A Evolução Enoquiana
A Evolução Enoquiana
Muitas
pessoas encaram de maneira equivocada as artes ocultas. Elas querem
descobrir receitas de bolo, coisas prontas para o uso e imaginam que
os grimórios são como livros sagrados que contém tudo o que elas
precisam saber. Nada contra querer usar aquilo que comprovadamente
funciona, mas muitas vezes com esta postura se perde o
experimentalismo original que foi o que permitiu a magia florescer em
primeiro lugar. O sistema enoquiano é um caso típico. Trata-se de
um sistema tão coeso e forte que muitas magistas esquecem que um
dia, há alguns séculos, ele foi apenas dois caras que não sabiam
oque esperar olhando para dentro de uma bola negra de cristal. O
objetivo deste artigo é mostrar como o enoquiano cresceu e se
desenvolveu baseado na exploração e como ele pode vir a morrer se
permanecer estagnado.
Os
Experimentos de John Dee
O
sistema enoquiano foi usado pela primeira vez por John Dee, astrólogo
oficial da corte da rainha Elizabeth I. Dee nasceu em 1527 na
Inglaterra e foi educado na universidade e Cambridge tornando-se uma
autoridade nos campos da matemática, astronomia e filosofia natual.
Ele era amigo pessoal da rainha e trabalho diversas vezes para ela
como espião do Império. Sua biografia pode ser encontrado na seção
própria para isso do portal da iniciativa Morte Súbita inc. O
importante é saber que numa certa altura de sua vida John Dee
tornou-se interessado em cristalomancia, que é a visão sobrenatural
por meio de cristais. Dois dentre os muitos cristais que ele utilizou
podem ser vistos hoje no museu britânico. De fato é creditado a Dee
o primeiro uso registrado de um cristal polido para este fim, as
famosas bolas de cristal.
Entretanto
ele não se considerava um bom observador de cristais contratava
outras pessoas para realizar as operações enquanto acompanhava.
Este fato pode parecer trivial, mas é talvez a maior idéia que Dee
teve em sua vida. O que acontece é que o processo psiquico da
leitura dos cristais, também chamado de skrying envolve um certo
transe muito semelhante por exemplo ao que Nostradamus usava para
escrever suas centúrias. Neste estado o vidente não está com todas
as suas ferramentas lógicas e abstratas ligadas de forma que muito
se perde. Esta limitação se explica pois transceder a mente
racional é essencial para a boa vidência, mas quanto menos racional
se for por outro lado menos se aproveita aquilo que se atingiu. Dee
resolveu este problema dividindo o trabalho entre duas pessoas. Uma
delas (Kelly) pode se entregar totalmente ao processo psiquico
transcedental e descreve tudo em voz alta enquanto que outra mantêm
a lucidez normal e consegue fazer anotações, comparar resultados e
documentar tudo de maneita organizada.
Com
este processo Dee registrou uma série de tábuas divididas em grades
formando quadrados. Cada um destes quadrados possuia uma letra em seu
interior. Estas letras formavam o alfabeto de uma linguagem nunca
antes vista. Essa linguagem era a chave para se entrar em contato com
seres de regiões mais sutis da existência. Estas regiões estavam
também representadas pelas tábuas, que continham ainda nas suas
letras os nomes das entidades que as dominavam e habitavam. Em outras
palavras estas tábuas seriam mapas dos mundos invisiveis que rodeiam
o mundo cotidiano, com elas Kelly explorava um mundo completamente
novo. A linguagem e o sistema receberam o nome Enoquiano pois
segundo as entidades contatadas tratavasse do mesmo conhecimento que
o Enoch bíblico (também identificado com Hermes) recebeu em sua
época antes de ser elevado aos céus em vida.
A
expansão da Golden Dawn
O
sistema enoquiano foi desde então usado por diversos ocultistas, com
destaque para os adeptos da Hermetic Order of the Golden Dawn , a
Ordem Hermética da Aurora Dourada, que floresceu no século XIX
também na Inglaterra. A estes ocultistas devemos uma grande expansão
do sistema enoquiano, pois náo apenas invocavam as entidades cujos
nomes estão escritos nas tábuas como também viajaram no que chavam
de Corpo de Luz pelas regiões mapeadas pelos quadrados e registraram
suas experiências de uma maneira bastante precisa. Numa certa altura
da existência da ordem estas viagens tornaram-se um problema entre
os membros que literalmente se viciaram nelas como quem se vicia a
alguma espécie de droga.
Sob
a direção de MacGregor Mathers a Golden Dawn refinou o sistema
descoberto por John Dee explorando campos que seu descobridor
original não tinha imaginado. Provavelmente a maior conquista de
MacGregor e cia foi encontrar uma organização por trás dos
quadrados. Ele ensinava um sistema no qual elementos eram designados
aos quadrados (Terra, Água, Ar, Fogo e Espírito) e isso permitiu
conectar o sistema enoquiano com correspondências cabalisticas e
astrológicas. Cada letra enoquiana possui por exemplo uma letra
hebraica equivalente, e portanto uma carta do Tarot:
Fonema
Zodiaco/Elemento Tarot
A
Touro Herofante
B
Aries Estrela
C,K
Fogo Julgamento
D
Espírito Imperatriz
E
Virgem Hermitão
F
Cauda Draconis Mago
G
Cancer Carro
H
Ar Louco
I,J,Y
Sagitário Temperança
L
Cancer Carro
M
Aquário Imperador
N
Escorpião Morte
O
Libra Justiça
P
Leão Força
Q
Água Enforcado
R
Peixes Lua
S
Gêmeos Amantes
Uma
vez enxergados um padrão emana das tábuas revelando que uma ordem
maior prevalece na estrutura de todos os planos de existência.
A
exploração Crowleyana
Posteriormente
outro avanço no sistema enoquiano ocorreu com Aleister Crowley,
ex-membro da Golden Dawn e líder da Ordo Templi Orientis. Durante
suas viagens pelo México e Argélia Crowley se dedicou a uma séria
intensa de invocações e registrou suas viagens pelos 30 Aethrys e
cuidadosamente documentou suas experiências em seu livro "The
Vision and the Voice." Este livro de caráter profético explica
diversos pontos da magia ritual e da formação do mago.
A
descrição feita por Crowley é impressionante pela beleza com que
descreve estes planos paralelos. Apesar de sua leitura difícil nele
encontramos não apenas um guia de viagens pelos mundos enoquianos,
mas também detalhes da iniciação mágica, incluindo uma versão
diferente do famoso ritual de Abramelim e uma explanação da
estrutura aeonica thelemita.
Enoquiano
Pós-Moderno
Diversos
autores tem explorado o sistema enoquiano desde Crowley. Anton LaVey
causou polêmica nos anos 1960 ao publicar uma versão satanicamente
inspirada das chaves enoquianas e assumindo de vez que as entidades
invocadas deviam ser vistas sob um ponto de vista sinistro. Nas
décadas seguintes houve uma certa popularização do sistema no meio
ocultista e o tema foi abordado por diversos autores. Dentre estes
podemos recomendar a leitura das obras de Lon Milo DuQuette e Donald
Tyson, ambos interessados em tornar o uso do sistema mais acessível
aos praticantes de primeira viagem.
No
campo da inovação o destaque deste período fica sem dúvida para o
casal Gerald Schueler e Betty Schueler que dominaram as ferramentas
tradicionais e exploraram campos novos como um tarot genuinamente
enoquiano e uma série de posturas corporais enoquianas semelhantes a
yoga. Mais recentemente já no século XXI tivemos o Projeto
EnoquiONA, trabalho ousado de Alektryon Christophoros relacionando as
letras do alfabeto enoquiano com os deuses sombrios e os arcanos
sinistros da organização satanista tradicional Order of Nine
Angles.
Esta
nova geração busca o desapego do sistema iniciado pela Golden Dawn
que chegou ao seu apice com crowley e defendem o desenvolvimento da
técnica enoquiana pura sem a "poeira qabalistica/astrologica".
Dentre estes outro pesquisador que merece destaque pelo seu trabalho
é Benjamin Rowe, que produziu uma série de experimentos avançados
com magia enochiana. Rowe estabeleceu alguns experimentos
importantes, como o Comselha e a construção de templos enochianos
baseada na visão espiritual.
Aqui
no Brasil, o destaque fica para o Círculo Iniciático de Hermes que
é o único grupo que coloca oficialmente o enoquiano como prática
principal do grupo incluindo uma série de rituais próprios,
técnicas de scrying, iniciações, armas e rituais de proteção
além dos tradicional ritual do pentagrama. Não apenas isso mas o
CIH propõe ainda uma versão enoquiana para visão e conversação
com o Sagrado Anjo Guardião.
Conclusão
As
contribuições de todos estes ocultistas são importantes de se
destacar. Num primeiro relance o estudante pode achar que o sistema
enoquiano é algo pronto simplesmente para se usado. Mas a verdade é
que o sistema está tão pronto quanto estão prontas a música e a
medicina. Ele pode e deve ser expandido e suas fronteiras alargadas.
As técnicas usadas por todos os ocultistas citados neste artigo para
conseguir seus materiais inéditos foram muitas, mas em geral
envolvem o uso do cristalomancia, da projeção do corpo de luz e da
invocação das entidades para recebimento de conhecimento oculto.
Todos estas são ótimas ferramentas de exploração para quem quiser
ir além e ver com os próprios olhos até onde voam os anjos. O
sistema enoquiano é uma forma de exploração das realidade sutis e
é portanto um universo em expansão com muito para ser explorado.
Muitos caminhos realmente já foram descobertos pelos que vieram
antes, mas muitos ainda aguardam seus descobridores. Quem sabe o
próximo não pode ser você?