coisa de menor importância. Uma explicação como esta é
o desvelar dos Mistérios Menores, o ensinamento místico que é
permitido dar ao mundo. Não é, como muitos imaginam, um mero jogo
de imaginação, mas é a atividade de uma verdadeira intuição,
vendo os protótipos nos céus, e não somente as sombras lançadas
por eles na tela do tempo terreno.
b)
O Testemunho da Igreja
Enquanto
possa ocorrer que alguns estejam querendo admitir a posse pelo
Apóstolo e seus sucessores imediatos de um conhecimento das coisas
espirituais mais profundo do que o que era corrente entre as massas
dos crentes em seu redor, poucos provavelmente desejarão dar o
próximo passo, e, deixando este círculo enfeitiçado, aceitar os
Mistérios da Igreja Primitiva como o depositário de seus
ensinamentos sagrados. Mesmo que tenhamos São Paulo fazendo os
preparativos para a transmissão do ensino não escrito, iniciando
ele mesmo a São Timóteo, e instruindo São Timóteo para que por
sua vez iniciasse outros, os quais o dariam a ainda outros, depois
deles. Vemos assim um arranjo de quatro gerações sucessivas de
instrutores, citadas nas mesmas Escrituras, e eles com muita folga
sobrepujariam os escritores da Igreja Primitiva que testemunham a
existência dos Mistérios. Pois entre eles há discípulos dos
próprios Apóstolos, embora as declarações mais definitivas sejam
daqueles afastados dos Apóstolos por um instrutor intermediário.
Porém, assim que iniciamos o estudo dos escritos da Igreja
Primitiva, se nos deparam os fatos de que existem alusões que são
inteligíveis apenas considerando a existência dos Mistérios, e
depois declarações de que os Mistérios realmente existem. Isto
poderia, é claro, ser esperado, analisando as condições em que o
Novo Testamento deixa o assunto, mas causa satisfação descobrir que
os fatos correspondem às expectativas.
As
primeiras testemunhas são aqueles chamados Padres Apostólicos, os
discípulos dos Apóstolos; mas demasiado pouco subsiste de seus
escritos, e mesmo o que resta é questionado. Quando não são
escritas controversamente, as declarações não são tão
categóricas como as dos escritores posteriores. Suas cartas são
para o encorajamento dos crentes. Policarpo, Bispo de Smirna, e,
juntamente com Inácio, discípulo de São João (The Martyrdom of
Ignatius, vol. I, cap. III - Os texto utilizados provêm da
Ante-Nicene Christian Library, de Clarke, um utilíssimo compêndio
de antigüidades Cristãs. O número do volume é o seu número na
série), expressa a esperança de que seus correspondentes sejam "bem
versados nas sagradas Escrituras e que nada lhes seja oculto; mas
para mim este privilégio ainda não foi outorgado" (Ibid., The
Epistle of Polycarp, cap. XII). - escrevendo, aparentemente, antes de
alcançar a Iniciação plena. Barnabé fala em comunicar "alguma
porção do que eu mesmo recebi" (Ibid., The Epistle of
Barnabas, cap. I) e depois de expor a Lei misticamente, declara que
"nós, então, entendendo corretamente Seus mandamentos, os
explicamos do modo como o Senhor pretendeu que significassem"
(Ibid., cap. X). Inácio, Bispo de Antióquia, um discípulo de São
João (Ibid., The Martyrdom of Ignatius, cap. I), fala de si mesmo
como "ainda não sendo perfeito em Jesus Cristo. Pois só agora
iniciei a ser um discípulo, e falo a vós como a meus condiscípulos"
(Ibid., Epistle of Ignatius to the Ephesians, cap. III), e fala deles
como "iniciados nos mistérios do Evangelho com Paulo, o santo,
o martirizado" (Ibid., cap. XII). Mais uma vez ele diz: "Poderia
eu não vos escrever coisas mais cheias de mistério? Mas temo em
fazê-lo, podendo prejudicar-vos, a vós que sois apenas bebês.
Perdoai-me a este respeito, pois não sendo capazes de receber todo
seu peso, seríeis sufocados por elas. Pois mesmo eu, embora ligado
(por Cristo) e sendo capaz de entender coisas celestiais, as ordens
angélicas, e os diferentes tipos de anjos e hierarquias, a diferença
entre tronos e potestades, a grandiosidade dos éons, e a
preeminência dos querubins e serafins, a sublimidade do Espírito, o
reino do Senhor, e acima de tudo a incomparável majestade de Deus
Todo-poderoso - embora eu conheça estas coisas, ainda não sou de
modo algum perfeito, nem sou um discípulo da estatura de Paulo ou
Pedro" (Ibid., To the Trallians, vol. 2). Esta passagem é
interessante, ao indicar que a organização das hierarquias celestes
era um dos assuntos sobre os quais era dada instrução nos
Mistérios. Novamente ele fala do Sumo Sacerdote, do Hierofante, "a
quem foi confiado o Santo dos Santos, e quem sozinho foi informado
dos segredos de Deus" (Ibid., To the Philadelphians, cap. IX).
Passamos
a seguir para São Clemente de Alexandria e seu discípulo Orígenes,
os dois escritores dos séculos II e III que mais nos contam sobre os
Mistérios na Igreja Primitiva; embora a atmosfera geral seja cheia
de alusões místicas, os dois são claros e categóricos em suas
asserções de que os Mistérios eram uma instituição reconhecida.
São
Clemente foi um discípulo de Panteno, e fala dele e de dois outros,
ditos ser provavelmente Tatiano e Teódoto, como "preservando a
tradição da doutrina bendita derivada diretamente dos santos
Apóstolos Pedro, Tiago, João e Paulo" (Clemente de Alexandria,
Stromata, livro I, cap., I - A.-N.C.L, vol. IV), assim seu elo com os
próprios Apóstolos tem apenas um intermediário. Ele foi o diretor
da Escola Catequética de Alexandria em 189 dC, e morreu cerca de 220
dC. Orígenes nasceu em torno de 185 dC, foi seu discípulo, e é,
talvez, o mais instruído dos Padres, e um homem da mais rara beleza
moral. Estas são as testemunhas de quem recebemos o mais importante
registro da existência de Mistérios definidos na Igreja Primitiva.
Os
Stromata, ou Miscelânea, de São Clemente, são nossa fonte de
informação sobre os Mistérios naquela sua época. Ele mesmo fala
destes escritos como uma "miscelânea de notas Gnósticas, de
acordo com a verdadeira filosofia" (Stromata, livro I, cap.
XXVIII - A.-N.C.Lib., vol. IV), e as descreve também como memorandos
dos ensinamentos que ele mesmo recebera de Panteno. A passagem é
instrutiva: "O Senhor... permitiu-nos comunicar aqueles Divinos
Mistérios, e aquela santa luz, àqueles capazes de os receber. Ele
certamente não revela à multidão o que não pertence à multidão,
mas aos poucos que Ele sabe que lhes pertencem, que são capazes de
recebê-los e ser moldados de acordo com eles. Mas coisas secretas
são confiadas á voz, e não ao escrito, como é o caso com Deus. E
se alguém diz (parece que mesmo naquele tempo havia alguns que
objetavam de alguma verdade ser ensinada secretamente!) que está
escrito 'Não há nada escrito que não seja revelado, nem oculto que
não seja descoberto', que também ouça de nós, que àquele que
ouve secretamente, mesmo o que é secreto será manifesto. Isto é o
que foi predito por aquele oráculo. E para aquele que é capaz de
conservar em segredo o que lhe é transmitido, o que é velado lhe
será descoberto como verdade; e o que está oculto da maioria
aparecerá manifesto aos poucos... Os Mistérios são confiados
misticamente, para o que é falado possa estar na boca do que fala;
não em sua voz, mas em seu entendimento... O escrito destes meus
memoranda, bem o sei, é fraco quando comparado com aquele espírito,
que é cheio de graça, o qual eu tive o privilégio de ouvir. Mas
será uma imagem para recordar o arquétipo àquele que foi tocado
com o Tirso". O Tirso, podemos assinalar, era a vareta levada
pelos Iniciados, e os candidatos eram tocados com ela durante a
cerimônia de Iniciação. Tinha uma significação mística,
simbolizando a medula espinhal e a glândula pineal nos Mistérios
Menores, e um Bastão, conhecido dos Ocultistas, nos Maiores. Dizer,
portanto, "àqueles que foram tocados com o Tirso", era
exatamente o mesmo que dizer, "àquele que foi iniciado nos
Mistérios'. Clemente prossegue: "Nós professamos não explicar
coisas secretas suficientemente - longe disto - mas apenas
recordá-las à memória, se tivermos esquecido algum detalhe, ou com
o intuito de não esquecer. Muitas coisas, sei bem, nos escapam, na
da passagem do tempo, e que deixamos de lado sem as escrever... Há
coisas então de que não guardamos memória alguma; pois o poder que
estava nos homens benditos era grande". Uma experiência
freqüente daqueles ensinados pelos Grandes Seres, pois Sua presença
estimula e torna ativos poderes que normalmente estão latentes, e
que o discípulo, desassistido, não pode evocar. "Também há
coisas que permanecem de todo não registradas; que agora nos fogem;
e outras que estão confusas, tendo se desvanecido na própria mente,
uma vez que tal tarefa não é simples para os inexperientes; estas
eu reavivo em meus comentários. Algumas coisas eu omito de
propósito, exercitando uma sábia seleção, receando escrever o que
eu evitei falar; não para enganar - pois seria errado - mas temendo
por meus leitores, para que não tropecem tomando-as num sentido
equívoco; e, como diz o ditado, estaríamos 'dando uma espada para
uma criança'. Pois é impossível que o que fosse escrito não fosse
percebido (se tornasse sabido), assim permanece impublicado por mim.
Mas sendo sempre circunspecto, usando apenas uma voz, a do escrito,
(as coisas escritas) não respondem nada para aquele que faz
perguntas além do que foi escrito; pois elas requerem
necessariamente a ajuda de alguém, seja de quem escreveu, ou de
outro que seguiu em seus passos. Meu tratado esconde certas coisas;
em outras se demora; outras apenas menciona. Ele tenta falar
discretamente, exibir secretamente, e demonstrar silenciosamente"
(Ibid., livro I, cap. I).
Esta
passagem, se apenas ela existisse, seria suficiente para confirmar a
existência de um ensinamento secreto na Igreja Primitiva. Mas de
modo algum é um espécimen isolado. No capítulo XII do mesmo livro
I, sob o título "Os Mistérios da Fé não devem ser divulgados
a todos", Clemente declara que, uma vez que outros além do
sábio podem chegar a ver sua obra, "é obrigatório portanto
ocultar em um Mistério a sabedoria enunciada, que o Filho de Deus
ensinou". Língua purificada de quem fala, ouvido purificado de
quem ouve, isto era necessário. "Tais foram as restrições no
caminho de minha escrita. E mesmo agora eu temo, como se diz, de
'lançar as pérolas aos porcos, para que não as calquem sob seus
pés e se voltem contra nós e nos despedacem'. Pois é difícil
exibir as palavras realmente puras e transparentes a respeito da
verdadeira luz aos ouvidos suínos e destreinados. Pois dificilmente
haveria coisas que pudessem ser mais ridículas do que estas para a
multidão; nem, por outro lado, qualquer assunto poderia ser mais
admirável ou mais inspirador para aqueles de natureza nobre. Mas o
sábio não profere com sua boca o que discute em concílio. Mas o
que ouvis no ouvido, disse o Senhor, 'proclamai acima das casas',
fazendo com que recebam as tradições sagradas do verdadeiro
conhecimento, e expondo-as alto e conspicuamente; e já que 'ouvimos
no ouvido', então as entregarmos a outros é obrigatório; mas não
nos agrada comunicar a todos sem distinção o que lhes é dito em
parábolas. Mas só existe um esboço em nossos memoranda, os quais
têm a verdade esparsa e difusa, para que possa escapar da atenção
daqueles que apanham sementes como gralhas; mas quando elas encontram
um homem que as acolhe bem cada uma delas germinará e produzirá
grão".
Clemente
poderia ter acrescentado que "proclamar acima das casas"
era proclamar ou expor na assembléia dos Perfeitos, dos Iniciados, e
de modo algum bradá-las para os homens nas ruas.
Novamente
ele diz que aqueles que são "ainda cegos e surdos, não tendo
entendimento, ou a visão clara e penetrante da alma contemplativa...
devem ficar de fora do coro divino... Por conseguinte, em
concordância com o método de ocultação, o Verbo verdadeiramente
sagrado, verdadeiramente divino e necessário para nós, depositado
no escrínio da verdade, era indicado, pelos egípcios, pelo que eles
chamavam de adyta, e os Hebreus, de véu. Somente os consagrados...
eram autorizados a ter-lhe acesso. Pois Platão também ensinou que
não é lícito para 'o impuro tocar no que é puro. Por isso as
profecias e oráculos são proferidos em enigmas, e os Mistérios não
são exibidos de imediato e em amplitude a todos, mas somente depois
de certas purificações e instruções prévias" (Ibid., livro
V, cap. IV). Ele então discorre longamente sobre os Símbolos,
expondo os Pitagóricos, os Hebreus, Egípcios, e então assinala que
o ignorante e o inculto falham em entendê-los. "Mas o Gnóstico
compreende. Pois não é desejado que todas as cosias sejam expostas
indiscriminada e completamente a todos, nem que os benefícios da
sabedoria sejam comunicados àqueles que nem em sonho se purificaram
na alma (pois não é permitido entregar a qualquer arrivista o que
foi procurado com tantos esforços laboriosos); nem serão expostos
ao profano os Mistérios da Palavra". Os Pitagóricos e Platão,
Zenão e Aristóteles tinham ensinamentos exotéricos e esotéricos.
Os filósofos estabeleceram os Mistérios, pois "não seria mais
benéfico para a santa e bendita contemplação das realidades serem
ocultas?" (Ibid., cap. IX). Os Apóstolos também aprovavam "o
velamento dos Mistérios da Fé". "pois existe uma
instrução para os perfeitos", à qual se alude em Colossenses,
9-11 e 25-27. "Tanto é que, por outro lado, então, existem os
Mistérios que estavam ocultos até o tempo dos Apóstolos, e foram
pregados por eles assim como foram recebidos do Senhor, e, ocultos no
Antigo Testamento, foram manifestos aos santos. E, por outro lado, há
'as riquezas da glória do mistérios entre os Gentios', que é a fé
e esperança em Cristo; o que em outra parte ele chama de "o
fundamento". Ele cita São Paulo para demonstrar que este
"conhecimento não pertence a todos", e diz, referindo-se a
Hebreus V e VI, que "certamente existem entre os Hebreus algumas
coisas transmitidas oralmente"; e então se refere a São
Barnabé, que fala de Deus, "que colocou em nossos corações a
sabedoria e o entendimento de seus segredos", e diz que "é
dado a poucos entender estas coisas", como se apresentando "um
traço de tradição Gnóstica". "Portanto a instrução
que revela coisas ocultas é chamada de iluminação, assim como é
somente o instrutor que levanta a tampa da arca" (Ibid., livro
V, cap. X). Referindo-se mais a São Paulo, ele comenta sua
declaração em Romanos de que ele "virá na plenitude da bênção
de Cristo" (loc. cit., XX, 29), e diz que ele significa com isto
"o dom espiritual e a interpretação Gnóstica, que ao estar
presente deseja transmitir a eles como 'a plenitude de Cristo, de
acordo com a revelação do Mistérios selado nas eras da eternidade,
mas agora manifesto pelas Escrituras proféticas' (Ibid., XVI, e
25-26; a versão citada difere em palavras, mas não em sentido, da
Edição Inglesa Autorizada)... Mas apenas a uns poucos dentre eles é
mostrado o que são estas coisas que o Mistério contém.
Corretamente, então, Platão, nas cartas tratando de Deus, diz:
'Devemos nos expressar em enigmas; para que se por qualquer acaso o
escrito, por terra ou por mar, cair nas mãos de alguém, este
permaneça ignorante" (Stromata, livro V, cap. X).
Depois
de muito exame dos escritores gregos, e uma investigação na
filosofia, São Clemente declara que a Gnose "transmitida e
revelada pelo Filho de Deus é sabedoria... E a Gnose em si é aquilo
que continuou pela transmissão a uns poucos, tendo sido transmitida
oralmente pelos Apóstolos" (Ibid., livro VI, cap. VII). É
feita uma exposição muito alentada da vida do Gnóstico, do
Iniciado, e São Clemente a conclui dizendo: "Que isto baste
para aqueles que têm ouvidos. Pois não é preciso desvelar o
mistério, mas apenas indicar o que baste, para aqueles que são
partícipes no conhecimento, para traze-lo de novo à mente"
(Ibid., livro VII, cap. XIV).
Considerando
a Escritura como consistindo de alegorias e símbolos, e como
escondendo o sentido a fim de estimular a indagação e para
preservar o ignorante do perigo (ibid., livro VI, cap. XV), São
Clemente naturalmente confinou a instrução superior aos mais
cultos. "Nosso Gnóstico será profundamente culto" (Ibid.,
livro VI, cap. X), diz ele. "Pois o Gnóstico deve ser erudito"
(ibid., livro VI, cap. VII). Aqueles que adquiriram desenvoltura
através de treinamento prévio poderiam dominar o conhecimento mais
profundo, pois embora "um homem possa ser um crente sem estudo,
também declaramos que é impossível para um homem sem estudo
compreender as coisas que são expostas na doutrina" (Ibid.,
livro I, cap. VI). "Alguns que se imaginam naturalmente dotados
não desejam se aproximar da filosofia ou da lógica; antes não
desejam aprender a ciência natural. Eles requerem apenas a fé
pobre... Assim também eu chamo de verdadeiramente erudito aquele que
leva tudo à base da verdade - para que, da geometria, da música, da
gramática e da própria filosofia, selecionando o que é útil,
preserve a fé contra assaltos. Quão necessário é, para o que
deseja compartilhar do conhecimento de Deus, tratar dos assuntos
intelectuais através da filosofia" (ibid., cap. IX). "O
Gnóstico se vale dos ramos do conhecimento como exercícios
preparatórios auxiliares" (Ibid., livro VI, cap. X). Quão
longe estava São Clemente de pensar que o ensinamento do
Cristianismo devesse ser medido pela ignorância do inculto. "Aquele
que é familiarizado com todos os tipos de sabedoria será
preeminentemente um Gnóstico" (Ibid., livro I, cap. XIII).
Assim enquanto acolhe o ignorante e o pecador, e encontra no
Evangelho o que atende às suas necessidades, considera que somente o
culto e o puro seriam candidatos adequados para os Mistérios. "O
Apóstolo, distintamente da perfeição Gnóstica, chama a fé comum
de fundamento, e algumas vezes de leite" (Stromata, vol. XII,
livro V, cap. IV), mas sobre aquele fundamento devia ser erguido o
edifício da Gnose, e o alimento próprio de homens devia suceder ao
dos bebês. Não há nenhuma intolerância ou complacência na
distinção que ele faz, mas apenas um calmo e sábio reconhecimento
dos fatos.
Mesmo
o candidato bem preparado, o discípulo culto e treinado, só
poderiam esperar avançar passo a passo nas profundas verdades
desveladas nos Mistérios. Isto aparece claramente em seus
comentários sobre a visão de Hermas, onde ele também dá algumas
sugestões sobre o método de ler-se obras ocultas. "Não deu
também o Poder, que apareceu a Hermas na Visão, sob a forma da
Igreja, para transcrição o livro que ele desejava que fosse
conhecido dos eleitos? E isto, ele diz, ele transcreveu ao papel, não
sabendo como completar as sílabas. E isto significa que a Escritura
é clara para todos, quando tomada ao pé da letra; e que isto é a
fé que ocupa o lugar dos rudimentos. Daí é empregada também a
expressão figurada 'leitura de acordo com a letra', enquanto que nós
entendemos que a interpretação gnóstica das Escrituras, quando a
fé chegou a um grau avançado, é comparada com a leitura de acordo
com as sílabas... Porém aquilo o Salvador ensinou os Apóstolos, a
interpretação oral dos escritos (Escrituras) foi dada também a
nós, inscrita pelo poder de Deus nos corações renovados, de acordo
com a renovação do livro. Assim aqueles de grande reputação entre
os gregos dedicam o fruto da romãzeira a Hermes, a quem chamam de
fala, por conta de sua interpretação. Pois a fala oculta muito...
Portanto não é apenas àqueles que lêem com simplicidade que a
aquisição da verdade é tão difícil, mas a história de Moisés
ensina que nem mesmo àqueles cuja prerrogativa é o conhecimento da
verdade a sua contemplação é desvelada completamente; assim como
os hebreus foram acostumados a contemplar a glória de Moisés, e os
profetas de Israel as visões dos anjos, assim também nós nos
tornamos capazes de olhar os esplendores da verdade face a face"
(Ibid., livro VI, cap. XV).
Poderiam
ser dadas ainda outras referências, mas estas serão suficientes
para estabelecer o fato de que São Clemente sabia da existência dos
Mistérios no seio da Igreja, havia sido iniciado neles, e escreveu
para o benefício daqueles que também haviam sido iniciados.
A
testemunha seguinte é o discípulo Orígenes, aquela brilhantíssima
luz de erudição, coragem, santidade, devoção, brandura e zelo,
cujas obras permanecem como minas de ouro onde o estudante pode
garimpar os tesouros da sabedoria.
Em
sua famosa controvérsia contra Celso, foram feitos ataques ao
Cristianismo que suscitaram uma defesa da posição Cristã onde
foram feitas freqüentes referências aos ensinamentos secretos
(Contra Celsus, livro I. Este livro é encontrado no volume X da
A.-N.C.Lib. Os livros restantes estão no volume XXIII).
Celso
alegou, como argumento de seu ataque, que o Cristianismo era um
sistema secreto, e Orígenes refuta isto dizendo que conquanto certas
doutrinas fossem secretas, muitas outras eram públicas, e que este
sistema de ensinamentos exotéricos e esotéricos, adotado no
Cristianismo, era também de uso geral entre os filósofos. O leitor
notará, na passagem abaixo, a distinção feita entre a ressurreição
de Jesus, considerada sob uma luz histórica, e o "mistério da
ressurreição":
"Acima
de tudo, uma vez que ele (Celso) freqüentemente chama a doutrina
Cristã de sistema secreto (de fé), devemos confutá-lo também
neste ponto, uma vez que quase todo o mundo está mais familiarizado
com aquilo que os Cristãos pregam do que com as opiniões favoritas
dos filósofos. Pois quem desconhece a declaração de que Jesus
nasceu de uma virgem, e que foi crucificado, e que Sua ressurreição
é um artigo de fé, e que é esperado um juízo final, no qual os
maus serão punidos de acordo com suas faltas, e os justos serão
devidamente recompensados? Mesmo assim, o Mistério da ressurreição,
não sendo compreendido, é feito objeto de ridículo entre os
descrentes. Nestas circunstâncias, falar da doutrina Cristã como
sendo um sistema secreto é um completo absurdo. Mas que deva haver
certas doutrinas, não descobertas à multidão, que o são depois
que o profano é ensinado, não é uma peculiaridade apenas do
Cristianismo, mas também de sistemas filosóficos nos quais certas
verdades são exotéricas e outras são esotéricas. Alguns dos
ouvintes de Pitágoras se contentavam com seu ipse dixit, enquanto
que outros eram ensinados em segredo naquelas doutrinas que não eram
consideradas próprias para serem comunicadas aos ouvidos profanos e
insuficientemente preparados. Além disso, todos os Mistérios que
são celebrados em toda a Grécia e em todos os países bárbaros,
embora mantidos em segredo, não sofrem de nenhum descrédito, de
modo que é vão que ele procure caluniar as doutrinas secretas do
Cristianismo, constatando-se que ele não compreende corretamente sua
natureza" (Origen against Celsus, livro I, cap. VII -
A.-N.C.Libr, vol. X).
É
impossível negar que nesta importante passagem Orígenes nitidamente
coloca os Mistérios Cristãos na mesma categoria dos do mundo Pagão,
e invoca que aquilo que não é considerado como um descrédito em
relação a outras religiões não deveria constituir motivo de
ataque quando encontrado no Cristianismo.
Ainda
escrevendo contra Celso, ele declara que os ensinamentos secretos de
Jesus foram preservados na Igreja, e se refere especificamente às
explicações que Ele deu a Seus discípulos a respeito de Suas
parábolas, ao responder á comparação de Celso entre "os
Mistérios internos da Igreja de Deus" e o culto egípcio aos
animais. "Ainda não falei da observância de tudo o que está
escrito nos Evangelhos, cada um dos quais contém muita doutrina
difícil de ser entendida, não apenas pela multidão, mas mesmo por
alguns dos mais inteligentes, incluindo uma profundíssima explicação
das parábolas que Jesus aplicava 'àqueles de fora', ao mesmo tempo
reservando a exibição de seu pleno significado àqueles que haviam
passado pelo estágio do ensino exotérico, e que vinham a Ele em
privado na casa. E quando estes passam a entendê-la, admiram a razão
pela qual alguns são ditos ser 'de fora' e outros 'de casa' (Origen
against Celsus, livro I, cap. VII).
E
ele se refere discretamente à "montanha" de onde Jesus
ascendeu, e de onde Ele desceu para auxiliar "aqueles que eram
incapazes de seguí-Lo para onde foram os Seus discípulos". A
alusão é à "Montanha da Iniciação", uma frase mística
bem conhecida, do mesmo modo que Moisés fez o Tabernáculo segundo o
modelo "mostrado a ti no monte" (Êxodo, XX, 40; XXVI, 30,
e compare-se com Hebreus, VIII, 5, e IX, 25). Orígenes se refere
novamente a isto mais tarde, dizendo que Jesus mostrou-se bem
diferente, em sua aparência real quando estava na "Montanha",
daqueles que O viram e não podiam "seguí-Lo tão alto"
(Origen against Celsus, livro IV, cap. XVI).
Igualmente
em seu comentário sobre o Evangelho de Mateus, capítulo XV,
tratando do episódio da mulher sírio-fenícia, Orígenes assinala:
"E talvez, também, das palavras de Jesus existam alguns pães
que são passíveis de serem dados somente aos mais racionais, como
se fosse a crianças; e outras haja como se fossem migalhas da mansão
e mesa dos bem-nascidos, que podem ser usadas por algumas almas
semelhantes a cães".
A
Celso, que lamentava que pecadores fossem trazidos para dentro da
Igreja, Orígenes responde dizendo que a Igreja tinha o remédio para
os que estavam doentes, mas também o estudo e conhecimento das
coisas divinas para aqueles que estavam sãos. Os pecadores eram
ensinados a não pecar, e somente quando era visto que havia sido
feito progresso, e os homens estivessem "purificados pela
Palavra", "então, e não antes, nós os convidamos à
participação em nossos Mistérios. Pois nós falamos sabedoria
entre os que são perfeitos" (Origen against Celsus, livro III,
cap. LIX). Os pecadores vêm para serem curados: "Pois existe na
divindade do Verbo alguns auxílios para a cura dos que estão
doentes... (Existem) outros, ainda, que ao puro de alma e corpo
exibem a 'revelação do Mistério, que foi mantido secreto desde que
o mundo começou, mas que agora foi feito manifesto pelas Escrituras
dos profetas', e 'pelo aparecimento de Nosso Senhor Jesus Cristo',
cuja 'aparição' é manifesta a cada um dos que são perfeitos, e
que ilumina a razão no verdadeiro conhecimento das coisas"
(Origen against Celsus, livro III, cap. LXI). Tais aparições de
Seres divinos tinham lugar, como vimos, nos Mistérios Pagãos, e
aqueles da Igreja tinham igualmente visitantes gloriosos. "Deus,
o Verbo", ele diz, "foi enviado como um médico para os
pecadores, mas como um Instrutor dos Mistérios Divinos para aqueles
que já são puros, e que não pecam mais" (Ibid., cap. LXII).
"A sabedoria não entrará na alma de um homem vil, nem irá
residir em um corpo que está imerso no pecado"; daí que estes
ensinamentos elevados são dados apenas àqueles que são "atletas
na piedade e em todas as virtudes".
Os
Cristãos não admitiam o impuro neste conhecimento, mas diziam:
"Quem quer que haja limpado as mãos, e, portanto, ergue mãos
limpas para Deus... que venha a nós... quem quer que seja puro não
somente de todo aviltamento, mas também do que é considerado como
transgressões menores, que seja intrepidamente iniciado nos
Mistérios de Jesus, que são feitos propriamente conhecidos somente
aos santos e aos puros". Também assim, antes que a cerimônia
de Iniciação começasse, aquele que atuava como Iniciador, de
acordo com os preceitos de Jesus, o Hierofante, fazia a significativa
proclamação "àqueles que foram purificados no coração:
Aquele cuja alma desde há muito tempo não tem consciência de
nenhum mal, especialmente desde que sujeitou-se à cura pelo Verbo,
que este ouça as doutrinas que eram ditas em privado por Jesus a
Seus genuínos discípulos". Esta era a abertura das portas da
"Iniciação, dos que já estavam purificados, para os sagrados
Mistérios" (Origen against Celsus, livro III, cap. LX). Só
estes poderiam aprender as realidades dos mundos invisíveis, e
poderiam entrar nos recintos sagrados onde, como antigamente, os
anjos eram os instrutores, e onde o conhecimento era dado pela visão
e não pelas palavras. É impossível não perceber o tom diferente
destes Cristãos em relação aos seus sucessores modernos. Para
aqueles a perfeita pureza de vida, a prática da virtude, o
cumprimento da Lei divina em cada detalhe na conduta exterior, a
perfeição da justiça, eram - assim como para os Pagãos - somente
o início do caminho ao invés de seu final. Hoje em dia considera-se
que a religião completou gloriosamente seu objetivo quando produz um
Santo; assim foi aos Santos que devotou suas mais altas energias, e,
tomando os puros de coração, levava-os à Visão Beatífica.
O
mesmo fato do ensinamento secreto aparece novamente quando Orígenes
discute os argumentos de Celso sobre a sabedoria de preservar
costumes ancestrais, baseada na crença de que "as várias
regiões da Terra foram desde o início entregues a diferentes
Espíritos superintendentes, e foram assim distribuídas entre certos
Poderes diretores, e deste modo a administração do mundo é levada
adiante" (Origen against Celsus, livro V, cap. XXV -
A.-N.C.Libr., vol. XXIII).
Tendo
Orígenes condenado as deduções de Celso, prossegue: "Mas como
imaginamos ser provável que alguns daqueles acostumados a
investigações mais profundas se deparem com este tratado,
arrisquemos a deixar algumas considerações de um tipo mais
profundo, com uma visão mística e secreta a respeito da
distribuição original das várias regiões da Terra entre
diferentes Espíritos superintendentes" (Ibid., cap. XXVIII).
Ele diz que Celso havia entendido mal as razões mais profundas a
respeito do arranjo dos assuntos terrenos, algumas das quais são
abordadas mesmo na história grega. Então ele cita o Deuteronômio,
XXXII, 8-9,: "Quando o Altíssimo dividiu as nações, quando
Ele dispersou os filhos de Adão, estabeleceu os limites dos povos de
acordo com o número dos Anjos de Deus; e a porção do Senhor foi
Seu povo Jacó, e Israel a linhagem de Sua herança". Este é o
fraseado da edição Septuaginta, não a da Inglesa Autorizada, mas é
muito sugestivo de que o título de "Senhor" fosse
atribuído ao Anjo Regente dos Judeus, apenas, e não ao "Altíssimo",
isto é, Deus. Esta visão desapareceu, pela ignorância, e disto
deriva a inadequação de muitas das declarações que se referem ao
"Senhor", quando são transferidas ao "Altíssimo",
como por exemplo em Juizes, I, 19 ["O Senhor estava com Judá, e
ele conquistou a montanha, porém não pôde despojar os habitantes
da planície, que possuíam carruagens de ferro" - NT].
Orígenes
então relata a história da Torre de Babel, e continua: "Mas
muito poderia ser dito sobre estes assuntos, e coisas de tipo
místico, como o que segue: 'É bom ocultar o segredo de um rei',
Tobias, XII, 7, 'a fim de que a doutrina da entrada das almas nos
corpos (porém não a da transmigração de um corpo para outro) não
seja divulgada ao entendimento comum, nem o que é santo dado aos
cães, nem pérolas jogadas aos porcos. Pois tal procedimento seria
ímpio, sendo equivalente a uma traição das declarações
misteriosas da sabedoria de Deus... É suficiente, contudo,
representar no estilo de uma narrativa histórica, com uma vestimenta
de história, o que é planejado para veicular um significado
secreto, para que aqueles que têm capacidade desenvolvam por si
mesmos tudo o que se relaciona ao assunto" (Origen against
Celsus, livro V, cap. XXIX - A.-N.C.Libr., vol. XXIII). Ele então
expõe mais completamente a história da Torre de Babel, e escreve:
"Porém, a seguir, se alguém tiver capacidade, que entenda
aquilo que assume a forma de história, e que contém algumas coisas
que são literalmente verdade, embora ao mesmo tempo veicule um
significado mais profundo..." (Ibid., cap. XXXI).
Depois
de tentar mostrar que o "Senhor" era mais poderoso do que
os outros Espíritos superintendentes de diferentes partes da Terra,
e que ele enviou seu povo para ser punido vivendo debaixo do domínio
de outros poderes, e depois alinhou-os com todas as nações menos
favorecidas que podiam ser reunidas, Orígenes conclui dizendo: "como
observamos previamente, estas declarações devem ser entendidas como
sendo feitas por nós com um sentido oculto, indicando os erros
daqueles que asseveram... " (Ibid., cap. XXXII) como o fez
Celso.
Depois
de assinalar que "o objetivo do Cristianismo é que nos tornemos
sábios" (Ibid., cap. XIV), Orígenes prossegue: ""Se
consultamos os livros escritos depois do tempo de Jesus, veremos que
aquelas multidões de crentes que ouviram as parábolas são, como se
diz, "de fora', e dignos apenas das doutrinas exotéricas,
enquanto que os discípulos aprendem em privado a explicação das
parábolas. Pois privadamente Jesus descerrou todas as coisas aos
Seus discípulos , estimando acima das multidões aqueles que
desejavam conhecer Sua sabedoria. E Ele promete àqueles que
acreditam n'Ele torná-los homens sábios e escribas... E Paulo
também em seu catálogo dos 'Charismata' outorgados por Deus,
colocou em primeiro lugar 'a Palavra da sabedoria', e em segundo,
como sendo-lhe inferior, a 'palavra do conhecimento', mas em
terceiro, e mais abaixo, a 'fé'. E porque ele considerava 'a
palavra' mais alto do que os poderes miraculosos, ele por esta razão
coloca a 'operação de milagres' e os 'dons de cura' em um lugar
mais baixo do que os dons da 'Palavra' " (Ibid., cap. XLVI).
O
Evangelho em verdade ajudava o ignorante, "mas não é
impedimento algum para o conhecimento de Deus, antes é uma
assistência, ter sido educado, e ter estudado as melhores opiniões,
e ser sábio" (Ibid., caps. XLVII e LIV). Assim, para o inculto,
"eu tento melhorá-lo também com o melhor de minha habilidade,
embora eu não deseje construir a comunidade Cristã a partir de tais
materiais. Pois eu busco de preferência os que são mais sagazes e
argutos, porque são capazes de compreender o significado dos ditos
mais difíceis"(Ibid., cap. LXXIV). Aqui expusemos claramente a
antiga idéia Cristã, inteiramente de acordo com as considerações
apresentadas no Capítulo I deste livro. No Cristianismo existe
espaço para o ignorante, mas ele não foi planejado somente para
estes, e tem ensinamentos mais profundos para os "sagazes e
argutos".
É
para estes últimos que ele tem grande empenho em mostrar que as
Escrituras Cristãs e Judaicas têm significados ocultos, velados
debaixo de histórias cujo significado exterior ele repele como
absurdos, aludindo à serpente e a árvore da vida, e "as outras
declarações que se seguem, que poderiam em si conduzir um leitor
cândido a ver que todas estas coisas têm, não impropriamente, um
significado alegórico" (Ibid., livro IV, cap. XXXIX). Muitos
capítulos são devotados a estes sentidos alegóricos e místicos,
escondidos debaixo das palavras do Velho e do Novo Testamentos, e ele
alega que Moisés, como os Egípcios, contou histórias que ocultavam
o significado" (Origen against Celsus, livro I, cap. XVII e
outros - A.-N.C.Libr., vol X). "Aquele que lida candidamente com
as histórias" - este é o cânone geral de interpretação de
Orígenes - "e deseje se preservar de ser confundido por elas,
exercitará seu julgamento sobre a quais declarações dará seu
consentimento, e o que aceitará figuradamente, procurando descobrir
a intenção dos autores destas invenções, e contra quais
declarações ele preservará suas crenças, como tendo sido escritas
para a gratificação de certos indivíduos. E dissemos isto como
antecipação a respeito de toda a história relatada nos Evangelhos
a respeito de Jesus" (Ibid., cap. XIII). Uma grande parte de seu
Livro IV é tomada por ilustrações das explicações místicas das
histórias das Escrituras, e qualquer um que deseje seguir o assunto
pode lê-lo.
No
De Principiis, Orígenes dá como sendo o ensinamento recebido da
Igreja "que as escrituras foram escritas pelo Espírito de Deus,
e tendo um significado, não apenas aquele aparente á primeira
vista, mas também um outro, que escapa da percepção da maioria.
Pois aquelas (palavras) que são escritas são as formas de certos
Mistérios, e as imagens das coisas divinas. A este respeito existe
uma única opinião em toda a Igreja, de que toda a lei é em verdade
espiritual; mas que o significado espiritual que a lei veicula não é
conhecido de todos, mas só àqueles em quem a graça do espírito
Santo é outorgada na palavra da sabedoria e do conhecimento"
(De Principiis, prefácio, p. 8 - A.-N.C.Libr., vol. X). Aqueles que
lembram o que já foi citado verão na "Palavra de sabedoria"
e na "palavra do conhecimento" as duas instruções
místicas típicas, a espiritual e a intelectual.
NO
Livro IV de De Principiis, Orígenes explica longamente suas
concepções sobre a interpretação da Escritura. Ela tem um
"corpo", que é "o senso histórico e comum"; uma
"alma", um significado figurado a ser descoberto pelo
exercício do intelecto; e um "espírito", um sentido
interno e espiritual, a ser conhecido somente por aqueles que têm "a
mente de Cristo". Ele considera que coisas incongruentes e
impossíveis são inseridas na história para estimular um leitor
inteligente, e compeli-lo a buscar uma explicação mais profunda,
enquanto que as pessoas simples a lerão sem perceber as dificuldades
(Ibid., cap. I).
O
Cardeal Newman, em seu Arians of the Fourth Century, faz certas
declarações interessantes sobre a Disciplina Arcani, mas, com o
ceticismo profunda e indelevelmente enraizado do século XIX, ele não
pode acreditar de todo nas "riquezas da glória do Mistério",
ou provavelmente nem por um momento concebeu a possibilidade da
existência de tais esplêndidas realidades. Mesmo sendo ele um
crente em Jesus, e as palavras da promessa de Jesus sendo claras e
definidas: "Eu não vos deixarei sem conforto; Eu virei a vós.
Ainda um pouco mais, e o mundo já não Me verá; mas vós me vereis:
porque Eu vivo, e viverei. Naquele dia devereis saber que Eu estou no
meu Pai, e vós em Mim, e Eu em vós" (João, XIV, 18-20). A
promessa foi amplamente cumprida, pois Ele veio a eles e os ensinou
em Seus Mistérios; lá eles O viram, embora o mundo já não O
visse, e reconheceram o Cristo neles, e sua vida como a do Cristo.
O
cardeal Newman reconhece uma tradição secreta, transmitida desde os
Apóstolos, mas ele considera que consistia das doutrinas Cristãs,
mais tarde divulgadas, esquecendo que aqueles que eram informados de
que ainda não estavam prontos para recebê-la (a doutrina secreta)
não eram pagãos, nem mesmo catecúmenos, mas membros plenos e
comungantes da Igreja Cristã. Assim ele diz que esta tradição
secreta foi mais tarde (divulgada com autoridade e perpetuada sob a
forma de símbolos", e foi corporificada "nos credos dos
primeiros Concílios" (Loc. cit., cap. I, seç. III, p. 55). Mas
como as doutrinas nos credos são encontráveis nos Evangelhos e nas
Epístolas, esta posição é completamente insustentável, tudo isto
já tendo sido divulgado ao mundo amplamente; e os membros da Igreja
certamente estavam instruídos de tudo a respeito de todas elas. As
repetidas declarações a respeito do sigilo se tornam sem sentido se
explicadas desta forma. O Cardeal, entretanto, diz que o que quer que
"não tenha sido autenticado desta forma, seja informação
profética ou comentário sobre as antigas dispensações, é, pelas
circunstâncias do caso, perdido para a Igreja" (Loc. cit., cap.
I, seç., III, pp. 55-56). Isto é muito provável, de fato é
certamente verdadeiro, até onde interessa à Igreja, mas não
obstante é recuperável.
Comentando
sobre Irineu, que em sua obra Contra as Heresias dá muita ênfase
sobre a existência de uma Tradição Apostólica na Igreja, o
Cardeal escreve: "Ele então passa a falar da clareza e poder de
persuasão das tradições preservadas na Igreja, como contendo a
verdadeira sabedoria dos perfeitos, da qual fala São Paulo, e à
qual pretendem os Gnósticos. E, na verdade, (mesmo) sem provas
formais da existência e da autoridade nos primeiros tempos de uma
Tradição Apostólica, é claro que deve ter havido uma tal
tradição, supondo que os Apóstolos conversassem, e seus amigos
tivessem lembranças, como outros homens. É de todo inconcebível
que eles não tivessem sido levados a arranjar as séries de
doutrinas reveladas mais sistematicamente do que as registram nas
Escrituras, assim que seus seguidores foram expostos aos ataques e
más interpretações dos heréticos; a menos que tenham sido
proibidos disto, uma suposição que não se sustenta. Suas
declarações surgidas nestas circunstâncias obviamente seriam
preservadas, juntamente com os outros segredos, mas que eram verdades
de menor importância, aos quais São Paulo parece aludir, e que os
primeiros escritores mais ou menos reconhecem, seja a respeito dos
modelos da Igreja Judaica, ou dos destinos futuros da Cristã. E tais
recordações dos ensinamentos apostólicos evidentemente seriam
imperativas sobre a fé daqueles que eram instruídos nelas; a menos
que se possa supor que, embora provindo de instrutores inspirados,
não fossem de origem divina" (Ibid., pp. 54,55). Em uma parte
da seção que trata do método alegórico, ele escreve em referência
ao sacrifício de Isaac, etc, como sendo "típico da revelação
do Novo Testamento": "Em reforço a esta declaração, seja
observado que parece ter havido ('parece ter havido' é uma expressão
algo fraca, depois do que é dito sobre Clemente e Orígenes, dos
quais algumas citações são dadas no texto) na Igreja uma
explicação tradicional destes modelos históricos, derivada dos
Apóstolos, mas mantidas entre as doutrinas secretas, por serem
perigosas à maioria dos ouvintes; e certamente São Paulo, na
Epístola aos Hebreus, nos dá um exemplo desta tradição, tanto
como existente quanto como secreta (mesmo sendo mostrado ser de
origem Judaica), quando, primeiro provando-se e questionando a fé de
seus irmãos, comunica, não sem hesitação, a visão evangélica da
passagem sobre Melquisedec, do modo como foi introduzida no livro do
Gênesis" (Ibid., p. 62).
As
convulsões sociais e políticas que acompanharam a morte do Império
Romano agora começavam a torturar sua vasta moldura, e mesmo os
Cristãos foram colhidos no torvelinho dos interesses egoístas em
combate. Ainda encontraremos referências esparsas ao conhecimento
especial concedido aos líderes e instrutores da Igreja, conhecimento
das hierarquias celeste, instruções dadas por anjos, e assim por
diante. Mas a ausência de discípulos aceitáveis fez com que os
Mistérios se extinguissem como uma instituição cuja existência
era reconhecida publicamente, e o ensinamento passou a ser dado mais
e mais secretamente àquelas almas mais e mais raras, que pela
cultura, pureza e devoção se mostravam capazes de recebê-lo. Já
não havia escolas onde os ensinamentos preliminares fossem dados, e
com seu desaparecimento "a porta foi fechada".
Não
obstante pode-se detectar duas correntes na Cristandade, as quais
tiveram suas fontes nos Mistérios desaparecidos. Uma era a corrente
do aprendizado místico, fluindo da Sabedoria, da Gnose transmitida
nos Mistérios; outra era a corrente da contemplação mística,
igualmente parte da Gnose, conduzindo ao êxtase, à visão
espiritual. Esta última, contudo, divorciada do conhecimento,
raramente atingiu o verdadeiro êxtase, e tendeu ou a correr
desenfreada para as regiões mais baixas dos mundos invisíveis, ou
perder-se entre uma variegada multidão de formas sutis superfísicas,
visíveis como aparições objetivas à visão oculta - forçada
prematuramente por jejuns, vigílias e atenção concentrada - mas em
sua maioria nascidas dos pensamentos e emoções do vidente. Mesmo
quando as formas observadas não eram pensamentos externalizados,
eram vistas através de uma atmosfera distorcedora de idéias e
crenças preconcebidas, e assim tornadas largamente indignas de
crédito. Não obstante, algumas das visões foram veramente de
coisas celestiais, e Jesus realmente apareceu de tempos em tempos aos
Seus amantes devotados, e anjos algumas vezes iluminaram com sua
presença a cela do monge e da freira, a solitude do devoto
apaixonado e do paciente buscador de Deus. Negar a possibilidade de
tais experiências seria amputar na própria raiz aquilo "que
tem sido acreditado com mais certeza" em todas as religiões, e
é conhecido dos ocultistas - a intercomunicação entre Espíritos
encerrados na carne e aqueles revestidos de vestimentas mais sutis, o
contato de mente com mente através das barreiras da matéria, o
desabrochar da divindade no homem, o conhecimento seguro de uma vida
além dos portões da morte.
Olhando
pelos séculos não vemos tempo algum em que a Cristandade estivesse
de todo privada de mistérios. "Foi provavelmente em torno do
final do século V, bem na época em que a antiga filosofia estava
morrendo na Escola de Atenas, que a filosofia especulativa do
Neoplatonismo estabeleceu-se definitivamente no pensamento Cristão
através das falsificações literárias do Pseudo-Dionísio. As
doutrinas do Cristianismo estavam naquela altura tão firmemente
estabelecidas que a Igreja poderia encarar uma interpretação
simbólica ou mística delas sem ansiedade. O autor da Theologica
Mystica e de outras obras atribuídas ao Areopagita passa, assim, a
desenvolver as doutrinas de Proclo sem muita modificação em um
sistema de Cristianismo esotérico. Deus é o Ser inominável e
supra-essencial, acima da própria bondade. Daí a 'teologia
negativa', que sobe da criatura até Deus retirando um após outro
todos os atributos determinados, e que nos conduz para mais perto da
verdade. O retorno para Deus é a consumação de todas as coisas e a
meta indicada pelo ensino Cristão. As mesmas doutrinas foram
pregadas com maior fervor eclesiástico por Máximo, o Confessor
(580-622). Máximo representa quase a última atividade especulativa
da Igreja grega, mas a influência dos escritos do Pseudo-Dionísio
foi transmitida para o Ocidente no século IX por Erígena, em cujo
espírito especulativo tiveram origem tanto o escolasticismo quanto o
misticismo da Idade Média. Erígena traduziu Dionísio para o latim
junto com os comentários de Máximo, e seu sistema é essencialmente
baseado no deles. É adotada a teologia negativa, e Deus é
considerado um Ser sem atributos, acima de todas as categorias, e
portanto não impropriamente chamado de Nada. Fora deste Nada ou
essência incompreensível é criado eternamente o mundo das idéias
ou causas primordiais. Este é o Verbo ou Filho de Deus, em quem
existem todas as coisas, até onde possuam existência substancial.
Toda a existência é uma teofania, e como Deus é o início de todas
as coisas, também é seu final. Erígena ensina o resgate de todas
as coisas sob a forma da adunatio ou deificatio Dionisiana. Estas são
as linhas gerais permanentes do que pode ser chamado a filosofia do
misticismo nos tempos Cristãos, e é notável a escassez de variação
com que são repetidas de era em era" (Artigo sobre Misticysm,
in Encyclopaedia Britannica).
No
século XI Bernardo de Claraval (1091-1153) e Hugo de São Victor
continuaram a tradição mística, com Richard de São Victor no
século seguinte, e São Boaventura, o Doutor Seráfico, e o grande
Tomás de Aquino (1227-1274) no século XIII. Tomás de Aquino domina
a Europa da Idade Média, pela força de seu caráter não menos do
que por sua erudição e piedade. Ele estabelece a "Revelação"
como uma fonte de conhecimento, sendo a Escritura e a tradição os
dois canais por onde corre, e a influência, perceptível em seus
escritos, do Pseudo-Dionísio o conecta aos Neoplatônicos. A segunda
fonte é a Razão, e aqui os canais são a filosofia Platônica e os
métodos de Aristóteles - este uma aliança que não fez bem ao
Cristianismo, pois Aristóteles se tornou um obstáculo para o
progresso do pensamento superior, o que se evidencia nas lutas de
Giordano Bruno, o Pitagórico. Tomás de Aquino foi canonizado em
1323, e o grande Dominicano permanece como um modelo da união da
teologia e da filosofia - o anelo de sua vida. Eles pertencem à
grande Igreja da Europa ocidental, e sustentam sua reivindicação de
ser considerada a transmissora da tocha santa do ensinamento místico.
Em torno dela também se disseminaram muitas seitas, julgadas
heréticas, mas que continham tradições verdadeiras do sagrado
conhecimento secreto, como os Cátaros e muitos outros, perseguidos
por uma Igreja ciumenta de sua autoridade, temerosa de que as pérolas
santas passassem à custódia profana. Também naquele século Santa
Elisabeth da Hungria rebrilha com doçura e pureza, enquanto que
Eckhart (1260-1329) prova ser um digno herdeiro das Escolas
Alexandrinas. Eckhart ensinou que "a Divindade é a Essência
(Wesen) absoluta, incognoscível não só pelos homens, mas também
por Si mesmo; Ela é escuridão e absoluta indeterminação, Nicht,
em contraste a Icht, ou existência definida e cognoscível. Mas é a
potencialidade de todas as coisas, e Sua natureza, num processo
triádico, passa à consciência de Si como o Deus trino. A criação
não é um ato temporal, mas uma necessidade eterna da natureza
divina". Eckhart se compraz em dizer que "eu sou necessário
para Deus, assim como Deus é necessário para mim. Em meu
conhecimento e amor Deus conhece e ama a Si mesmo" (Verbete
Mysticism; Encyclopaedia Britannica).
Eckhart
é seguido, no século XIV, por John Tauler e Nicolas de Basel, "o
amigo de Deus em Oberland". Deles nasceu a Sociedade dos Amigos
de Deus, verdadeiros místicos e seguidores da antiga tradição.
Mead assinala que Tomás de Aquino, Tauler e Eckhart seguiram o
Pseudo-Dionísio, que seguiu Plotino, Jâmblico e Proclo, que por sua
vez seguiram Platão e Pitágoras (Mead, Orpheus, pp. 53-54). Deste
modo são interligados os seguidores da Sabedoria em todas as eras.
Foi provavelmente um "Amigo" o autor da Die Deustche
Theologie, um livro de devoção mística, que teve o curioso destino
de ser aprovado por Schaupitz, o Vigário-Geral da ordem Agostiniana,
que foi recomendado a Lutero e pelo próprio Lutero, que o publicou
em 1516, como um livro que deveria estar logo depois da Bíblia e dos
escritos de Santo Agostinho de Hipona. Um outro "Amigo" foi
Ruysbroeck, cuja influência em Groot foi devida à fundação dos
Irmãos do Quinhão Comum ou da Vida Comum - uma Sociedade que deve
permanecer sempre memorável, já que tinha entre seus membros aquele
príncipe dos místicos, Thomas a Kempis (1380-1471), o autor da
imortal Imitação de Cristo.
No
século XV o lado mais puramente intelectual do misticismo desponta
mais fortemente do que o extático - tão dominante nestas sociedades
do século XIV - e temos o Cardeal Nicolau de Cusa, junto com
Giordano Bruno, o martirizado cavaleiro errante da filosofia, e
Paracelso, o caluniadíssimo cientista, que retirou seu conhecimento
diretamente das fontes orientais originais, em vez de através de
canais gregos.
O
século XVI presenciou o nascimento de Jacob Böhme (1575-1624), o
"remendão inspirado", verdadeiramente um Iniciado em
obscurecimento, dolorosamente perseguido por homens não iluminados;
e então veio Santa Teresa, a oprimidíssima e sofredora mística
espanhola; e São João da Cruz, uma flama ardente de intensa
devoção; e São Francisco de Sales. Roma foi sábia ao
canonizá-los, mais sábia que a Reforma, que perseguiu Böhme, mas o
espírito da Reforma foi sempre intensamente antimístico, e onde
quer que seu alento tenha passado as formosas flores do misticismo
murcharam como debaixo do Sirocco.
Assim,
embora tendo apoiado, canonizando, uma Teresa morta, depois de tê-la
atormentado amargamente em vida, a Igreja procedeu pior com Madame de
Guyon (1648-1717), uma verdadeira mística, e com Miguel de Molinos
(1627-1696), digno de sentar-se ao lado de São João da Cruz, que
continuou no século XVII a alta devoção do místico, transformada
em uma forma peculiarmente passiva - o Quietismo.
Neste
mesmo século surgiu a escola dos Platônicos em Cambridge, de quem
Henry More (1614-1687) pode servir como exemplo eminente; também
Thomas Vaugham, e Robert Fludd, o Rosacruz; e lá foi formada ainda a
Sociedade dos Filadelfos, e vemos William Law (1686-1761) ativo no
século XVIII, e ultrapassando Saint-Martin (1743-1803), cujos
escritos fascinaram tantos estudantes do século XIX (Aqui devo
prestar reconhecimento ao artigo Mysticism da Encyclopaedia
Britannica, embora esta publicação não possa de modo algum ser
responsabilizada pelas opiniões expressas).
Nem
devemos omitir Christian Rosenkreutz (morto em 1484), cuja mística
Sociedade da Rosa e da Cruz, aparecida em 1614, tinha verdadeiro
conhecimento, e cujo espírito renasceu no "Conde de
Saint-Germain", a misteriosa figura que apareceu e desapareceu
na melancolia, iluminada por lúgubres lampejos, do final do século
XVIII. Também místicos foram alguns Quakers, a muito perseguida
seita dos Amigos, procurando a iluminação da Luz Interior, e
ouvindo sempre a Voz Interior. E houve muitos outros místicos, "de
quem o mundo não foi digno", como a completamente adorável e
sábia Mãe Juliana de Norwich, do século XIV, jóias da
Cristandade, escassamente conhecidas, mas justificando o Cristianismo
diante do mundo.
Assim,
ao mesmo tempo em que saudamos reverentes estas Crianças da Luz,
espalhadas pelos séculos, somos forçados a reconhecer nelas a
ausência daquela união de intelecto agudo e alta devoção que
seriam fundidos pelo treinamento nos Mistérios, e enquanto nos
maravilhamos de que tenham se alçado tão alto, não podemos senão
desejar que tivessem seus raros dons sido desenvolvidos debaixo da
magnífica disciplina arcani.
Alphonse
Louis Constant, mais conhecido por seu pseudônimo Eliphas Levi,
expressou muito bem a perda dos Mistérios, e a necessidade de sua
reinstituição. "Um grande infortúnio se abateu sobre a
Cristandade. A traição dos Mistérios pelos falsos Gnósticos -
pois Gnósticos, isto é, aqueles que sabem, eram os Iniciados do
Cristianismo primitivo - fizeram com que a Gnose fosse rejeitada, e
alienaram a Igreja das supremas verdades da Kabbala, que contém
todos os segredos da teologia transcendental... Que a ciência mais
absoluta, que a mais excelsa razão, se tornem uma vez mais o
patrimônio dos líderes dos povos; que a arte sacerdotal e a arte
régia tomem o duplo cetro das antigas iniciações, e o mundo social
será uma vez mais tirado de seu caos. Chega de queimar as imagens,
basta de derrubar os templos; templos e imagens são necessários
para os homens; mas expulsem os mercenários da casa de oração; que
o cego deixe de ser o líder para os cegos, reconstrua-se a
hierarquia de inteligência e santidade, e reconheçam somente
aqueles que sabem como instrutores dos que crêem" (The
Mysteries of Magic, trad. para o inglês de A.E.Waite, pp 58 e 60).
Retomarão
as Igrejas de hoje o ensinamento místico, os Mistérios Menores,
preparando assim seus filhos para o restabelecimento dos Mistérios
Maiores, atraindo mais uma vez o Anjos para ensinar, e tendo como
Hierofante o Divino Mestre, Jesus? Da resposta a esta pergunta
depende o futuro do Cristianismo.